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Uma rede de gente, lutas, esperanças e realizações
Por Verônica Pragana, da AsaCom
“Acho extremamente importante a nossa ação em rede porque a gente começa a construir um panorama que não estamos sozinhos”, opina Rose da Paraíba. “Ser rede mostra que nós todos somos iguais, às vezes com competências diferentes mas, dentro deste conjunto, com o mesmo compromisso, mesma responsabilidade”, destaca Elton de Minas Gerais.
Rose é Roselita Victor, agricultora experimentadora e agroecológica de Remígio, na Paraíba, assentada da Reforma Agrária e liderança no território da Borborema, que fica no Agreste do estado. Elton Mendes Barbosa, mais conhecido em Porteirinha como Elton do Sindicato, também é agricultor agroecológico, experimentador e liderança sindical. O município de Porteirinha fica no norte de Minas, região que faz parte do mapa do Semiárido brasileiro.
Apesar da distância geográfica, a vida deles está fortemente entrelaçada. A identidade de agricultor e agricultora familiar do Semiárido atua como um fio invisível que os mantém unidos entre si e os conecta com outras milhares de pessoas e organizações sociais. Esse é um dos fenômenos que se observa no Semiárido 15 anos após a criação da Articulação Semiárido Brasileiro, a ASA Brasil.
“A ASA é uma rede de gente, de povo, de cultura, de sonho, de lutas e de esperanças”, diz Valquíria Lima, da Comissão Executiva Nacional da ASA pelo estado de Minas Gerais, construindo uma imagem em carne, osso e espírito para a rede ASA, que costumeiramente é associada à união das três mil organizações da sociedade civil que defendem a proposta da convivência com o Semiárido.
Em 1999, num ato político de contraposição às políticas desenvolvimentistas pensadas pelos governos para as regiões em risco de desertificação em todo o mundo, as organizações que já atuavam no Semiárido e criticavam o projeto de combate à seca formaram a rede ASA. “Existia um movimento social muito forte no Semiárido, que já era articulado em fóruns, mas que não dialogavam [entre si]. Minas Gerais tinha um movimento forte pra pensar o Semiárido no Vale [de Jequitinhonha] e outro no Norte, que não dialogavam no contexto do Semiárido. Quando surge, a ASA possibilita a identidade do Semiárido como uma construção humana, a gente começa a ver o Semiárido de uma forma diferente e global, que pode ser articulado e desenvolvido conforme a gente luta e sonha. A gente passa a enxergar o Semiárido de forma diferente”, conta Valquíria.
Esse ímpeto de dar mais força à ação que vinha sendo desenvolvida na região também reforça a voz das organizações sociais. “Qualquer organização que pudesse falar de um projeto de convivência com o Semiárido não teria o mesmo peso político e mobilização política que a ASA. É essa rede que vem fortalecer as organizações da sociedade civil em seu projeto político para o Semiárido brasileiro”, assegura ela.
Além deste propósito, a atuação em rede gera também inúmeras oportunidades de intercâmbios de experiências entre agricultores e agricultoras e suas organizações. “Na medida em que trocam conhecimentos, experiências, vai sendo fortalecida a identidade de ser agricultor em rede”, assegura Glória, acrescentando: “Para fortalecer a rede de convivência com o Semiárido, que é a ASA, nós precisamos contribuir com os processos de fortalecimento de redes que saem das iniciativas das comunidades, dos municípios, das organizações do lugar em defesa de alguma coisa, como em defesa da água, da conservação e multiplicação das sementes crioulas e da criação de animais adaptados, entre outros.”
Através destas redes territoriais e temáticas, que se espalham por todo o Semiárido e estão fortemente articuladas, se cria um fértil ambiente de inovações concebidas e testadas pelas famílias agricultoras e suas organizações. “Tudo isto articulado de forma sistêmica, diversas redes, conectadas numa rede maior, podem propor e construir um desenvolvimento para o Semiárido na perspectiva de uma política adequada à realidade”, diz, com convicção, Glória.
Neste sentido, a ASA funciona como um organismo complexo composto por outros organismos semelhantes, mas em menor proporção, que sustentam a rede maior e legitimam a interação da Articulação com outros setores. “Fortalecer a ASA cria também um maior poder de diálogo com outras redes para formulação de políticas maiores. A ASA faz parte da ANA [Articulação Nacional de Agroecologia]. Isso faz com que também a gente concretize políticas nacionais, como a de agroecologia e produção orgânica, que foi uma luta não só da ASA, mas de várias redes em outras regiões”, reflete Glória.
Para Dênis Monteiro, coordenador executivo da ANA, a ASA tem um valor gigantesco na construção da ANA, que também é uma rede de redes. “Pra ter força política, visibilidade, pra ser um ator reconhecido na sociedade, a ANA precisa que os atores que participam dela sejam redes fortalecidas. É o caso da ASA, que é uma rede forte porque constrói uma unidade num campo muito amplo de organizações, que desenvolvem propostas comuns, que desenvolvem conceitos como o da convivência com o Semiárido”. Segundo ele, este conceito é uma chave para as redes de agroecologia pensarem a convivência com os ambientes, que pode ser o Semiárido, a Mata Atlântica, a Amazônia. Além disso, Denis ressalta como um grande ensinamento da ASA a sua capacidade de propor e executar políticas públicas e “fazer com que essas políticas reforcem a capacidade de mobilização dos agricultores e organizações locais.”
Inspirada na Educação Popular, a metodologia da ação da ASA busca reforçar e valorizar as capacidades já existentes nas comunidades. “A gente não pode pensar a transformação de uma realidade sem partir daquilo que o povo, a comunidade, já vem fazendo. Temos que olhar para as iniciativas das pessoas”, arremata Glória. Um jeito de ser que leva a ASA para outro patamar de organização. “ASA é uma rede de novo tipo, que tem uma preocupação de beber na história de luta do povo do Semiárido, indígena, negro, campesino, de ontem, de hoje”, considera Valquíria.
Sem dúvida, essa orientação metodológica constitui um dos pilares de sustentação do forte senso de pertencimento que os agricultores e agricultoras familiares do Semiárido e organizações sociais tecem com relação à ASA. Um sentimento mobilizador que, sem dúvida, torna a ASA merecedora do título de “patrimônio dos povos do Semiárido”, usado por Paulo Segundo, da coordenação executiva da ASA pelo Rio Grande do Norte, para definir a rede que ele ajuda a construir junto a milhares de pessoas.
Fonte:Ascom/Asa