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Jornal da Contag entrevista presidenta do Consea
O Dia Mundial da Alimentação é celebrado em 16 de outubro e a agricultura familiar tem um papel fundamental na produção de alimentos e na garantia da soberania e segurança alimentar dos povos. Esse é o tema da entrevista com a presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco.
Quantas pessoas passam fome no mundo? E no Brasil?
Acabou de ser lançado um relatório da FAO/ONU que mostra que houve uma redução da fome no mundo, mas ainda é muito grande o contingente de famintos - 805 milhões de pessoas. Caiu de 850 para 805 milhões. E mantem-se uma situação mais grave no continente africano. Já o Brasil saiu do mapa da fome porque o país hoje tem cerca de 1,7% da população em estado de subalimentação ou passando fome. Isso corresponde a, aproximadamente, 3 milhões de habitantes. Mas, esse número está abaixo do índice estabelecido internacionalmente para que o país fique fora do mapa da fome. Então, isso é uma vitória que precisamos comemorar e divulgar. É evidente que permanecem os grandes desafios, uma preocupação porque ter 3 milhões de pessoas com fome é algo significativo que requer a continuidade de políticas e a construção de novas políticas, mas é uma conquista. É preciso dizer também que, dentre esses que continuam passando fome e estão em estado de subalimentação, estão os povos indígenas e comunidades tradicionais. E, por isso, é fundamental que se mantenha esse compromisso de erradicação da fome, até porque o direito à alimentação foi incluído na Constituição Brasileira.
Essa realidade vem mudando com políticas públicas como o Fome Zero e o Bolsa Família, por exemplo?
Sim. Tem um fator que nos parece determinante que é a política de valorização do salário mínimo, que tem uma importância muito grande na mudança desse quadro de garantia do acesso ao alimento no Brasil. Por outro lado, os programas sociais como Bolsa Família e Brasil sem Miséria fazem a diferença. Um estudo recente mostra a relação entre o aumento de estatura das crianças no nordeste exatamente naquele contingente de pessoas que recebe o Bolsa Família. A universalização da seguridade social no Brasil já vinha fazendo a diferença no poder de compra e no nível de renda, especialmente no campo. Outro índice importante é a diminuição da mortalidade infantil no Brasil. Isso significa que essas políticas combinadas afetam essa situação. Outros programas específicos que têm alterado esse quadro são o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e algumas modalidades de crédito aplicadas à agricultura familiar. Por outro lado, temos uma preocupação com o quadro de sobrepeso e obesidade no Brasil, reflexo da mudança radical dos nossos padrões de consumo.
Quais ações realizadas pelo Consea?
O Consea é um conselho de aconselhamento da Presidência da República e é um espaço de monitoramento das políticas que existem, tanto do seu orçamento quanto dos seus conteúdos, analisando permanentemente, por exemplo, qual é o impacto de alguns programas, como PAA e Pnae, e fazendo proposição de mudanças. Ao mesmo tempo, trabalhamos na elaboração de novas propostas de políticas. Por outro lado, o Consea também é um lugar de elaboração da crítica, de contestação daquilo que entendemos que precisa ser modificado e, por isso, temos realizado algumas mesas de controvérsia em relação a alguns temas, como as questões dos transgênicos e dos agrotóxicos. O Consea também entende que não há soberania e segurança alimentar e nutricional sem uma reforma agrária e sem a garantia dos direitos territoriais para os povos indígenas e comunidades tradicionais. Também é parte da agenda do Consea a questão internacional. Temos priorizado a análise das iniciativas do governo na relação Sul-Sul e acompanhado o PAA realizado internacionalmente, bem como acompanhado de perto os trabalhos do Comitê de Segurança Alimentar da ONU.
No Dia Mundial da Alimentação, qual a mensagem que o Consea deixa para os governos sobre a importância de se fortalecer a agricultura familiar e garantir a soberania e segurança alimentar dos povos?
O Consea produziu uma carta aberta para os candidatos à Presidência reafirmando os princípios e os valores que nos norteiam nesse processo de construção dessa política no Brasil e do enfrentamento de desafios como o da garantia de uma alimentação adequada e saudável. Mas, sobretudo, nesse ano estamos celebrando o Dia Mundial da Alimentação no mesmo ano que é o Ano Internacional da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena, e é sempre bom relembrar que só existe essa data porque é resultado de uma mobilização da agricultura familiar e camponeses, em vários pontos do mundo, para que a FAO assumisse esse compromisso. E aqui, no Brasil, temos tido várias iniciativas de debate. E acho que as iniciativas que deverão ocorrer neste ano, por ocasião da Semana Mundial de Alimentação, estão muito voltadas para o reconhecimento desse papel histórico da agricultura familiar, camponesa e indígena na conservação da nossa biodiversidade e na produção dos alimentos de qualidade.
É possível ter um mundo sem fome e desnutrição?
Primeiro, é preciso que o alimento seja considerado como um direito e não como mercadoria. Esse é um desafio para a humanidade porque reflete no ordenamento das políticas tanto no plano internacional quanto no plano nacional. No caso brasileiro tem esse respaldo de termos o direito à alimentação na Constituição, como uma política de governo para a segurança alimentar e nutricional. Acho que temos um grande percurso a fazer, pois só é possível garantir a soberania alimentar quando estiver assegurada também a autonomia dos povos para definirem as suas políticas, quando estiver reconhecida a capacidade da agricultura familiar e camponesa de abastecer essa necessidade dos alimentos e ter uma regulação para a ação da indústria, além de enfrentar o conflito público x privado.
Fonte: Imprensa/Contag - Verônica Tozzi