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Conselheira indígena pede apoio da sociedade contra a tese do marco temporal
Maria Auxiliadora Cordeiro da Silva
Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. Foi assim, citando a famosa frase do papa Francisco, que Maria Auxiliadora Cordeiro da Silva, integrante do povo Baré e membro titular do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), se referiu ao modo de vida dos indígenas. Segundo ela, eles trabalham pelo bem de toda a sociedade, ao lutarem pela preservação da natureza, que é sua fonte básica e primária de vida.
As afirmações foram feitas nesta terça-feira (15), durante a audiência pública realizada pela Comissão Nacional de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que marcou os 11 anos de conquistas e desafios da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan). Ela parabenizou a todos que passaram pela presidência do Consea neste período, pela sensibilidade demonstrada com as causas indígenas.
“O papel que nossos povos fazem e fizeram a vida toda foi de cuidar dessa natureza – a partir da qual nós não sobrevivemos, apenas. Nós vivemos plenamente. E é uma função que serve a todos, porque sem água, sem cuidar da natureza, não existe vida”, afirmou a conselheira, que é graduada em Gestão Pública e mestranda de Antropologia Social.
Maria Auxiliadora aproveitou a audiência para fazer um apelo à sociedade brasileira e ao Congresso Nacional, que representa o conjunto da população do país, contra as Ações Civis Originárias (ACOs 362, 366 e 469) referentes à demarcação de terras indígenas, que serão julgadas nesta quarta-feira (16), no Supremo Tribunal Federal (STF). Como a maioria dos indígenas e quilombolas, ela acredita que essas ações, caso aprovadas, podem aprofundar o quadro de violações dos direitos territoriais e socioambientais no Brasil, por defenderem o chamado marco temporal.
Marco Temporal
O marco temporal restringe o direito constitucional de demarcação de terras e territórios tradicionais de povos indígenas a ocupações datadas até a promulgação da Constituição Federal de 1988. A tese, alertam os indígenas, ignora os processos de espoliação territoriais pelos quais passaram estas comunidades, muitas com a participação do próprio Estado brasileiro.
Dada a importância da terra para os povos originários do Brasil, o marco temporal é considerado uma grave ameaça, pois eles afirmam que abrirá suas terras à grilagem e à exploração descontrolada de recursos naturais. “É como se você estivesse sendo retirado de sua própria casa. Imaginem-se nesta situação: alguém entrando na casa de vocês e expulsando vocês de lá. Sem que você entenda porque está perdendo sua propriedade. É isso que farão conosco”.
Neste momento de sua fala, com voz embargada e olhos marejados, Maria Auxiliadora voltou-se às câmeras que filmavam a audiência e aos pressentes no Plenário 1 da Câmara dos Deputados e perguntou: “Qual o crime que nós, as populações tradicionais, que os quilombolas, a gente que sempre defendeu essa terra, cometemos? Nos respondam”, questionou, arrancando aplausos da plateia.
A conselheira, que é também membro da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab) e representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), advertiu ainda que a luta contra a tese do marco temporal só será vencida se povos indígenas, quilombolas e pescadores artesanais se unirem neste sentido. “Precisamos nos dar as mãos”, conclamou.
As ações que serão julgadas pelo Supremo Tribunal Federal questionam a constitucionalidade do decreto que estabelece procedimentos de demarcação de territórios quilombolas (ADIn3239); e julgam a nulidade de títulos de particulares que ocupavam a terra indígena Ventarra/RS (ACO469); e o pedido do estado do Mato Grosso do Sul de ser indenizado por desapropriações feitas pela União em razão da demarcação de terras no Parque Indígena do Xingu (ACO362) e Nambiquara/MT (ACO366).
Fonte: Ascom/Consea