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Rotulagem nutricional: as evidências devem prevalecer
Na última terça-feira (17), neste mesmo espaço, representantes da indústria alimentícia trouxeram suas contribuições ao debate em curso a respeito do aperfeiçoamento das normas que regulam os rótulos nutricionais de alimentos e bebidas.
Em um momento em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda propostas vindas de diversos setores, esta é uma oportunidade ímpar de discussão, e é louvável que o setor produtivo reconheça que a legislação vigente é insuficiente para garantir o direito à informação.
A proposta do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em conjunto com especialistas em design da informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), prevê o uso de triângulos pretos, com inscrições em branco, que sinalizam na parte da frente das embalagens a presença em excesso de nutrientes considerados críticos para a saúde: sódio, açúcar e gorduras total e saturada, além de qualquer quantidade de gordura trans e adoçantes.
Essa proposta nasce baseada em sólidas pesquisas —científicas e de opinião; nacionais e internacionais— que nos permitiram chegar a importantes conclusões. A principal delas é a de que o sistema de sinalização em cores (verde, vermelho e amarelo), proposto pela indústria alimentícia, não é eficaz para a informação do consumidor.
Isso porque ele é de difícil comparação e entendimento. Por exemplo, qual produto seria mais saudável: o que apresenta duas cores amarelas e duas verdes, ou o que tem três verdes e uma vermelha? Além disso, com o uso dessas cores 'quentes e vivas', comuns nas embalagens de alimentos e bebidas, a sinalização perde seus destaques diante de tantos elementos.
É nesse contexto que o Idec propõe o triângulo preto. E não existe nenhuma única evidência de que este modelo desperte medo ou sensação de perigo. Ao contrário. No Chile, 92,4% dos consumidores avaliaram como "bom" ou "muito bom" a utilização de um selo semelhante à proposta do Idec.
Pesquisas de opinião semelhantes foram reproduzidas no contexto brasileiro e, outra vez, a possibilidade de alarde excessivo ou desproporcional não foi detectada.
Mais uma vez, lembramos que neste debate o único ponto de vista válido é o do consumidor. Ter acesso a informações claras e precisas é um direito, principalmente quando estão em jogo a saúde e o bem-estar.
A epidemia de obesidade é uma realidade. Mais de 50% da população adulta brasileira enfrenta o sobrepeso, e quase 20% está obesa. Na faixa etária dos 5 a 9 anos, 34% das crianças estão acima do peso e 15%, obesas.
Não há dúvidas de que se trata de um problema complexo e multifatorial, que exige um enfrentamento diversificado. Os rótulos sozinhos não trazem a solução, mas o direito à informação constitui parte fundamental dessa equação.
Cabe ressaltar que a inclusão de uma rotulagem frontal efetiva, que faz uso de símbolos diretos e claros, em nada tem a ver com o cerceamento de liberdades individuais.
Seu objetivo é contribuir para que o consumidor possa exercer plenamente o direito de escolha, pois apenas diante de informações completas é possível tomar decisões de forma consciente. Qualquer pessoa poderá seguir consumindo o que quiser —a diferença é que ela estará mais bem informada. Simples assim.
A proposta do Idec já recebeu apoio de mais de 30 organizações, que reconhecem o respaldo científico de um trabalho desenvolvido com rigor e coerência, e de mais de 20 mil cidadãos que querem fazer valer o seu direito à informação clara e precisa nos rótulos dos alimentos.
Certamente este é um movimento que assusta partes envolvidas no debate. Mas reações como estas nos mostram que estamos no caminho certo.
*Ana Paula Bortoletto é nutricionista do Idec e conselheira do Consea. Carla Spinillo é pesquisadora e professora da UFPR
Artigo publicado originalmente no portal portal UOL/Folha