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“A agricultura familiar produz muito mais e ocupa menos terra”, diz especialista
Durante a oficina, Verônica Gronau comentou o uso crescente de agrotóxicos e sementes transgênicas na lavoura, a situação dos indígenas no Mato Grosso do Sul e sobre a atuação do Consea. Imagem: Francicarlos Diniz/Consea
Para a professora de Nutrição da Universidade Federal Grande Dourados (MS), Verônica Gronau, até mesmo por questões econômicas, o modelo que prioriza a produção de milho, soja e cana de açúcar para exportação precisa ser repensado urgentemente. “O que alimenta o Brasil?”, questiona ela.
“A agricultura familiar produz muito mais alimentos do que o agronegócios, absorve mais de 70% da mão de obra no campo e ocupa menos de 25% das terras”, explica.
Doutora em Saúde Coletiva, Verônica é presidenta do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Dourados (MS). A região vem sendo marcada pela disputa de terras entre produtores rurais e os mais de 18 mil indígenas que habitam o local, 12 mil em reservas já demarcadas.
No ano passado, uma comitiva composta pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Ministério Público Federal e outros órgãos federais e estaduais visitou comunidades indígenas (acampamentos e reservas) das etnias Guarani e Kaiowá do Cone Sul do estado do Mato Grosso do Sul.
O relatório da visita constatou “a ocorrência de fome e desnutrição, a precariedade do acesso a saúde, a água e a educação, a ausência de documentação civil, um constante sentimento de medo de ataques violentos por ordem dos fazendeiros da região e uma forte criminalização das lideranças indígenas que resistem e reagem aos abusos de poder dos órgãos de polícia”.
Nesta quinta e sexta-feira (29), Verônica participa da Oficina Regional do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Realizado em Campo Grande, o encontro reúne representantes do Distrito Federal e dos estados da Região Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul).
Durante a oficina, ela comentou o uso crescente de agrotóxicos e sementes transgênicas na lavoura, a situação dos indígenas no Mato Grosso do Sul e sobre a atuação do Consea.
Orgânicos
Produzir alimentos orgânicos é mais barato, pois não há custo com agrotóxicos e fertilizantes químicos. Mas a “gourmetização” do consumo dos orgânicos e o alto custo na compra de selos de certificação são dificultadores no estabelecimento dos preços dos produtos.
Agricultura familiar
O que alimenta o Brasil? Mais de 70% dos alimentos que o brasileiro consome são provenientes da agricultura familiar, que absorve 70% da mão de obra camponesa e ocupa apenas 25% do total das terras. Apesar disso, 86% do crédito para financiamento agrícola são direcionados para os grandes agricultores.
Agrotóxicos e transgênicos
A produção de milho e soja para exportação é toda feita com transgênicos. O que sobra dessa produção para o Brasil vai para a alimentar o gado. O brasileiro não come essa superprodução de grãos. É uma falácia essa história de que o agronegócio é “pop”. Se o uso de agrotóxicos e de transgênicos na agricultura fosse a solução, não haveria fome no mundo há muito tempo.
Território indígena
A relação dos índios Guarani e Kaiowoá com a terra é ancestral, é cosmológica, é espiritual. É esse o conceito de "tekoha", que é desrespeitado. Assim como não é respeitado o direito desses povos à saúde. Veja um exemplo disso: o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] não vai até as aldeias. O Corpo de Bombeiros, por sua vez, não faz atendimentos de socorro nas aldeias à noite, alegando questões de segurança. O atendimento acaba tendo que ser feito pelo pessoal da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] de Dourados. Ora, pegue o melhor bairro da cidade de Dourados e retire a luz e o asfalto, tire toda a infraestrutura de lá, é claro que esse lugar vai se tornar inseguro também. E estamos falando de aldeias que ficam a apenas 4 quilômetros da cidade. Estamos falando de desrespeito a direitos básicos, essenciais, como o direito à terra e à água.
Consea
É preciso continuar avançando. É preciso acompanhar e cobrar os poderes públicos, exercer de fato o controle social das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Precisamos resistir.
Entrevista: Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea