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Processos e dinâmicas na construção de políticas de convivência com o Semiárido
No Brasil vivem mais de quatro milhões de famílias de agricultores familiares e camponeses. Destas, 50% vivem no Nordeste, maior parte delas no Semiárido. Mais da metade da população do Semiárido é atingida pela desnutrição, representando mais de dois terços dos pobres do meio rural e muitas delas são privadas do acesso à água e aos alimentos básicos, especialmente nos períodos de estiagem.
Diferente do que se poderia pensar, o motivo da escassez não é a falta de água. Ao contrário, existem fontes de água suficientes para suprir todas as necessidades levantadas pela agricultura, indústria e abastecimento das cidades, sem ser necessária a construção de canais de transposição como o do Rio São Francisco. A saída se concretiza por meio de sistemas de abastecimento de água a partir da construção de médias adutoras para a distribuição da água dos reservatórios já existentes e a construção de estações de tratamento dessa água, de forma a ofertá-la potável às populações urbanas.
Para além da água, a concentração fundiária na região é histórica e constitui-se numa das principais causas da situação de pobreza e insegurança alimentar e nutricional. Nessa região a terra e a água sempre estiveram nas mãos das elites, gerando níveis altíssimos de exclusão social e de degradação ambiental, com. Essa realidade atinge, em particular, cerca de 1,7 milhões de famílias agricultoras que vivem no Semiárido brasileiro. Elas representam 42% dos agricultores familiares brasileiros e ocupam apenas 4,2% das terras agricultáveis. No Semiárido 1,3% dos estabelecimentos rurais têm 38% das terras e 47% dos pequenos estabelecimentos têm apenas 3% delas.
O projeto de desenvolvimento em execução no Semiárido está fundado nos preceitos do positivismo e no ideário de progresso autossuficiente. Não considera as peculiaridades da região, tenta artificializar a natureza e parte do pressuposto de ser este um lugar onde não chove, de natureza morta, do castigo divino, do destino incerto, da terra de ninguém, de vidas secas. Nessas condições, a perspectiva é acabar com o limite de semiaridez para salvar a região e, quem sabe, transformá-la em lugar de prosperidade.
Com o advento da “revolução verde” inúmeras famílias, assessoradas por empresas de extensão rural e centros de pesquisas agropecuários, passaram a usar massiva e indistintamente insumos químicos, motomecanização e irrigação desordenada. Essas práticas sem os devidos ajustes tecnológicos e ambientais, associadas à ocorrência de anos sucessivos de secas, levaram ao esgotamento da capacidade dos solos de armazenar água nas precipitações, ao empobrecimento e à desagregação de famílias e comunidades.
O desafio consiste em restabelecer as bases para a construção de um modelo de desenvolvimento que considere, sobretudo, as condições naturais da região, seus limites, potencialidades, peculiaridades, culturas, saberes e conhecimentos construídos. A sustentabilidade passa pelo enfrentamento das visões oportunistas que se apropriam do discurso ambientalista, mas que favorecem a concentração de renda, o empobrecimento e a depredação dos recursos naturais.
* Naidison de Quintela Baptista é mestre em Teologia, com graduação em Filosofia, Teologia e Educação; presidente do Consea Bahia e conselheiro do Consea Nacional. Carlos Humberto Campos é Graduado em Sociologia, membro da Equipe Técnica da Cáritas Brasileira – Regional do Piauí e membro da Coordenação da ASA Brasil. O texto completo encontra-se publicado emhttp://www.ufrgs.br/redesan/publicacoes