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Alimentando-se tradicionalmente conforme os ancestrais africanos
Sempre que se disser que cozinhar é sagrado, estamos nos reportando a uma cultura que não a ocidental, pois a cozinha no mundo europeu foi designada a servos, que para eles eram seres menores, inferiores . Na tradição de matriz africana a cozinha é destinada a quem pode , a quem saberá conversar com a parte divina de cada ser vivo, ou seja com o ar, agua, vegetal, animal racional ou irracional.
Alguém que possa preparar o alimento com tamanho carinho que quem o receba retribua. Alguém especial. Especialistas em produzir o Alimento.
Os grandes chefs como Atala remete ao ciclo do cozinheiro .” Você sai para buscar o peixe, você mata o peixe- e isso é muito forte. Aí, você limpa, cozinha, fornece, compartilhar”. Isto é um ritual , e um ritual sagrado. (Gol revista- março 2013)
Thiago Castanho diz “ Não é só uma mistura de ingredientes. A história por trás de cada prato me fascina” (Gol, revista - março 2013). Isto é alimentar na tradição mesmo que estes chefes não o digam.
Alimentar acreditando ser um ato sagrado, inclui pensar na história do alimento, na produção e no destino da alimentação, entender a cadeia alimentar mesmo que doa matar o animal, mas por isto mesmo agradecer e rezar (Ndanlakata -2013).
Sentar em circulo e manter o circulo numa hierarquia horizontal. Estar cada um ao lado do outro, mas recebe primeiro o alimento o que mais contribui em tempo e trabalho para aquele coletivo e assim sucessivamente. Agindo desta forma ensina-se que de nada adiantaria os mais jovens vivos sem a sabedoria dos mais velhos. Esta é a forma mais sútil de ensinar o respeito aos mais velhos. Entender que sem eles não sobreviveríamos. Exatamente como no avião. Se houver pane primeiro coloque o oxigênio em você para poder ajudar o outro que precisa.
Enquanto os mais velhos alimentam-se , eles contam quem contou para eles e como os ancestrais faziam , daí os mais jovens conhecem estes e os que passaram e podem apontar mudanças. Ouçam as vozes de algum destes mais velhos. “Os grãos eram plantados, colhidos, secados, pilados. Assim ainda podemos fazer para grupos que acreditam numa plantação que não sugue a terra, que não explore os trabalhadores. Assim pode ser: planto para alimentar ou para sobreviver sem ter um lucro demasiado”.( Mametu Loabá- SP 2005).
“As carnes eram armazenadas por pouco tempo no sal quando não tinha refrigerador. Daí não ter a necessidade de usinas hidroelétricas, no tempo que não tinha luz elétrica”. ( Ya Vera Soares- RS 2008). “A tradição tem um dia na semana , sexta feira em alguns lugares no domingo que as pessoas vestem branco e não comem carne vermelha, não derramam sangue. Aqui se pode trabalhar a necessidade de se ingerir carne como peixe rica em triptofano”.(Mametu Ndandalakata- SP- 2008).
“A tradição usa o azeite de dendê. O dendezeiro que é utilizado para cobrir as casas, como baqueta para bater nos tambores, que tem o óleo. Óleo vegetal sem gordura trans e com a mesma caloria dos óleos vegetais”. ( Madrinha Iraildes- SP-2012).
“Que do dendê se retira a graxa, uma graxa que tem de ser usada em todo maquinário que trabalha com alimentos”. ( Waldemar- SP 2011).
“Que o óleo de dendê quando aplicado sobre equipamentos como facas, materiais de madeira impermeabiliza e protege de micro-organismos”.( Mãe Nalva-RN 2012).
“Que nossos alimentos são temperados a base de especiarias e tem pouquíssimo sal. Que a cebola é um potente diurético”. ( Makota Kiasandembu RN 2012).
“Que usamos pouquíssimo açúcar, na verdade nem precisamos pois o nosso açúcar na maioria das vezes é a frutose do mel e das frutas que obtinha-se na floresta”.( Mãe Lucia – RN -2012).
“Que rezamos muito para nos alimentar e alimentar o outro. Rezamos pelo alimento, seja ele animal ou vegetal. Rezamos por nós estar vivo, por existir a água, a terra e o fogo que nos permite estar produzindo e reproduzindo o alimentar.” ( Mona Rikumbi – RN 2012).
“Que nesta tradição as mulheres plantam, criam e preparam o alimento porque nossa energia multiplica , reproduz conhecimento através desta prática”.( Mametu Ndandlakata – 2005- SP).
“O Alimentar na tradição de matriz africana é estruturante dos nossos princípios, compõe o que chamamos de oralidade. Que é muito mais que contar histórias é refazer, e fazer a história com referencia e contra referencia “( Prof. Jayro RS 2012).
“Quando matamos a galinha, pedimos desculpa pela necessidade de alimentar o corpo. É isto que rezamos ao cantar. O sangue quente na terra refresca o corpo “( Mametu Ndanlakata- 2013 – SP).
“ Os Povos tradicionais de matriz africana conhecem a boca da terra! É lá que colocamos tudo que ofertamos a natureza, a terra” ( mãe Nalva- RN- 2012).
“ Tradição africana tem hierarquia, tem funções, tem quem mata, quem reza. Nós somos detentores de uma assepsia tradicional, onde inclue ervas, o dendê. De forma que se a pessoa não está preparada e não é reconhecida pela comunidade não pode produzir ou beneficiar o alimento”.
* Kota Mulanji - Regina Nogueira, médica pediatra, conselheira do Consea, é coordenadora nacional do Fonsanpotma - Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana. Este texto foi construído no Encontro Nacional do Fonsanpotma – Natal 2012 e as colocações são resgate de tradição oral de encontros e diálogos.
Artigo publicado originalmente em 30/08/2013