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Aumento da participação do setor privado em conselho da FAO preocupa sociedade civil
Christiane Costa: “Durante evento da FAO em Roma, sociedade civil criticou crescente participação do setor privado no CSA e captura de alguns temas do campo dos direitos, como gênero e agricultura familiar”. Imagem: Arquivo Pessoal
A recessão acelerou a simpatia dos consumidores pela ecologia, inclusive em relação à alimentação, pela descoberta de que sustentabilidade pode se traduzir em economia, de acordo com um estudo sobre tendências do mercado, feito por uma consultoria internacional. No Brasil, um quarto dos consumidores (25%) diz preferir refrigerantes em garrafas de vidro reutilizáveis porque são mais baratas que as de plástico. E quase dois em cada cinco (39%) brasileiros estão inclinados a comprar marcas que não agridem o ambiente.
É um filão considerável de lucros a atrair a cobiça de grandes empresas, que se esforçam para conquistar consumidores, por meio do apoio a pesquisas sobre temas até então explorados apenas por pequenos nichos de negócios, como a alimentação saudável, agroecologia, sementes nativas e importância do papel das mulheres neste setor, entre outros. Mas, até que ponto tais pesquisas, que já nascem direcionadas ao objetivo de aumentar o consumo de um determinado produto, podem ser levadas a sério?
Como o fenômeno ocorre em todo o mundo, essa preocupação não passou despercebida durante a 43ª reunião anual do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) da FAO, realizada em Roma (Itália), entres os dias 17 e 21 do último mês de outubro. “A sociedade civil faz uma crítica à crescente participação do setor privado no CSA e à tentativa de captura de alguns temas do campo dos direitos, tais como gênero e agricultura familiar”, pelas empresas, relata Christiane Araújo Costa, coordenadora de Alimentação e Segurança Alimentar do Instituto Polis, de São Paulo.
Segundo a conselheira, que participou do encontro de Roma, a preocupação permeou vários eventos paralelos à reunião do CSA e chamou a atenção pela alta qualidade das discussões, impulsionadas principalmente pelos movimentos de saúde e nutrição sobre os conflitos de interesses públicos e privados.
Opas também fez alerta
Também em outubro, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) voltou a alertar a população global para o perigo dos conflitos de interesse relacionados às pesquisas científicas de nutrição financiadas por indústrias alimentícias.Segundo o assessor regional em nutrição e atividade física da Opas/OMS, Fábio Gomes, esse tema era tabu há até bem pouco tempo. “As pessoas falavam disso com a cabeça baixa. Discutir conflito de interesses parecia coisa de extraterrestres”, declarou durante o XXIV Congresso Brasileiro de Nutrição, realizado em outubro, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Fábio Gomes enfatiza que há casos de pesquisas científicas financiadas pela indústria que distorcem completamente os resultados. “Por meio de diversos estudos, a indústria tenta causar uma cegueira na população. Um deles atrasou em mais de 30 anos nossa noção sobre os males causados pelo açúcar. Buscamos identificar exatamente como essas distorções se dão em cada caso e como podem afetar as práticas profissionais e as políticas públicas”, diz.
O conflito é uma situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que comprometem o interesse coletivo ou influenciam, de maneira imprópria, o desempenho da função pública, principalmente na área de nutrição. Se o objetivo da empresa é vender refrigerante e o da saúde é reduzir o consumo de bebidas açucaradas, não há como estabelecer uma parceria.
Temas ligados às cidades
A conselheira Christiane Araújo Costa, que também foi palestrante no “Forum: Urbanization, Rural Transformation and Implications for Food Security anda Nutrition”, realizado durante a 43ª reunião anual do CSA da FAO, em Roma (Itália). De acordo com ela, no encontro, o tema das cidades foi considerado uma das prioridades mundiais atuais. “Principalmente, de uma visão sistêmica de cidade, à exemplo da experiência de implantação do Sisan municipal na cidade de São Paulo”.
Houve uma boa repercussão à apresentação da experiência de construção do Sistema Nacional de San e da Política e do Plano de Segurança Alimentar e Nutricional do Município de São Paulo, garante ela. Mas ressalta que, ainda que os representantes da sociedade civil presentes tenham feito pressão para que a eleição da “urbanização e transformação rural”, como tema prioritário, apontasse como resultado um Guia de Recomendações Globais, isso não ocorreu.
“A falta de acordo por parte de alguns países resultou em um encaminhamento menos robusto, de se limitar a identificar e realizar a troca de experiências e melhores práticas sobre este tema. Não ficou claro ainda qual será a participação dos movimentos da sociedade civil neste processo de trabalho”, lamentou.
Ao site do Consea, Christiane ressaltou ainda a “qualidade das intervenções em favor da implementação do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável feitas pela delegação brasileira, liderada pela embaixadora Maria Laura da Rocha, com destaque à condução dos trabalhos e intervenções em plenário, realizada pela representante do Brasil na FAO, Fernanda Mansur Tansini e dos demais técnicos brasileiros”.
Fonte: Ivana Diniz Machado/Ascom-Consea