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Será o fim dos alimentos transgênicos?
Há poucos dias, o Deputado Federal Ivan Valente (PSOL/SP) apresentou o Projeto de Lei 6.432/13, que, sem delongas, pretende banir os alimentos transgênicos do Brasil.
Seria uma vitória para a humanidade se esse projeto fosse aprovado. Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e já é o segundo maior produtor de transgênicos do mundo com 371 bilhões de metros quadrados (37,1 milhões de hectares) de produção, o que corresponde à metade de terras brasileiras destinadas a atividades agrícolas.
Ao contrário do que é vendido pelos lobistas da Monsanto, Bayer, Dow, Syngenta e outros gigantes internacionais do agronegócio, colocar um gene de uma bactéria no milho ou de um vírus na soja pode fazer mais do que dar lucro a essas empresas e a políticos parceiros.
Reações
Nota-se que quase nunca as reações adversas provocadas pelos transgênicos são rigorosamente pesquisadas, como a proliferação anormal de células precursoras de câncer ou a evidência de transferência horizontal de gene para o intestino ou DNA humano, ambos cuidadosamente ignorados, sem falar nos dados de mortalidade de animais alimentados com cultivos transgênicos, que são totalmente deixados de lado ou suprimidos.
Alguns membros da CTNBio, órgão que libera a comercialização dos alimentos transgênicos no Brasil, ao votar pela liberação da soja transgênica, do milho transgênico, do algodão transgênico e, agora, do feijão transgênico, insistem em dizer que a discussão sobre o tema é mais uma questão política e ideológica do que científica.
Riscos
Porém, o próprio discurso se volta contra o orador. O milho da Monsanto, proibido em diversos países por conta de estudos que demonstraram que seu consumo traz altíssimo risco de câncer, foi liberado com facilidade por aqui. E isso é só um exemplo.
Já são mais de 25 tipos de alimentos transgênicos liberados pelo órgão, que nós e os animais consumimos todos os dias sem saber. Os animais nem teriam como saber, nós, seres humanos, sim. A rotulagem desses alimentos é obrigatória, seja pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Lei de Biossegurança, pelo Decreto 4.680/03 ou pelo Programa Nacional de Direitos Humanos III. E onde está a informação para o consumidor?
Durante muito tempo a rotulagem foi ignorada pelas empresas alimentícias. Foi somente com a atuação do Departamento de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e a consequente aplicação de multas, que algumas passaram a informar nas embalagens que seus alimentos contêm transgênicos.
Fiscalização
Mesmo assim o cenário está longe de ser tranquilo, não há notícia de que o Ministério da Agricultura fiscaliza a documentação fiscal do produto transgênico no campo e ao menos 3 projetos de lei tramitam no Congresso para tentar retirar a obrigatoriedade da rotulagem. Sem falar em medidas provisórias que sempre deram um jeitinho de fazer a coisa toda funcionar.
O direito à livre escolha é absolutamente suprimido nesse conchavo, o que também ocorre com o direito à saúde, à alimentação adequada e ao meio ambiente equilibrado, todos garantidos pela Constituição.
Quanto ao direito à informação, o site da CTNBio se destaca. Ao contrário da informação de interesse público, que deveria ser clara para o entendimento de qualquer pessoa brasileira, o site faz questão de mostrar informações em inglês como commercial aprovals ou CTNBio position about Séralini report transgenic corn. Nem o site do Ministério das Relações Exteriores dá tantas informações em inglês em sua página inicial. Daí é possível imaginar quem, na visão da CTNBio, tem mais direito à informação.
Interesses
É nítido que alimentos estão envoltos em uma rede de interesses financeiros que começou nos Estados Unidos e chegou por contrabando ao Brasil no início dos anos 90 e, agora, como jamais visto, envolve pessoas relacionadas a grandes empresas, ao governo federal, à câmara dos deputados e ao senado.
Enfim, a mais simples das necessidades humanas foi transformada em “produto” e a produção de alimentos em “negócio”, fazendo com que, inevitavelmente, as próprias pessoas se tornassem “cobaias” de mutações genéticas provocadas em laboratório.
De fato, a questão é mais política do que científica.
Complexidade
Atualmente, a questão dos agrotóxicos e dos transgênicos (intimamente relacionados) é um dos assuntos mais complexos de se entender ou se explicar, face ao desencontro de informações promovido na imprensa e à inaplicabilidade de leis mal formuladas e irresponsavelmente interpretadas.
A consequência disso tudo é o perigo ao equilíbrio do meio ambiente e à própria saúde humana, que já podemos sentir naqueles que sofrem com doenças que estranhamente não se sabe de onde vêm.
O Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Ivan Valente é audacioso e merece apoio de toda a sociedade civil. De forma objetiva e de fácil entendimento, desconstrói todo um sistema econômico, político e jurídico feito, única e exclusivamente, para dar dinheiro às pessoas que estão por trás das empresas que vêm se apropriando do bem mais valioso da humanidade: a vida.
* Flavio Siqueira Júnior é advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e ativista de direitos humanos. O artigo foi publicado na revista Caros Amigos.