Notícias
Marcelo Carvalheira, mais um combatente da fome se foi
Marcelo Pinto Carvalheira nasceu em no dia 1º de maio de 1928 em Recife. Entrou no Seminário Arquidiocesano de Olinda em 1944. Em 1946 foi para a Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde cursou Filosofia e Teologia. Foi ordenado padre no dia 28 de fevereiro de 1953, em Roma.
A partir de então Dom Marcelo foi um dos mais importantes colaboradores de Dom Hélder Câmara. Durante o regime militar defendeu os perseguidos, sendo ele mesmo preso e torturado. Teve na época uma profunda ação de formar jovens católicos líderes e conscientes de sua realidade, para atuarem em prol dos pobres. Aliás, era conhecido como pastor dos pobres.
Chegando ao fim o comando de Dom Hélder da Arquidiocese de Olinda e Recife no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 o nome de Dom Marcelo Carvalheira é cogitado para assumir no lugar dele, mas Dom Marcelo encontrou dificuldades e preferiu a Paraíba. Uma das dificuldades advinha da própria igreja católica, que já não simpatizava com nomes como Dom Hélder e Dom Marcelo por suas ações mais vanguardistas e à esquerda, se quisermos enquadrá-las do ponto de vista político.
No dia 29 de outubro de 1975, o jovem padre Marcelo Pinto Carvalheira foi nomeado pelo Papa Paulo VI o Bispo Auxiliar da Arquidiocese da Paraíba, ficando sob sua responsabilidade a organização de uma nova Diocese no Brejo paraibano. No mesmo ano, em dezembro, foi ordenado bispo aos 47 anos pelas mãos de Dom Hélder Câmara, Dom Aloísio Lorscheider e Dom José Maria Pires.
Na Paraíba Dom Marcelo tem entre suas diversas ações uma defesa muito marcante na questão agrária, defendendo os pequenos agricultores e apoiando sobremaneira a agricultura familiar e mesmo de subsistência. Era contrário aos latifúndios e a forma de organização de nossa sociedade excludente e concentradora de renda e da terra, gerando enormes consequências para a população mais carente, como a fome.
Ele mesmo conta que certa vez celebrando uma missa ouviu um tiro e logo depois uma correria enorme, só depois se deu conta que o tiro foi para matá-lo. Mas nunca temeu a morte, pois tinha uma religiosidade e uma convicção enorme do que estava fazendo. Nunca deixou de combater a fome, a insegurança alimentar, a concentração da terra e demais mazelas de uma sociedade elitista, resultante de um capitalismo periférico.
Em 1980 foi criada a caçula das dioceses paraibanas: Guarabira, município a 100 quilômetros da capital. Em novembro de 1981, aos 53 anos, foi designado bispo da recém criada Diocese de Guarabira. Foi, então, o seu primeiro bispo.
Em novembro de 1995 foi nomeado arcebispo de Guarabira, tornando-se o 5º Arcebispo Metropolitano da Paraíba. Dom Marcelo tomou posse em janeiro de 1996 e solicitou da Sé Apostólica a concessão do título de Basílica Menor à Catedral Metropolitana de Nossa Senhora das Neves. Em 1997, após reforma do templo, o título é concedido pelo Papa João Paulo II.
Foi vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 1998 a 2004. Como bispo e arcebispo, foi membro da Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB Nacional (1987-1991 e 1995-1998), responsável pelo setor Leigos e Comunidades Eclesiais de Base. Foi delegado à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América por eleição da Assembleia da CNBB e confirmado pelo Papa João Paulo II em 1997.
Ao atingir a idade limite para o governo diocesano, aos 75 anos, Dom Marcelo apresentou sua renúncia ao Papa, sendo esta acolhida no dia 5 de maio de 2004, quando já tinha 76 anos. Após a renúncia, Dom Marcelo passou a morar no Mosteiro de São Bento, em Olinda (PE), depois, por problemas de saúde, morou em Recife com a família. Veio a falecer no sábado, dia 25 de março, aos 88 anos.
Sua capacidade de indignação e ação de revelar e procurar alterar as contradições de uma sociedade injusta talvez seja o seu maior legado. Frente a uma realidade em que degrada e exclui milhares de brasileiros nos resta a saudade de um combatente da fome que se foi.
* Renato Carvalheira do Nascimento é sociólogo e sobrinho de Marcelo Carvalheira