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Sobre agrotóxicos e soberania alimentar
Não é por falta de confirmação dos efeitos nocivos à saúde e ao ambiente que a grave situação de uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil não é revertida. O "Dossiê da Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde" reúne informações de centenas de livros e trabalhos publicados em revistas nacionais e internacionais, que revelam evidências científicas e a correlação direta entre uso de agrotóxicos e problemas de saúde.
Essas informações foram confirmadas por diversas fontes, relatos e denúncias, no Brasil e no exterior. A publicação é resultado de um trabalho coletivo de pesquisadores, professores e estudantes, militantes e ativistas das agendas de enfrentamento ao uso dos agrotóxicos, promoção da agroecologia e garantia da segurança e soberania alimentar e nutricional.
A proposta visa tirar da invisibilidade acadêmica, política e social o tema do uso e consumo de agrotóxicos. Ainda que nos cause espanto, setores hegemônicos da ciência legitimam o uso dos agrotóxicos, como um "aliado do progresso social". O dossiê é um marco histórico importante na disputa pela ciência, reconhecendo e assumindo que os agrotóxicos são venenos e não há limites mínimos aceitáveis para seu consumo. A ciência não é neutra e o seu papel é dialogar com e para a sociedade.
Destaca-se citação de Jaime Breilh que revela uma contribuição estratégica do Dossiê: "A crítica de um paradigma científico não é um ato puramente acadêmico ou de "laboratório". Pensar em um novo paradigma e reconstruir as bases de ação de uma nova ciência é também um ato ético e politico".
A alimentação adequada e saudável é uma garantia fundamental do cidadão brasileiro desde 2010 e a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional vem implementando um conjunto de projetos, programas, estratégias e políticas para a garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável.
O consumo de agrotóxicos viola a soberania alimentar e os direitos sociais. Viola porque alimenta um modelo agrícola vigente, injusto sócio-ambientalmente e porque tem impactos alarmantes sobre a saúde humana e o sistema de saúde do país, além de gerar insegurança alimentar e nutricional.
A alimentação adequada e saudável é a realização de um direito humano básico, com a garantia ao acesso permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais dos indivíduos, sem desconsiderar o ciclo de vida e as necessidades alimentares especiais. Além disso, deve respeitar a cultura alimentar, dialogando com os princípios de variedade, equilíbrio, moderação, prazer e sabor, as dimensões de gênero e etnia e as formas de produção ambientalmente sustentáveis, livre de contaminantes físicos, químicos, biológicos e de organismos geneticamente modificados.
O Dossiê é um pequeno grande passo para consolidação de uma agenda que promova a transição do modelo agrícola no Brasil, aumentando os investimentos e organização da agroecologia como um eixo de desenvolvimento rural, social ,ético e sustentável.
Anelise Rizzolo é membro do GT Alimentação e Nutrição da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), professora do Departamento de Nutrição da UnB e conselheira do Consea.