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ONU: Justiça deve consultar indígenas antes de autorizar obras que ameaçam as aldeias
Brasil precisa capacitar juízes e magistrados em questões indígenas, antes de arbitrar causas que digam respeito a estes temas, afirmaram participantes da audiência pública em Brasília. Imagem: Ivana Diniz/Consea
O Brasil deve adotar urgentemente uma forma eficaz de consultar as populações indígenas antes de realizar obras e projetos que impactam diretamente na perda de seus territórios, com a consequente ameaça à alimentação, nutrição, saúde e sobrevivência desses povos. É necessário ainda, mas não menos importante, capacitar juízes e magistrados do país a compreender a magnitude e importância das questões indígenas, antes de arbitrar causas que digam respeito a estes temas.
Essas foram algumas das conclusões da audiência pública realizada nesta quinta-feira (10), em Brasília, pelo Ministério Público Federal (MPF), para buscar soluções e encaminhamentos para as recomendações feitas ao governo brasileiro pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), que publicou em setembro um relatório sobre a realidade vivida pelos indígenas brasileiros. O texto afirma que “sérias violações” dos direitos indígenas ao longo das últimas décadas não foram “adequadamente investigadas ou remediadas”.
A audiência foi promovida pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, uma instância do MPF, e contou com a presença de centenas de indígenas, que se manifestaram em favor das medidas citadas. Entre as autoridades presentes, Ela Wiecko, subprocuradora-geral da República e coordenadora da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão (1ª CCR); David Zaru, oficial de assuntos políticos do Escritório dos Assessores Especiais da ONU sobre a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger; e Niky Fabiancic, coordenador residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil.
Violações aos direitos indígenas
O relatório da ONU, elaborado durante missão ao Brasil da relatora especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ocorrida entre 7 e 17 de março deste ano, afirma que o crescente uso pelo Judiciário do mecanismo de suspensão de segurança – isto é, que possibilita que certos direitos sejam suspenso em favor de outros – foi apontado pelos povos indígenas como grande problema no contexto de projetos de desenvolvimento.
Esse mecanismo permite que projetos prossigam, mesmo que possam resultar em sérias violações de direitos dos povos indígenas, mesmo que o Estado não tenha cumprido com o seu dever de consultar para obter o consentimento livre, prévio e informado dos envolvidos. “A relatora especial foi informada de que algumas decisões judiciais seguem referindo-se aos povos indígenas de maneira pejorativa e discriminatória. Também foi dito a ela que alguns juízes e promotores parecem incapazes de se relacionar com a realidade dos povos indígenas, o que coloca um fardo maior sobre os povos indígenas quando tentam reivindicar por seus direitos”, diz a ONU.
Formação de magistrados
Para o desembargador federal Fernando Quadros da Silva, professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), a reclamação da ONU procede. “Existem juízes que estão presos a velhos preconceitos da nossa cultura, que são autoritários e não conhecem a questão indígena”, afirma.
Fernando Quadros acredita que realmente é necessário treinar juízes federais, o que poderá ser feito por meio da Enfam. “Temos hoje 15 mil juízes que saem diretamente da faculdade para arbitrar questões complexas como essas. O ideal seria um curso de pelo menos quatro meses após a formatura, abordando os direitos dos indígenas, entre outros”.
O desembargador lembra que a insegurança e a violência vividas no campo hoje mostra que o Estado falhou em fazer a articulação entre os diversos setores ali representados e seus diversos interesses, o que poderia ser feito por meio de câmaras especiais em cada região, integrado por pessoas conhecedoras dos problemas locais. “O Estado brasileiro, os políticos, todos os poderes, precisam aprender a fazer essa articulação entre os diversos setores da sociedade. Respeitar igualmente a todos. Precisamos ter a humildade de aprender essa lição.
Esperança
Lideranças indígenas presentes também expressaram satisfação sobre o debate acerca das ameaças à sua sobrevivência e modo de vida. Para o conselheiro Antonio Ricardo Domingos Dourado da Costa Tapeba, o Dourado Tapeba, a audiência pública trouxe “muita esperança” de mudar a história dos povos indígenas. “A gente tem condição de superar essas dificuldades que estão dentro de nossas aldeias”.
“E a sugestão do procurador, de criar câmaras especiais com pessoas experientes nas causas indígenas em cada região, eu acho interessante. Porque criando as câmaras, eles vão entender como funciona o processo judiciário. Como funciona a questão da reintegração de posse – e a cada dia as liminares que saem. Então acho que, criando as câmaras, haverá mais facilidade para conduzir os processos dentro do Judiciário”, acrescenta.
Fonte: Ivana Diniz Machado/Consea