Notícias
A agroecologia é o caminho para a segurança alimentar
Há um significado especial em celebrar o Dia Mundial da Alimentação (16 de Outubro) na Conferência Nacional do Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário. Um espaço bastante propício para a abordagem do tema escolhido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), porque dialoga com os conteúdos e propostas aqui debatidos.
Falar de Sistemas Alimentares Sustentáveis significa em primeiro lugar o reconhecimento dos sujeitos de direitos - povos do campo, da floresta e das águas, com as suas expressões identitárias e culturais que tem contribuído através da história para a conservação da biodiversidade e a diversidade de nossa alimentação. Por isso, a incorporação do etnodesenvolvimento como uma diretriz do desenvolvimento rural sustentável e solidário, e que também adotamos nas políticas de Segurança Alimentar e Nutricional, representa um avanço. Precisamos rejeitar firmemente as ações políticas e propostas de mudanças na legislação, que impliquem em qualquer tipo de ação etnocida, integracionista, ou a agressão aos direitos dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais que estão assegurados pela Constituição Federal, e em convenções e tratados internacionais assinados pelo Brasil.
A participação das mulheres que alcançou 50% dos participantes na Conferencia é uma importante conquista na história de sua organização e a expressão de sua cidadania. Seu papel ativo na defesa da soberania e segurança alimentar e nutricional, precisa se traduzir na garantia do acesso igualitário às políticas públicas, no seu reconhecimento como sujeito político e afirmação de sua autonomia. Também quero destacar a presença da juventude e as perspectivas para a construção de sua autonomia e emancipação com propostas de políticas que apontem alternativas para sua vida no campo.
Uma importante conquista no quadro das políticas públicas se anuncia com a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. A efetiva implantação do Plano Nacional coloca-nos diante do desafio de reconstruir os instrumentos de ação pública tendo como Norte o paradigma da agroecologia. Precisaremos com certeza inovar nesse campo e adotar referencias distintas das orientações que tem presidido as políticas para o campo até o momento.
Diversas proposições aqui debatidas enfatizam as diferentes dimensões envolvidas nos processos de transição agroecológica: financiamentos adequados à produção sem uso de agrotóxicos, disponibilidade e acesso a sementes crioulas, apoio às tecnologias sociais, assistência técnica pública, apoio à comercialização e compras governamentais de produtos agroecológicos, pesquisas públicas participativas e integração ensino e pesquisa com base na agroecologia. Destaca-se ainda um conjunto de proposições voltadas para o manejo sustentável de sistemas agroflorestais - extrativismo, áreas de preservação permanente, de reservas legais, sistemas agrossilvopastoris, entre outros.
O lançamento do Plano Nacional nos estimula a avançar no debate e propostas que se articulam com a construção do caminho da soberania e segurança alimentar e nutricional, identificando as perspectivas positivas, mas também as profundas contradições, que o modelo de desenvolvimento brasileiro nos impõe e que marcham no sentido de negá-las. Cito aqui, como exemplo, dois temas que nos tem mobilizado nesses dias: a ameaça de liberação da tecnologia “Terminator” e mais uma proposta de flexibilização da legislação sobre agrotóxicos.
Acabamos de conseguir uma vitória parcial com a retirada de pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal do Projeto de Lei que autoriza a produção e comercialização de sementes transgênicas suicidas (PL 268/2007). Um abaixo assinado com mais de 15 mil assinaturas coletadas pelas organizações da sociedade brasileira em apenas três dias demonstra claramente a rejeição desta tecnologia. A manifestação da plenária desta Conferência seguramente influenciou também nessa decisão. Mas precisamos continuar mantendo uma grande mobilização, pois a retomada da proposta no Congresso também põe em risco a Moratória Internacional da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil é parte.
Quero reiterar também, em nome do CONSEA, a recomendação para que seja parcialmente vetado o Artigo N° 53 do Projeto de Lei de Conversão N° 25/2013, em substituição ao texto da Medida Provisória N° 619/2013. O dispositivo do Artigo concede ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) poderes que subjugarão as competências de órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), flexibilizando normas de controle já definidas (nas Leis N° 8.171/1991 e N° 7.802/1989, e o Decreto N° 5.741/2006).
Além de retirar a obrigatoriedade de registro dos agrotóxicos dos órgãos responsáveis, não estão previstos os critérios para a definição do que é “emergencial e temporário” e autoriza, sem necessidade de teste e avaliação, produtos importados que são utilizados em outros países. Em lugar de nos mantermos como campeões de uso de agrotóxicos que contaminam nossos alimentos e agridem nossa saúde, defendemos com veemência uma Proposta de Plano Nacional de Redução de Uso de Agrotóxicos, com o banimento de agrotóxicos já proibidos em outros países, a suspensão da pulverização aérea, a eliminação de subsídios e isenção nos impostos para os agrotóxicos, destinando a arrecadação destes ao fortalecimento dos sistemas agroecológicos, dentre outros.
Manifesto, em nome no CONSEA, a indignação em relação ao tratamento desumano que está sendo dispensado aos agricultores e agricultoras presos que operam o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no Paraná. Soubemos que a agricultora Marli foi transportada de uma cidade a outra com os pés e mãos algemados. É inaceitável que um Estado Democrático e de Direito aceite esta situação. Concordamos que sejam apuradas eventuais irregularidades na operacionalização desse complexo Programa. Mas, a agricultura familiar que abastece nossas mesas e promove a vida, deve ser questão de políticas públicas e não de polícia.
O PAA representa uma de nossas importantes conquistas, com o seu caráter inovador que reside na resposta aos anseios da democracia, da cidadania e da equidade. A base legal do PAA (Art. 19 da Lei 10.696 de 2003) garantiu que a aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar também seja possível com dispensa do procedimento licitatório. Criou as condições necessárias para os agricultores e agricultoras familiares participarem do mercado institucional. As vozes dos 185 mil agricultores familiares e comunidades tradicionais que produzem centenas de variedades de alimentos; das 19.681 entidades da rede sócio-assistencial que os recebem nos municípios de todas as regiões do Brasil clamam para que o programa seja valorizado e ampliado, fortalecendo a rede do tecido associativo e cooperativo no País.
Com certeza a garantia de sistemas alimentares sustentáveis depende de ações coerentes e coordenadas dos três poderes e a permanente mobilização da sociedade com o fim de garantir o direito humano à alimentação adequada.
*Maria Emília Pacheco é presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Artigo publicado na Revista ECO 21, edição 203.