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Brasil Agroecológico e consciência planetária
Duas celebrações para entrarem na história. A primeira: os 70 anos de Pedro Ribeiro de Oliveira foram uma celebração de dia inteiro, em 12 de outubro: cercado de familiares, amigos/as, companheiras/os de décadas, no secular Sítio Tarumã em Juiz de Fora, Minas Gerais, agroecológico, cheio de plantas e árvores, casa antiga reformada, cercado de morros, flores e verde. Pedro é da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política, fez parte do grupo de análise de conjuntura da CNBB, animador de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sociólogo, autor e organizador de livros e coletâneas. Declamei poesia em sua homenagem, Amores e História - 70x7: “Os rastros estão por todos os lados. / Tem as pegadas da luta pela democracia na ditadura./ Há as reflexões dos grupos de base da Bíblia./ Há a Teologia da Libertação/ e as Romarias de sua busca do Reino./ Há a fé e a política em movimento,/ misturando sal e comida/ fermento e pão”.
A segunda: a celebração do lançamento do Plano Brasil Agroecológico, em 17 de outubro. A fala da presidenta Dilma foi agroecológica no método e no sentido. Brincou com os delegados da 2ª Conferência de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, com jovens e mulheres. Leu e comentou cartazes, brincando estarem escritos em letra pequena, que ela não conseguia ler. Incorporou sugestões gritadas pelos presentes. Elogiou o Plano de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). Pessoas que trabalham com alimentos orgânicos faz tempo diziam: “Nunca imaginei que chegaria o dia em que eu veria uma presidenta falando de agroecologia”. O dia chegou.
Pedro Ribeiro aponta que “a consciência planetária é um fenômeno recente. Começa a ganhar forma no final do século XX. Este tipo de consciência é algo novo e diferente no campo do pensamento, da cultura, da ciência e dos valores, o que aponta para um novo paradigma da civilização ocidental. A consciência planetária propõe uma relação de igualdade entre os humanos e a totalidade de componentes do planeta Terra, e visa a repensar a relação entre o ser humano e a natureza, e para isso torna-se necessário ir além da ciência produzida pelo Ocidente, sem, contudo, menosprezá-la”.
Leonardo Boff, presente no aniversário do Pedro Ribeiro, observa que “a consciência planetária é o efeito do processo histórico-social da humanidade que se descobre como espécie que ocupa a única Casa Comum, o planeta Terra. Dá-se conta que entre Terra e Humanidade não há separação. Possuem a mesma origem e o mesmo destino. Daí nasce o sentimento de pertença e de responsabilidade pela sua preservação, de resgate de sua integridade ameaçada”.
Elson Borges dos Santos, o Zumbi, produtor orgânico do Paraná e da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), falou no lançamento do Brasil Agroecológico: “Essa política traz em si uma intenção muito forte de fazer a tão sonhada Revolução Brasileira, e partindo do Campo: sem o uso de armas, revolucionar por mudar a prática velha nos muitos ‘lugares’, e retomar rumos. Os bons rumos que levarão muitos agricultores e camponeses a se libertarem da produção envenenada e, logo, mortífera, tanto para suas famílias quanto para os consumidores. Rumaremos firmes para a produção de alimentos sadios, que mereçam o nome de alimento. Nós estamos pintando essa política. Assim, ela significa uma grande obra de arte.
Aqui temos muitas cores, umas mais vermelhas, outras mais clarinhas. Nossa vantagem é a nossa grande diversidade. Essa política traz uma possibilidade de recivilizar. Aí me perguntam: Zumbi, mas um Plano Nacional de Agroecologia tem esse poder? Sim, pode recivilizar com base na criatividade do nosso povo brasileiro. Esta política está desafiada a fazer isso: uma relação harmoniosa com as pessoas, com os bens e sua distribuição”.
Maria Verônica de Santana, do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTRN,) falando em nome da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), disse que “a agroecologia é um projeto, um sonho, uma utopia. E é uma realidade no nosso país. É preciso unir nossos esforços em diversos segmentos da sociedade para que se possa implementar um projeto sustentável de vida e trabalho, que respeite a natureza, que conserve nossa biodiversidade, nosso patrimônio genético, que produza alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura que se fundamenta também nos princípios da economia feminista de respeito ao nosso protagonismo, à nossa autonomia e nos princípios de justiça, igualdade e liberdade para as mulheres”.
No âmbito mundial crescem as demandas por sistemas produtivos sustentáveis e produtos saudáveis. O valor da produção orgânica comercializada passou de 20 para 60 bilhões de dólares e a área planta se expandiu de 15 para mais de 35 milhões de hectares. No Brasil ocorre a mesma coisa. O Censo Agropecuário de 2006 identificou aproximadamente 90 mil estabelecimentos agropecuários que se autodeclararam produtores de orgânicos, representando 1,5 milhão de hectares. Em 2012 existiam 5.290 produtores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura e 11.063 unidades de produção controladas. Com o Brasil Agroecológico, estes números vão duplicar ou triplicar em pouco tempo.
A presidenta Dilma falou: “Em todo mundo, e aqui o Zumbi mostrou isso, há uma coisa que acontece: a consciência cada vez maior da importância da agroecologia, da agricultura orgânica e do acesso e proteção, não só dos alimentos, mas também da água. Isso é uma consciência crescente no Planeta. Tem a ver com aquela consciência que encontramos na Rio+20, que levou a gente a construir a frase: é possível um país crescer, distribuir renda e incluir. E é possível que esse país seja um país que conserva e protege o meio ambiente. E agora eu vou pedir licença e acrescentar uma palavra: é possível produzir com qualidade alimentos orgânicos da agroecologia. Por isso, vamos trabalhando juntos, vamos lutar por uma agricultura sustentável, vamos lutar por uma vida saudável e garantir que esse projeto, o Brasil Agroecológico, seja uma conquista e uma vitória nossa”.
Escrevi no final do poema de homenagem a Pedro: “São setenta de vida e sonhos./ E virão outros tantos,/ porque a vida continua,/ o tempo também/ Especialmente os amores havidos,/ os amores chegados,/ os amores futuros./ Amores duram a vida inteira,/ duram uma eternidade./ Amores são história,/ Amores são setenta vezes sete.”
Falou Zumbi sobre o Brasil Agroecológico: “Um Plano à altura do tempo e da nossa luta em favor da vida”. E a belíssima frase da dona Inês, agricultora do Polo Sindical da Serra Borborema, Paraíba, no seu linguajar nordestino, no vídeo mostrado no lançamento do Brasil Agroecológico – Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica: “Se a gente não ‘pranta’, o povo da cidade não janta”.
*Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República e secretário executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo)
Artigo publicado originalmente em 18/10/2013