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Artigo: Velhos problemas e novos dilemas
De modo providencial a FAO propõe o tema Sistemas Alimentares Sustentáveis para a Segurança Alimentar e Nutricional para marcar as celebrações do Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro. Durante muito tempo a alimentação foi tratada como parte da rotina cotidiana da vida das pessoas, simples questão de produção e abastecimento, como se não tivesse implicações e encadeamentos com o sistema agroalimentar em sua complexidade contemporânea.
Nas duas últimas décadas surgiram diversos escândalos ligados ao sistema alimentar que trouxeram à tona a preocupação em torno da alimentação. A sociedade convive com uma efervescência de manifestações escritas, artísticas, midiáticas e de ruas, que evidenciam que comer se tornou um fato social que mobiliza todas as esferas da vida social. Assim, aquilo que era entendido como fato do cotidiano tornou-se tema de estudo, reflexão, contestação e ação em variados contextos e pelos diferentes atores sociais.
A publicação da FAO sobre O Estado Mundial da Agricultura e a Alimentação 2013 mostra que a má nutrição – subnutrição, deficiência de micronutrientes, sobrepeso e obesidade – acarreta altos custos econômicos e sociais aos países ricos e pobres. Acentua também que uma boa nutrição e dietas saudáveis começam com alimentação e agricultura de qualidade, baseadas em múltiplas estratégias. Entre elas destacam-se: o fortalecimento dos processos de produção e a criação de condições para a heterogeneidade dos pequenos produtores se inserirem nos mercados, já que eles produzem cerca de 80% dos alimentos consumidos em muitos países; o estabelecimento de mecanismos de controle de preços dos insumos e dos alimentos; a criação de ambiente favorável de governança por parte dos poderes públicos na moderação entre os setores públicos e atores privados que atuam no sistema alimentar; e o estímulo aos mecanismos de compras públicas de alimentos para programas sociais e alimentação escolar como forma de aproximação entre produtores e consumidores, cuja política brasileira se destaca no contexto internacional.
A FAO alerta, ainda, que no mundo dois bilhões de pessoas sofrem de uma ou mais deficiências de micronutrientes. Por outro lado, 1,4 bilhão de pessoas adultas acima de 20 anos vivem com excesso de peso, das quais aproximadamente 200 milhões de homens e 300 milhões de mulheres são obesos. Os custos decorrentes das consequências das más práticas nutricionais para a economia global com cuidados da saúde alcançam o equivalente a 5% do PIB mundial ou cerca de US$ 500 per capita por ano, além de impactar em diversos tipos de doenças e mortes precoces. Nos últimos 20 anos a desnutrição caiu quase pela metade enquanto o sobrepeso e a obesidade quase dobraram e requerem atenção no trato como um problema de saúde pública no mundo.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2011 mais de 40 milhões de crianças abaixo de cinco anos eram obesas e 30 milhões delas viviam em países em desenvolvimento, evidenciando que esta é uma doença que atinge todas as faixas etárias e os diferentes países e segmentos populacionais. A epidemia da obesidade já é a quinta maior causadora de mortes no mundo, com pelo menos 2,8 milhões de óbitos adultos por ano, além de 44% das doenças diabéticas, 23% das doenças cardiovasculares e entre 7% e 41% de alguns tipos de câncer (mama, intestino, estômago, próstata) terem suas causas a ela relacionadas. Curiosamente, 65% da população mundial vivem em países de renda alta e média, onde morrem mais pessoas com doenças ligadas à obesidade do que em decorrência do baixo peso e desnutridas. Se o problema é complexo, a solução também é e requer intervenções articuladas de todos os setores para reduzir tanto a desnutrição e as deficiências de micronutrientes como o excesso de peso e a obesidade que crescem sem parar no mundo.
No Brasil a desnutrição e a obesidade são características marcantes do processo de transição nutricional, caracterizando certo declínio na ocorrência da desnutrição e um preocupante acréscimo de sobrepeso e obesidade da população brasileira infantil e adulta. Esse aumento já iniciou a ser registrado pelo IBGE para todas as faixas de renda em todas as regiões brasileiras, em 1974, e continuou em um crescimento contínuo nos anos subsequentes. E os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008/2009 ratificam as tendências das pesquisas anteriores e sua intensificação. A população acima de 15 anos apresenta elevado grau de sobrepeso e obesidade em todas as regiões brasileiras: Sul 39,0%, Sudeste 36,6%, Centro Oeste 33,4%, Nordeste 29,3% e Norte 28,7%. Ao somar-se a população acima de 15 anos com sobrepeso e obesidade, os homens alcançam 46,5% contra 44,1% das mulheres, atingindo uma média de 45,3% da população. Essa epidemia apresenta variações relacionadas à raça e cor da população brasileira assim distribuída: amarelos (37,5%), pardos (42,0%), pretos (45,1%), índios (45,7%) e brancos (48,1%).
Neste artigo não há espaço para se aprofundar os fatores causadores e do sobrepeso e obesidade. No entanto, sabe-se que entre eles encontram-se a homogeneização e a padronização pela indústria de alimentos e a publicidade de alimentos, que não só influenciam, mas também impõem padrões e comportamentos alimentares às sociedades e culturas nacionais e locais.
Entretanto, por serem tendências que marcam uma época, podem também ser alteradas mediante a mobilização social e a adoção de políticas alimentares que tenham como princípio o respeito aos cidadãos e ao ecossistema, forjadas em processos de concertação entre os entes públicos, a iniciativa privada e a participação cidadã. O fortalecimento de políticas intersetoriais de produção e consumo de alimentos locais e regionais, de matriz agroecológica, bem como as práticas transversais de educação alimentar e nutricional podem ser um caminho para a superação dos velhos problemas e dos novos dilemas, mediante a adoção de sistemas agroalimentares sustentáveis e saudáveis.
* Irio Luiz Conti é membro da Fian Internacional, conselheiro do Consea e doutorando em Desenvolvimento Rural no PGDR/UFRGS.
Artigo publicado originalmente em 30/09/2013