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Novo foco para os povos invisíveis
Os povos indígenas e a população negra estão na base da formação econômica (agropecuária), social e cultural de Minas Gerais. Fundamentada no conhecimento dos biomas e ecossistemas e no trabalho, a contribuição dos povos e comunidades tradicionais constitui a expressiva sociobiodiversidade, que é a marca mais significativa dos mineiros e geraizeiros. Entre as diversas etnias indígenas algumas ainda resistem: os maxakalis, xakriabás, crenaques, aranãs, mukuriñs, pataxós, caxixós, puris, xukurus-kariris e pankararus.
A população negra, parte dela hoje organizada em centenas de comunidades quilombolas, está espalhada por todo o estado. Entretanto, ao longo da história, esses povos e comunidades tradicionais foram invisibilizados, excluídos e estiveram à margem das políticas públicas, tanto as universais quanto as específicas. Em pleno século 21, milhares de famílias ainda não têm acesso às políticas públicas fundamentais, como saúde, educação, habitação, saneamento, terra e água.
A luta de resistência e pela conquista de direitos, no entanto, vem marcando a história desses povos e comunidades. Nesse sentido, no dia 14 de janeiro, o governador Antonio Anastasia sancionou a Lei Estadual 21.147, que instituiu a política estadual para o desenvolvimento sutentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais, demonstrando o comprometimento do governo de Minas no tratamento da sociobiodiversidade do estado.
Entende-se por povos e comunidades tradicionais os grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais e têm formas próprias de organização social, ocupando territórios e utilizando recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica e aplicando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Exemplos desses povos em Minas Gerais são os indígenas, quilombolas, geraizeiros, caatingueiros, vanzanteiros, veredeiros, ciganos, povos de terreiro, apanhadoras de sempre-viva, pescadores artesanais, faiscadores, etc.
O objetivo geral da política de que trata a Lei Estadual 21.147/2014 é promover o desenvolvimento integral dos povos e comunidades tradicionais, com ênfase no reconhecimento, no fortalecimento e na garantia de seus direitos territoriais, sociais, ambientais e econômicos, respeitando-se e valorizando-se sua identidade cultural, bem como suas formas de organização, relações de trabalho e instituições.
O que representa essa conquista? O poder público tem o dever de promover, proteger e garantir a realização do direito ao desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, complementando as conquistas instituídas pelo Decreto Federal 6.040/2007. A implementação da política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais contribuirá, dessa forma, para o resgate de uma dívida social de séculos para com esses povos e comunidades.
O primeiro desafio é o da regulamentação dessa lei. Por se tratar de uma política intersetorial, é preciso estar atento para que todos os setores do governo estadual sejam envolvidos, instados a priorizar e aprimorar programas e ações visando otimizar o acesso por parte dessa parcela significativa da sociedade, além de aportar recursos em ações específicas, tendo como referência os objetivos e diretrizes estabelecidos no marco legal.
A partir da regulamentação da lei, que criará os instrumentos para a sua implementação, será preciso um esforço de todo o governo estadual, num diálogo permanente com as instituições da sociedade civil, universidades, ministério público e, principalmente, das entidades representativas dos povos e comunidades tradicionais, no sentido de constituir e consolidar comissão estadual como instância de controle social dessa política pública.
A política pública iniciada com a sanção da lei poderá tirar da invisibilidade e dar o devido destaque a este contingente de famílias que convivem harmonicamente com os biomas e ecossistemas, tirando seu sustento do campo e contribuindo para manter a rica sociobiodiversidade de nosso estado.
*José Antônio Ribeiro é superintendente de Agricultura Familiar da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais; Aderval Costa Filho é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerai