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Queda de braço e inspiração
O Fórum Social Mundial (FSM) está acontecendo na Tunísia e uma queda de braço internacional, ainda sem vencedor, entre Grécia e Alemanha, Grécia e União Europeia pode decidir boa parte do futuro da Europa e até do mundo.
As notícias e manchetes da semana dizem o seguinte: “Os gregos estão a um minuto da meia noite. O governo está à beira do precipício e pode muito bem despencar”. São as negociações entre os primeiros-ministros da Grécia, Alexis Tsipras, e da Alemanha, Angela Merkel, sobre as reformas econômicas que os gregos precisam levar a cabo para receber um auxílio econômico de 7,2 bilhões de euros, atualmente congelado.
Alexis Tsipras alertou Angela Merkel de que será ‘impossível’ cumprir com os pagamentos devidos de sua dívida nas próximas semanas se a União Europeia não der nenhum tipo de assistência financeira de curto prazo para o país.
Enquanto isso, o Fórum Social Mundial, cuja primeira edição foi em Porto Alegre em 2001 e que tem como lema “Um Outro Mundo possível”, acontece na Tunísia entre 24 e 28 de março. A tradicional Marcha de Abertura teve como tema “Os Povos unidos pela Liberdade, Igualdade, Justiça social e pela Paz”, feita também em solidariedade aos tunisianos e a todas as vítimas de terrorismo, contra todas as formas de opressão.
Para Danien Hazard, da Abong, “não há nenhuma articulação internacional que tenha esta capacidade de mobilizar tantas organizações. O Fórum continua sendo o maior encontro planetário da sociedade civil.” Segundo Francisco Whitaker, do Comitê Internacional do FSM, é preciso mais que nunca reafirmar que outro mundo é possível. “Se quando foi criado era necessário dizer que há alternativas ao mercado, hoje mais ainda. Os valores do Fórum são respeito à diversidade, cooperação e não competição. O Fórum é cada vez mais necessário”.
Todo mundo fala do Syriza, partido grego de esquerda que acabou de ganhar as eleições. Até os complicados nomes do presidente e ministros gregos estão na boca do povo e começam a tornar-se familiares. A gente (quase) só sabia da Grécia das Olimpíadas, ou dos filósofos, Sócrates e Aristóteles, ou da democracia ateniense e seus pensadores. Agora, a Grécia está de novo no centro do mundo e da política, tentando dar novos rumos aos descaminhos da União Europeia.
Mas onde se inspiram o Syriza, seus pensadores e militantes? Na sua própria história, na democracia ateniense? Com certeza, sim. Mas não só.
Diz a manchete do jornal: “Syriza leva esquerda latina para a Grécia – Coalizão tem como referências Lula, Evo Morales e Hugo Chávez; influência envolve até criação de Bolsa Família grego”(Estado de São Paulo, Internacional, 01.02.15, p. A18). Segundo Elias Nikolakopoulos, cientista político da Universidade de Atenas, tudo o que vem sendo feito na América Latina vem sendo observado de muito perto há vários anos. “É uma influência umbilical e crescente, desde que dirigentes do partido estiveram no Fórum Social Mundial e participaram das mobilizações antiglobalização. A passagem por Porto Alegre foi um componente ideológico da formação do Syriza”.
Nos anos 2000, o doutor em Microbiologia grego Kostis Damianakis e militante do Syriza “passou seis anos no Brasil, onde trabalhou ao lado do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e em contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”. Diz Kostis: “O entusiasmo com a eleição é produto do desespero com a tragédia enfrentada pelo país. Foram anos de aplicação de medidas neoliberais. A esquerda tem pela primeira vez a oportunidade de materializar uma proposta que vem de baixo, das bases sociais”.
Está explicado o sentido da queda de braço e qual sua inspiração. As políticas de austeridade da União Europeia, coordenadas e comandadas pela Tróika, Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu e Comissão Europeia, levaram a Europa a uma crise que dura desde 2008, com desemprego brutal, com recessão, com avanço, no campo político, da ultradireita em vários países. Menos na Grécia, onde o Syriza, partido fundado em 2004 “numa galáxia de ex-militantes comunistas – de trotskistas a maoístas -, socialistas e ecologistas”, como o Podemos na Espanha, está ameaçando a hegemonia neoliberal e tentando mudar os rumos do país.
Quem vai ganhar a queda de braço? As mudanças produzidas nas últimas décadas na América Latina, via mobilização dos movimentos sociais, Fórum Social Mundial, com governos de esquerda, populares e progressistas, conseguirão manter-se ou até mesmo avançar e aprofundar-se? Os gregos terão força para mudar as bases da economia neoliberal?
Um outro mundo não só é possível, quanto urgente e necessário. O modelo de desenvolvimento não pode ser contra a maioria do povo, a política econômica não pode produzir desemprego como na Europa, preservando os ganhos do Sr. Mercado e da banca, e levando à miséria e ao crescimento da desigualdade, como aconteceu no Brasil com o neoliberalismo reinante nos anos 1990.
Selvino Heck, é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República