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Soberania e segurança alimentar e nutricional no Semiárido
Em cada região do Semiárido ainda é possível perceber as famílias fazendo do seu habitat uma escola de vida, onde aprendem a produzir o seu alimento e garantir estratégias de segurança alimentar e nutricional, com capacidade de estocagem de água e alimentos para si e água e forragem para os animais. Com base nesse tripé as famílias desenvolvem diversas iniciativas de convivência, com troca de experiências e conhecimentos entre elas e com outras famílias da região semiárida.
De geração em geração os conhecimentos tradicionais foram se enraizando na região semiárida e até hoje resistem às práticas das políticas públicas ainda ancoradas na noção de desenvolvimento da agricultura apenas por meio da geração de renda, cujo foco é o valor monetário e não o olhar para a qualidade dos alimentos para as pessoas.
A prática incentivada pela política do agronegócio tem conseguido convencer famílias a mudarem sua forma de produção, trocando a diversidade de cultivos pela monocultura. Esse caminho tem levado as famílias à dependência de insumos externos, como sementes, adubos e outras tecnologias. Por outro lado, as práticas tradicionais de agricultura trabalhadas na região, sobretudo, aquelas de matriz agroecológica, baseiam-se no respeito ao meio ambiente, cujos conhecimentos sobre as chuvas na região são fundamentais para se pensar sistemas de produção sustentáveis.
A produção ao arredor de casa, também conhecida como quintais, é desenvolvida onde o solo é mais fértil e recebe os restos de culturas e o esterco dos animais. É nesses espaços que se armazena água que depois é distribuída para o consumo da família, para as plantas e para os pequenos animais. E é nesses espaços que boa parte da mão de obra, especialmente das mulheres e dos filhos, está mais disponível e acessível para a produção para o autoconsumo.
O domínio das sementes locais pelas famílias e comunidades é uma condição para que elas estruturem e mantenham sistemas agroecológicos de produção. As sementes são bens culturais que integram o patrimônio dos povos a serviço da humanidade. Sejam de origem vegetal ou animal, elas são heranças deixadas pelos antepassados e manifestam a identidade e a cultura alimentar da população da região.
O modo de se alimentar sempre ultrapassa o simples ato de comer e se articula com outras dimensões sociais e com a identidade. A alimentação humana, como um ato social e cultural, contribui para a constituição de diversos sistemas alimentares. Assim, impregnada pela cultura, pode-se pensar nos sistemas alimentares como sistemas simbólicos nos quais códigos sociais estão presentes e atuam no estabelecimento de relações das pessoas entre si e delas com a natureza.
A resistência na região semiárida é marcada pela solidariedade entre as famílias. As trocas de sementes, de animais, de conhecimentos, de experiências entre agricultores e agricultoras são fundamentais na convivência no Semiárido. E há muitos espaços de trocas como: feiras livres, feiras agroecológicas, bodegas, celebrações das comunidades, reuniões, encontros de formação, visitas de intercâmbio, mutirões para limpeza de barreiros, construção de casas e outros. Embora esses conhecimentos e as formas de trocas façam parte da história dos povos, historicamente foram negados ou pouco valorizados pelas ações de extensão rural no âmbito das políticas públicas para o Semiárido.
Diante disso, a garantia da soberania e da segurança alimentar e nutricional passa por uma concepção de desenvolvimento sustentável, que se baseia numa agricultura familiar agroecológica que garanta a sociobiodiversidade e o respeito à natureza, viabilize vida saudável aos seres humanos de forma harmônica e integrada com toda a criação. Igualmente passa pela cultura, a identidade e a formação de hábitos alimentares e pelo fortalecimento dos modos de vida do povo do Semiárido.
* José Camelo da Rocha é tecnólogo em Cooperativismo e bacharel em Administração, assessor técnico e coordenador do programa de recursos hídricos da AS-PTA. O texto completo encontra-se publicado em http://www.ufrgs.br/redesan/publicacoes