Notícias
Pataxós pedem ajuda do MP para recuperar terras e ONU alerta sobre omissão do Estado
Pataxós se ajoelham diante de autoridades em audiência pública no Ministério Público. Problemas de terras são recorrentes e agravados por falta de acesso à Justiça. Imagem: Ivana Diniz/Consea
Há 500 e poucos anos, diante dos colonizadores portugueses, os índios Pataxós se ajoelharam para assistir a primeira missa realizada no Brasil, na Bahia. Nesta quinta-feira (10), pintados e vestidos segundo os costumes tradicionais, um grupo de indígenas se ajoelhou novamente, agora diante de autoridades presentes à audiência pública realizada em Brasília, pelo Ministério Público Federal (MPF). Eles pediam ajuda contra uma medida de integração de posse de três hectares de uma terra reclamada pela tribo na região de Coroa Vermelha (BA), prevista para esta sexta-feira (11).
A audiência tinha o objetivo justamente de buscar soluções para as recomendações feitas ao governo brasileiro pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), sobre graves violações aos direitos indígenas no país. Angustiado, o cacique Syratã Pataxó relatou o problema que aflige seu povo.
“O processo de regulamentação do nosso território está aberto desde 2006. Um empresário se dizia dono do lugar. Então, eles entraram na terra expulsando o povo Pataxó desse território. Coroa Vermelha já é uma área demarcada, só que a comunidade que vive lá é grande e a terra é pequena. Aí, esse território, que hoje está passando por um processo de demarcação, nós ocupamos. E estamos pressionados tanto pela comunidade, que está se desenvolvendo, quanto por parte dos empresários, que estão dentro de nossos territóriosm fazendo loteamento, devastando as florestas. E por isso é que viemos aqui”.
O relato dos Pataxós é mais um entre uma infinidade de casos de confrontos entre “brancos” e “índios” sobre a posse da terra em todas as regiões do país. A situação foi observada durante missão ao Brasil da relatora especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ocorrida entre 7 e 17 de março deste ano.
“Povos indígenas reportaram terríveis ameaças a seus direitos e suas existências no contexto de projetos de desenvolvimento de grande escala ou de alto impacto, incluindo megaprojetos como a construção de hidrelétricas e infraestrutura, mineração e a instalação de linhas de transmissão que são iniciadas sem significativa consulta para buscar o consentimento livre, prévio e informado nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, alerta o relatório.
Alterações na legislação
A relatora da ONU observou também manobras que acontecem no âmbito do Poder Legislativo, federal e nos estados. “Preocupações também foram levantadas com relação à tentativa de alterar ou aprovar legislação que diretamente impacta sobre seus direitos, como o Código de Mineração sem significativa consulta prévia com os povos indígenas envolvidos”. Nesse sentido, parlamentares presentes ao encontro reportaram a recente recriação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e Incra, em novembro, na Câmara dos Deputados, com apoio maciço da bancada ruralista.
Para Jane Beltrão, vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia (APA), o que se vê é uma tentativa generalizada de criminalizar as atividades dos antropólogos da Funai e do Incra, para barrar novas demarcações de terras indígenas e territórios de comunidades tradicionais.
É o que pensa também Vieber Tapeba, filho de Dourado Tabepa, em relação às ameaças sofridas pelas diversas tribos em todo o país. “Viemos aqui defender o protagonismo indígena contra a criminalização da atuação das nossas lideranças indígenas, que tem acontecido hoje no nosso pais e muitas lideranças que tem lutado pelos seus direitos tem direito tem tido. Muitos líderes estão sendo cerceados no direito de se manifestar. Queremos deixar claros nossos direitos como protagonistas da história, também temos o direito de nos manifestar”, destaca o jovem.
Acesso à Justiça
Para a ONU, a falta de acesso à justiça para os povos indígenas é um tema central. De acordo com o relatório da entidade, “no Brasil, os povos indígenas enfrentam significativos obstáculos no acesso à justiça devido à falta de recursos, às barreiras culturais e linguísticas, ao racismo institucional e falta de conhecimento sobre suas culturas e seus direitos por parte do judiciário e autoridades. Essas barreiras se somam a ações e omissões do Estado com relação aos direitos de consulta e participação, ao uso de mecanismos que negam direitos tal como a suspensão de segurança pelo judiciário, e à falta de adequada consideração aos direitos territoriais indígenas, por exemplo, por meio da inapropriada aplicação da Constituição no julgamento do caso Raposa-Serra do Sol”.
A presunção de que os processos de demarcação serão observados de acordo com a lei é então usada como uma justificativa para postergar a demarcação, e então a lei é transformada em obstáculo, ao invés de garantia, para a realização dos direitos dos povos indígenas. “A falta de garantia do acesso à justiça aos povos indígenas num contexto em que a violência histórica contra eles tem sido ignorada, juntamente com a crescente criminalização dos povos indígenas e com os ataques violentos e assassinatos impunes, passam a mensagem para aqueles responsáveis de que não haverá repercussão para suas ações”, acrescenta o texto.
Para os povos indígenas, tal situação sinaliza que as instituições do Estado, incluindo os sistemas de justiça e de execução da lei, carecem tanto de vontade para garantir que seus direitos sejam protegidos, como de genuína preocupação com relação a suas demandas.
Retomadas
Contra tal estado de insegurança jurídica e ameaças de toda sorte, os índios resolveram promover, eles mesmos, a retomada de suas terras ancestrais. “Esse é o processo de autodemarcação. Se não fizermos as retomadas, a áreas serão invadidas. E, a partir das retomadas, a gente tem reconquistado nosso território”, explica o conselheiro Dourado Tapeba.
“A missão do Estado brasileiro com relação a regularização dos territórios indígenas brasileiros fracassou. E, por conta disso, os povos indígenas têm utilizados um instrumento da autodemarcação, que são as retomadas, para garantir a permanência nos territórios tradicionais. Estamos denunciando essa omissão do Estado brasileiro. E também dizendo que, quando há omissão do Estado, as próprias comunidades se veem obrigadas a criam alternativas – que no caso é a das retomadas”, acrescenta Vieber.
Por omissão, enfatiza o indígena, o Brasil de fato tem sido protagonista dessa ruptura do Estado democrático de direito em relação aos povos indígenas e precisa se posicionar politicamente com relação ao tema, para que as comunidades sejam ouvidas e todos os brasileiros possam participem do processo de construção de um pais democrático.
Retomada também é o termo usado pelo cacique Syratã Pataxó para descrever a situação em Coroa Vermelha, na Bahia. E, como acontece muito nestes casos, a reação dos “brancos” veio de surpresa.
“Quando nossas lideranças se prepararam para vir para este encontro, o juiz de lá falou que estava tudo tranquilo. Que a gente podia vir e ninguém ia mexer com nosso povo. Que não tinha nenhum processo de intervenção de posse e a gente podia ficar despreocupado. Mas ele só esperou todos os caciques saírem da aldeia. E hoje o povo foi informado de que nesta sexta-feira haveria uma integração de posse. Ele fez a coisa por traz, tramando contra nós. Ficamos sabendo hoje, pela parte da manhã. Todos os caciques estão aqui e nosso povo está lá, como aquelas formigas, sem liderança. Tudo no sofrimento”, lamenta o cacique.
Fonte: Ivana Diniz Machado/Consea