Populações em Situação de Vulnerabilidade
Além dos fatores relacionados ao sistema imunológico de cada pessoa e à exposição ao bacilo, o adoecimento por tuberculose, muitas vezes, está ligado às condições de vida. Assim, alguns grupos populacionais podem apresentar situações de maior vulnerabilidade à doença. O quadro abaixo traz algumas dessas populações e os seus respectivos riscos de adoecimento em comparação com a população em geral.
Populações | Risco de adoecimento por tuberculose em relação à população geral | Carga entre os casos novos de TB(2023) |
---|---|---|
Indígenas | 1,2x maior* | 1,2% |
Privados de liberdade | 29x maior | 9,0% |
Pessoas convivendo com HIV/aids | 19x maior | 9,3% |
Pessoas em situação de rua | 54x maior** | 3,4% |
Imigrantes | 5,8x maior*** | 0,9% |
Profissionais de Saúde | 4x maior **** | 1,4% |
Fonte: SINAN/MS e IBGE
*IBGE (2023);
**Tbweb, SP, 2021 e Pessoa em Situação de Rua: Censo São Paulo, capital (2021);
***Sistema de Registro Nacional Migratório, 2023.
****Profissionais de saúde: UNDEL (2017).
Valores populacionais considerados: PVHA (estimativa) - DATHI/SVSA/MS, 2021; PPL - SISDEPEN, 2023
É importante considerar que outras populações também podem vivenciar situações de vulnerabilidade que influenciam o risco de adoecer por TB. De acordo com o contexto de cada território, pode ser relevante considerar as necessidades e características de membros das comunidades cigana, ribeirinha, de pescadores, de terreiros, quilombolas e de pessoas que vivem no campo, uma vez que podem estar sujeitas à condições que aumentam o risco de adoecimento por tuberculose e/ou dificultam seu acesso aos cuidados em saúde.
Atenção: Para o diagnóstico da tuberculose entre as populações mais vulneráveis (indígenas, privados de liberdade, pessoas vivendo com HIV, pessoas em situação de rua, imigrantes e profissionais de saúde), é recomendado que toda pessoa que apresente tosse independentemente do tempo de duração e/ou radiografia de tórax sugestiva para tuberculose seja avaliada pela equipe de saúde e realize coleta de escarro para baciloscopia ou TRM-TB, cultura e teste de sensibilidade.
Pessoas privadas de liberdade
A população privada de liberdade representa aproximadamente 0,3% da população brasileira e 9,0% dos casos novos de tuberculose notificados no país em 2023 (7.240 casos novos em 2023).
Celas mal ventiladas, iluminação solar reduzida e dificuldade de acesso aos serviços de saúde são alguns dos fatores que contribuem para elevado número de casos de tuberculose no sistema prisional. Além disso, as transferências entre prisões, as altas taxas de reencarceramento, juntamente à circulação constante de pessoas, tais como profissionais de saúde, agentes de segurança e familiares, também representam riscos significativos para as comunidades fora das prisões.
Além disso, é particularmente elevada a frequência de formas resistentes da doença nesse grupo populacional, estando relacionadas principalmente ao tratamento irregular e à detecção tardia da doença. É essencial implementar estratégias de controle que envolvam a colaboração entre os setores de saúde e justiça, com a finalidade de detectar e tratar precocemente todas as pessoas com tuberculose, tanto entre os recém ingressados no sistema prisional, quanto na população já encarcerada.
Pessoas Vivendo com HIV (PVHIV)
A coinfecção TB-HIV ocorre quando uma pessoa vivendo com HIV/aids se infecta pela bactéria da tuberculose, ou quando uma pessoa com tuberculose se infecta pelo vírus do HIV. Essa associação é a principal causa de morte por doença infecciosa entre as pessoas vivendo com HIV/aids. Em 2023, 9,3% dos casos novos de tuberculose estavam coinfectados (TB-HIV). Essas pessoas têm maior risco de desenvolver a doença e, muitas vezes, só têm o diagnóstico da infecção pelo HIV durante a investigação e/ou confirmação da tuberculose. Devido ao risco aumentado de adoecimento por tuberculose, em toda visita da pessoa que vive com HIV aos serviços de saúde, ela deve ser questionada sobre a presença de tosse (por qualquer tempo), febre, suor noturna ou emagrecimento, pois a presença de qualquer um desses sintomas pode indicar tuberculose.
O diagnóstico precoce de infecção pelo HIV em pessoas com tuberculose e o início oportuno do tratamento antirretroviral reduzem a mortalidade. Portanto, o teste para diagnóstico do HIV (rápido ou sorológico) deve ser ofertado a toda pessoa identificada com tuberculose. Caso o resultado da testagem para HIV seja positivo, a pessoa deve ser encaminhada aos serviços que atendem as pessoas vivendo com HIV/aids mais próximos de sua residência, para dar continuidade ao tratamento da tuberculose e iniciar o tratamento da infecção pelo HIV.
Da mesma forma, o teste rápido LF-LAM deve ser ofertado às pessoas vivendo com HIV/aids para auxiliar no diagnóstico da tuberculose, em situações específicas, tais como contagem de CD4 (<100 cél/mm³ para pessoas não internadas ou <200 cél/mm³ se internadas) e presença ou não de sintomas.
Importante: para as pessoas que vivem com HIV, deve-se prevenir a tuberculose com a investigação e o tratamento da infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis e diagnosticar e tratar precocemente a tuberculose ativa.
População Indígena
A população indígena no Brasil é composta por pessoas autodeclaradas indígenas, segundo o quesito raça/cor, definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Censo Demográfico de 2022, foram contabilizadas 1.694.836 pessoas que se autodeclararam indígenas, o equivalente a 0,8% da população brasileira, das quais 622.844 (36,7%) residem em território indígena e 1.071.992 (63,3%) fora de território indígena. Em 2023, a população indígena representou 1,2% dos casos novos de TB. Esta população enfrenta uma série de desafios que aumentam sua vulnerabilidade à tuberculose, como as peculiaridades das suas características sociodemográficas, barreiras culturais e linguísticas, acesso limitado a serviços de saúde e outros determinantes sociais da saúde, que combinados, contribuem para uma maior incidência da doença.
Nas áreas urbanas, os indígenas contam com ações de atenção à saúde executadas pelos municípios por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Para a população aldeada, o acesso aos serviços de saúde é de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), e o atendimento é realizado por intermédio das mais de 800 Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena vinculadas aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).
Pessoas em situação de rua
Pessoas em situação de rua apresentam um risco de adoecer por tuberculose 54 vezes maior do que a população em geral, pois a vulnerabilidade social, as barreiras de acesso aos direitos e de ações de cuidado integral à saúde contribuem para o aumento do risco de adoecimento. Em 2023, 3,4% das pessoas nesta situação adoeceram por tuberculose. Embora existam políticas direcionadas às pessoas em situação de rua, ainda se enfrenta muitos desafios para o desenvolvimento de ações voltadas ao controle da TB, dada a complexidade de se garantir uma assistência de qualidade, considerando as características da situação de vida e as necessidades de saúde desse grupo.
Para essa população, são essenciais estratégias de abordagem e de acolhimento para a identificação precoce das pessoas com sintomas respiratórios, a garantia do diagnóstico e o acompanhamento até o fim do tratamento. O trabalho social desenvolvido pelas equipes da Rede Socioassistencial deve contribuir para qualificar a trajetória de melhores desfechos de tratamento da pessoa com tuberculose. Nesse sentido, destaca-se a importante contribuição dos profissionais que compõem a equipe de Consultório na Rua no controle da TB, uma vez que buscam garantir, sobretudo, o acesso aos cuidados em saúde. Dessa forma, é fundamental a articulação envolvendo diversos setores da saúde, assistência social e sociedade civil.
No atendimento às pessoas em situação de rua nas unidades básicas de saúde, a Portaria nº 940/2011/MS, que regulamenta o Sistema do Cartão Nacional de Saúde, desempenha um papel relevante. Dentre os artigos, destacam-se os que podem facilitar o acesso às unidades de saúde:
Art. 13. Não se constituem impedimentos para a realização do atendimento solicitado em qualquer estabelecimento de saúde:
- inexistência ou ausência do Cartão Nacional de Saúde;
- desconhecimento do número do Cartão Nacional de Saúde pelo usuário do SUS ou estabelecimento de saúde; e
- impossibilidade de realizar o cadastramento ou a consulta à Base Nacional de Dados dos Usuários das Ações e Serviços de Saúde.
Profissionais de saúde
Trabalhadores dos serviços de saúde são todos aqueles que atuam em espaços e estabelecimentos de assistência e vigilância à saúde, sejam eles áreas de internação; ambulatórios; laboratórios de microbactérias; serviços de emergência médica; ambientes de saúde em instituições para pessoas privadas de liberdade; cuidados de saúde domiciliares; instituições de longa permanência; abrigos e albergues para pessoas em situação de rua.
O adoecimento de trabalhadores e profissionais de saúde por tuberculose é especialmente preocupante, pois, além das questões individuais de saúde, pode reduzir os recursos humanos disponíveis, comprometendo a qualidade e o potencial de resposta dos serviços de vigilância, além de favorecer a transmissibilidade da doença. Em 2023, 1,4% dos profissionais de saúde adoeceram por tuberculose.
Proteção Social
A tuberculose é um dos agravos fortemente influenciados pela determinação social, apresentando uma relação direta com a pobreza e a exclusão social.
A Primeira Pesquisa Nacional de Custos de Pacientes com TB no Brasil, realizada entre 2019 e 2021, pela Universidade Federal do Espírito Santo com apoio técnico do Ministério da Saúde, apontou que cerca de 48% das pessoas com TB sofrem com custos catastróficos no Brasil.
Custos catastróficos ocorrem quando 20% dos rendimentos anuais das famílias são comprometidos por perda de renda e custos diretos e/ou indiretos relacionados ao tratamento da tuberculose. A metodologia para a realização de inquéritos dos custos catastróficos é proposta pela Organização Mundial da Saúde.
Assim, torna-se importante a interlocução com as demais políticas públicas, sobretudo a assistência social, num esforço de construir estratégias intersetoriais como forma de viabilizar proteção social às pessoas com tuberculose. No âmbito federal, como resultado da articulação intersetorial entre a Saúde e a Assistência Social, há a Instrução Operacional Conjunta nº 1, de 26 de setembro de 2019, que estabelece orientações acerca da atuação do Sistema único de Assistência Social (SUAS) em articulação com o Sistema Único de Saúde (SUS) no enfretamento da tuberculose.
Os serviços de saúde, ao identificarem pessoas com tuberculose em situação de vulnerabilidade, devem orientá-las a buscar os serviços da assistência social, especialmente o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), para avaliação das condicionalidades e posterior cadastramento para o acesso aos benefícios disponíveis. Os programas sociais podem melhorar as condições de vida do indivíduo e contribuir para a adesão ao tratamento da tuberculose.
Iniciativas locais (municipais ou estaduais) são importantes, como a oferta de benefícios sociais ou incentivos como o auxílio alimentação, transporte, entre outras, dado que fortalece a adesão ao tratamento da tuberculose, propiciando um melhor desfecho. Para saber mais sobre Proteção Social e tuberculose, acesse o material voltado para profissionais que atuam nas políticas de saúde e de assistência social.
Conheça o Guia orientador: promoção da proteção social para as pessoas acometidas pela tuberculose