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Quem disse que não nos manifestamos pelo direito à alimentação?
As manifestações pelo Brasil, que explodiram em junho deste ano, pregaram uma surpresa em todos os analistas de plantão. Foram mais de 1 milhão de pessoas na rua em mais de 120 cidades brasileiras e 27 cidades fora do Brasil. Ninguém esperava tamanha dimensão.
Para quem participou de alguma manifestação de rua era clara a presença maciça dos jovens. A juventude brasileira tem se revelado de maneira intensa nas ruas e nas redes sociais. Provou grande capacidade de articulação, criando verdadeira onda de mobilização em todo o país. Deixou clara a sua vontade de participar não apenas como espectadora, mas como protagonista.
E o que levou os jovens e os não jovens às ruas? Alguns temas foram identificados e estiveram presentes como a mobilidade e o transporte urbano; o fim da corrupção; da PEC 37; do acesso a políticas de saúde, educação e segurança de qualidade; ou ainda da utilização de dinheiro público para grandes espetáculos como a Copa das Confederações, da Copa do Mundo e das Olimpíadas, sem dar prioridade a outro problemas. Mas um outro tema relevante para a sociedade também surgiu: a alimentação adequada.
No Distrito Federal, por exemplo, particularmente na cidade satélite de Santa Maria, 400 pessoas, em sua maioria jovens, se reuniram e protestam por melhorias no sábado do dia 29 de junho. A movimentação foi pacífica e sem problemas; apesar de pequena, o que chamou a atenção foi a sua denominação: Marcha do Tomate. Reclamaram da alta dos preços dos alimentos e se uniram ao Movimento Ficha Limpa de Combate à Corrupção da cidade para exigir melhorias na saúde, educação e na política.
O tema da alimentação adequada foi a principal novidade da pesquisa realizada pelo IPEA em maio de 2013, principalmente por parte dos jovens, os principais protagonistas das manifestações. É o que aponta o estudo Juventude que Conta, apresentado no final de julho no Rio de Janeiro. Na sondagem, foram ouvidas 11.430 pessoas entre 15 e 29 anos, considerados jovens, e com 30 anos ou mais de idade, os não jovens. A pesquisa de campo ocorreu durante o mês de maio, portanto, antes das manifestações populares que tomaram as ruas do país em junho. A pesquisa pediu para cada entrevistado escolher, entre 16 temas, quais são suas seis – e apenas seis – maiores prioridades.
A maior preocupação dos jovens – 51 milhões no Brasil ou 26% da população total – é a qualidade da educação. Educação é prioridade para 85,2%. Serviços de saúde com 82,7% foram a segunda opção mais apontada. Os adultos com 30 anos ou mais de idade, no entanto, colocam a saúde em primeiro lugar. Na população não jovem, as duas maiores prioridades são as mesmas, mas em ordem inversa: saúde com 86,6%, seguida de educação com 80,5%. Pelo que se observa na tabela abaixo, as agendas jovem e não jovem do país não estão desconectadas na escolha de prioridades.
O tema do acesso a alimentos de qualidade apareceu em terceiro lugar com 70,1% entre os jovens e 76,1% entre os não jovens. Representa a terceira menção mais frequente dos 16 temas apresentados, fechando o pódio das prioridades da população brasileira. Coincidentemente, esses três elementos representam, no campo das políticas públicas, os três componentes do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH da ONU (expectativa de vida, educação e renda).
O termo do acesso a alimentos de qualidade diz respeito diretamente ao conceito de segurança alimentar e nutricional, isto é, “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (Art. 3o. da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, Lei 11.346/2003). Um direito também expresso na Constituição Federal, no Art. 6o.
Para quem estuda a segurança alimentar e nutricional do ponto de visto das Ciências Sociais, está é uma novidade e tanto, pois em várias outras pesquisas já realizadas sobre a priorização de nossos maiores problemas o acesso a alimentação simplesmente não aparecia ou, pelo menos, estava nos últimos lugares. Assim, quem disse que não nos manifestamos pelo direito à alimentação?
*Renato Carvalheira do Nascimento é sociólogo, doutor pelo CPDA/UFRRJ com a tese O Papel do Consea na Construção da Política e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (2012). É Analista em Ciência e Tecnologia da Capes/MEC.