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Alimentação Saudável e publicidade – onde está o problema?
Por Camilla Ceylão, Nutricionista, defensora do direito humano à alimentação adequada e integrante do Projeto RAIS/CO.
Muito se tem falado e polemizado, atualmente, sobre os excessos e absurdos cometidos pelas propagandas de alimentos não saudáveis. Mas por que pegam tanto no pé de algumas empresas que fazem propagandas tão bonitas e divertidas? Qual é o problema delas? Será que tem uma explicação para essa crítica toda?
Vamos tentar explicar citando alguns exemplos, como o daquela empresa que vende alimentos ultraprocessados embutidos e congelados e recentemente vem veiculando uma campanha intitulada “Crônicas da Vida Moderna”. A campanha mostra uma mãe e seu filho. A mãe aparece com um celular na mão, sendo convencida – por dados disponíveis na internet – de que ele pode comer aquele alimento, já que é feito “com 100% de peito de frango”. A criança comemora.
Outro exemplo é a nova campanha da maior marca de refrigerantes do mundo, intitulada “Mesa da felicidade”, que incentiva o compartilhamento de refeições entre família e amigos. A propaganda mostra famílias felizes compartilhando uma refeição, regada pelo refrigerante, produto principal, da empresa.
Mas, afinal, qual é o problema? Bom, o problema é que essas propagandas só ajudam a reforçar um conceito simplista e insuficiente de alimentação saudável, levando as pessoas a acreditarem que alimentos ultraprocessados (cheios de gorduras, açúcares, sódio e aditivos químicos, que endossam um modelo injusto e insustentável de produção de alimentos) podem fazer parte de uma alimentação considerada saudável e, por isso, serem consumidos sem restrições. O que não é verdade.
Veja, no primeiro exemplo, considera-se que uma criança pode comer um alimento ultraprocessado, pois entre seus ingredientes está o peito de frango – alimento considerado saudável. Porém a propaganda omite algumas informações importantes e “esquece” de dizer que o peito de frango não é o único ingrediente do produto – ele contém também vários outros ingredientes que não podem ser considerados saudáveis – que o alimento contém grandes quantidades de sódio e que é pré-frito.
Fica a pergunta: considerando todos esses aspectos, o produto ainda pode ser consumido sem restrições, só porque contém peito de frango?
Já no segundo exemplo, o da campanha do refrigerante, valoriza-se o compartilhamento de refeições, que vem sendo apontado por diversas pesquisas nacionais e internacionais, e inclusive pelo Ministério da Saúde, como uma prática saudável. Porém, a campanha peca ao relacionar esta prática a um produto ultraprocessado e, sabidamente, não saudável.
É importante saber que a alimentação saudável é composta por alimentos de verdade, aqueles que contêm e fornecem nutrientes, que são produzidos de forma social e ambientalmente justa, que estão livres de contaminantes físicos, químicos, biológicos e de organismos geneticamente modificados, que respeitam a cultura popular local, que são combinados e preparados com atenção, consumidos de forma regular e, de preferência, em boa companhia.*
Perceba que todos esses aspectos juntos influenciam a saúde e o bem-estar. Alimentação saudável é muito mais do que a ingestão de calorias e de nutrientes.
Assim, uma vez que se entende a alimentação saudável como algo muito mais complexo e amplo do que vem falando por aí, é possível perceber que o problema dessas propagandas está nos valores e interesses por trás do discurso bonito e divertido – porém insuficiente e pouco honesto – sobre a alimentação.
A utilização desse discurso tem se mostrado como uma boa estratégia de marketing e vendas para a indústria alimentícia, que conquista cada vez mais espaço na mesa das famílias brasileiras. Notícia boa para eles, porém preocupante para a nossa saúde.
*Para saber mais sobre alimentação saudável, recomendamos a leitura do Guia Alimentar para População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo e com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde.