Variante da Doença de Creutzfeldt-Jakob (vDCJ)
Sobre a vDCJ
A variante da doença de Creutzfeldt-Jakob (vDCJ) é uma doença priônica zoonótica neurodegenerativa muito rara e sempre fatal, cujos primeiros casos mundiais foram relatados no Reino Unido na década dos anos 90, como consequência de um surto de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) “clássica” (conhecida popularmente como doença da “Vaca louca”) em bovinos de produção. Este surto, que causou a perda de centenas de animais ao longo de vários anos, teve oficialmente diagnosticados e registrados os primeiros casos de EEB “clássica” a partir do ano 1986. Posteriormente, no mês de março do ano de 1996, começaram a ser relatados os primeiros casos da vDCJ em humanos associada principalmente ao consumo de carne e subprodutos de bovinos com Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) “clássica”. O risco de contrair a vDCJ nesse período foi muito baixo, e alguns alimentos, como os laticínios, foram totalmente inócuos para a transmissão. A vDCJ é um tipo de Encefalopatia Espongiforme Transmissível (EET) que acomete os humanos. As EET são chamadas assim por causa do seu poder de transmissibilidade e suas características neuropatológicas que ocasionam alterações espongiformes no cérebro das pessoas (aspectos esponjosos). A vDCJ é a única doença priônica zoonótica conhecida até o momento entre as EET que acometem os seres humanos. A doença afeta predominantemente pessoas jovens, apresentando maior incidência em indivíduos com idade média de 28 anos.
A causa e a transmissão dessa doença estão associadas com uma partícula proteinácea infectante denominada de “PRION” (do Inglês Proteinaceous Infections Particles). Os príons são agentes infecciosos de tamanho menor que os vírus, formados apenas por proteínas altamente estáveis e resistentes a diversos processos físico-químicos.
Segundo o último relatório disponível publicamente para consulta da Unidade Nacional de Pesquisa e Vigilância da DCJ no Reino Unido (NCJDRSU), até o dia 31 de dezembro de 2022 e transcorridos 26 anos de Vigilância Epidemiológica, foram notificados 178 casos da vDCJ (123 definitivos e 55 prováveis que não foram submetidos à necropsia). Todos os 178 casos foram a óbito e suas características clínicas, neuropatológicas e epidemiológicas analisadas foram notavelmente uniformes e consistentes com descrições anteriores. O último caso da vDCJ oficialmente registrado no Reino Unido aconteceu no ano 2016. Portanto, até o momento, todos os esforços realizados para evitar casos humanos da vDCJ no Reino Unido parece que estão dando resultado.
Mundialmente, 233 pessoas foram confirmadas com vDCJ desde o primeiro caso relatado no ano de 1996 no Reino Unido. A doença teve casos registrados na Europa, Ásia, Oriente Médio, Estados Unidos e Canadá. Jamais foi encontrada em nenhum país da América Latina como o Brasil. A variante da doença de Creutzfeldt-Jakob (vDCJ) hoje não é registrada e não é endêmica em nenhum país ou região do mundo. Atualmente, sem relevância epidemiológica por transmissão alimentar para o Brasil.
VIGILÂNCIA
No âmbito do Ministério da Saúde (MS), a Vigilância Epidemiológica da doença se encontra sob a Coordenação-Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial (CGZV), do Departamento de Doenças Transmissíveis (DEDT), da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA). A vigilância da vDCJ tem como objetivos detectar possíveis casos e conhecer o perfil epidemiológico, definir medidas de prevenção, controle, biossegurança, assim como, orientar condutas clínicas e laboratoriais.
No Brasil, desde que foi instituída em 2005 a obrigatoriedade de notificação de casos de vDCJ, nunca houve um caso humano confirmado. Desde que a vigilância epidemiológica específica para a EEB “clássica” foi instaurada no Brasil pelo MAPA no ano 2001, jamais foram encontrados casos animais no pais. Questão que reforça a inexistência de casos ou óbitos pela vDCJ na população humana pela via alimentar. Neste sentido, desde 2012, o Brasil possui o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) como país de risco insignificante para a EEB.
Transmissão
A infecção por essa doença está principalmente relacionada com o consumo de carne e subprodutos de bovinos contaminados com EEB “clássica” (Encefalopatia Espongiforme Bovina). Ou seja, destaca-se que a maioria dos casos registrados no mundo foram associados à infeção pela via alimentar. Trata-se da única doença priônica zoonótica conhecida até o momento entre as EET humanas. Portanto, para que ocorram casos em humanos, devem existir primeiramente casos em animais (bovinos).
A vDCJ é a única EET que acomete humanos e possui evidência comprovada de transmissão sanguínea. Também já foram relatados 3 casos mundiais relacionados com transmissão ocupacional (infecção em laboratório de pesquisa).
Sintomas
A doença caracteriza-se por causar incialmente transtornos psiquiátricos precoces, proeminentes e progressivos, sintomas sensoriais dolorosos e persistentes, assim como, alterações comportamentais. A demência, ataxia, mioclonias e outros sinais neurológicos surgem em uma fase posterior ao início da doença. Geralmente, a morte do paciente ocorre entre 12 a 14 meses após o aparecimento dos primeiros sinais e sintomas. O período provável de incubação da vDCJ é de aproximadamente 10 anos.
Diagnóstico
O diagnóstico preciso da vDCJ é muito desafiador. São recomendados exames de imagem, como Eletroencefalograma (EEG), Ressonância Magnética (RM), Tomografia computadorizada (TC), além de rigorosa investigação para identificação de vínculo epidemiológico com animais confirmados para EEB “clássica”, e consumo de carnes e subprodutos infectados.
Pode ser realizado o sequenciamento completo e identificação do gene (PRNP) que codifica a produção da proteína priônica e análise de líquor para detecção da Proteína 14-3-3. Mas, a confirmação definitiva só acontece através de análise de fragmentos do cérebro coletados a partir de biópsia ou necropsia para a realização de testes histopatológicos e/ou imunohistoquímicos para identificação da proteína do príon patogênico (PrPsc) e/ou presença de fibrilas positivas para PrPsc..
Prevenção
As medidas de prevenção estão voltadas para evitar o consumo alimentar de animais e subprodutos suspeitos ou confirmados para Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) “clássica”, e os cuidados ocupacionais no manuseio de amostras biológicas suspeitas ou contaminadas de EEB “clássica”, como o uso de equipamento de proteção individual (EPI), aplicação de medidas de biossegurança e desinfecção (ambiente e instrumentos) para evitar a infecção iatrogênica, além de treinamento específico para profissionais que trabalham com amostras biológicas infecciosas.
Tratamento
Apesar de várias propostas terapêuticas terem sido estudadas, nenhuma até o momento foi efetiva para alterar a evolução fatal da doença. Atualmente é recomendado medidas de suporte e controle das complicações. Desta forma, é essencial abordar os aspectos físicos, as necessidades nutricionais, psicológicas, educacionais e sociais do paciente, bem como as necessidades emocionais dos familiares. É necessário realizar um planejamento coordenado para a transferência de cuidados da unidade de saúde para o acompanhamento em domicílio.