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Seminário chama atenção para nutrição de povos tradicionais e da periferia
Embora tenha havido um incremento significativo na renda da população brasileira nas últimas décadas, ainda há muitos desafios para garantir a segurança alimentar no país. Essa é a motivação principal dos pesquisadores que participaram do Seminário Internacional “Indicadores de Segurança Alimentar e Nutricional”, realizado em São Paulo, SP, no dia 9 de abril pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
“Nós passamos da fase em que a fome assolava um número muito grande de brasileiros, mas agora precisamos discutir como vamos promover a saúde peio meio da comida”, afirma Maria Rita Marques de Oliveira, professora do Instituto de Biociências da Unesp em Botucatu, e uma das coordenadoras do seminário.
Entre os destaques, a palestra do conselheiro Edgard Moura, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), abordou o fato de os mais pobres terem mais dificuldade de acesso à comida saudável. “Na periferia, os mercadinhos têm baixíssima variedade de frutas e legumes, enquanto sobram refrigerantes altamente açucarados, salgadinhos e outros produtos ultraprocessados”, diz, lembrando ainda que as feiras de produtos orgânicos em São Paulo são realizadas apenas em bairros nobres. “Se quiser ter acesso a uma comida melhor, o morador da periferia precisa pegar um ônibus, muitas vezes um trem e um metrô também”.
Ele ressalta ainda que muitas famílias em situação de vulnerabilidade alimentar e nutricional são quilombolas, indígenas, ciganos, caiçaras e outros povos com modos de vida tradicionais. Diz também que mesmo os programas governamentais criados para dar solução ao problema não respeitam a tradição nutricional desses povos. “Precisamos perceber que o racismo tem vertentes tão perversas que ele agride suas vítimas até naquilo que é mais elementar para um ser humano que é a sua refeição.”
Lília Ofir Peralta Saá, pesquisadora da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) explicou como a crise de 2001, afetou seu país, o Equador. A nação de 14 milhões de habitantes viveu o confisco de contas bancárias, dolarização com perda de poder de compra das famílias, gerou desabastecimento e, como consequência, fome. “Passado esse período turbulento, estamos experimentando uma nova fase de estabilidade política e crescimento econômico, como muitos na América Latina”, afirmou. “Mas precisamos aprender a manter a segurança alimentar e nutricional tanto em épocas de vacas gordas como magras”
Segundo a pesquisadora, os países latino americanos têm muito a aprender com trocas de experiência. “Assim como no Brasil, nossas populações tradicionais também estão em condição mais vulnerável”, disse, Saá. Ela ressalta que muitas pessoas desses grupos populacionais não consomem o que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS) – ao menos 2 mil calorias e 50 gramas de proteína ao dia.
As comunidades tradicionais também foram destaque na apresentação do professor José Giacomo Baccarin, da Unesp em Jaboticabal, que fez uma análise do cumprimento da lei que determina que os gastos com alimentação dos governos devem dar prioridade a produtos da agricultura familiar, com incentivo extra para produções feitas por essas populações. “Muitas prefeituras não cumprem a lei porque o abastecimento é ruim no país, as cidades não criaram estruturas para facilitar a entrega dos alimentos”, disse. Essas instalações têm a função de armazenagem centralizada do município e permitiriam que o pequeno agricultor não tivesse gastos para levar o fruto de sua colheita de porta em porta a cada escola, presídio ou hospital, por exemplo.
“A diferença de preço entre o que o pequeno agricultor recebe e o preço cobrado ao consumidor por um atacadista como a Ceagesp, por exemplo, é muita grande e precisa ser discutida”, enfatizou Baccarin. Ele destacou ainda um dado conhecido do setor agrícola – a pequena produção, embora ocupe menos porções de terra em comparação com o agronegócio, gera mais alimentos. “São Paulo permitiu que o número de pequenas roças no estado decaísse, o que obriga a cidade de São Paulo a comprar alimentos de produtores paranaenses para abastecer os prédios públicos.”
Também participaram do encontro Patrícia Constante Jaime, da USP, que abordou o impacto da boa alimentação em instituições de saúde e em escolas; Ana Maria Mancuso, que ressaltou que os problemas de abastecimento têm ganhado cada vez mais relevância para as pesquisas em nutrição; Carmen Priscila Bocchi, coordenadora de Monitoramento das Ações de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que detalhou as últimas ações da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan/MDS); Cláudia Bogus, da USP, que enfatizou a importância da participação popular na criação de políticas públicas; e a professora Mônica Inês Jorge, também da USP, que encerrou o evento.
“Os profissionais das áreas de nutrição e saúde passaram anos tendo que lidar com o desafio de levar comida para todos. Hoje temos uma tarefa mais específica de responder a que comida a pessoas precisam ter acesso”, concluiu Mônica.
Fonte: Unesp