Síndrome Hemolítico-Urêmica
A síndrome hemolítico-urêmica (SHU) é uma doença grave que se manifesta por meio de uma tríade de sinais e sintomas: anemia hemolítica microangiopática (ruptura dos glóbulos vermelhos), trombocitopenia (redução das plaquetas) e lesão renal aguda. Esses sintomas podem surgir independentemente ou após episódios de diarreia com sangue.
Importante destacar que em geral, todas as pessoas estão susceptíveis a adquirirem infecção por microrganismos que causam a SHU, porém sua ocorrência é mais frequente em menores de 5 anos de idade e acima dos 65 anos.
A Síndrome Hemolítico-Urêmica pode ocorrer como agravamento de uma infecção adquirida após o consumo de água e/ou alimentos contaminados ou pelo contato direto com fezes de humanos ou animais infectados. A doença também pode ocorrer em decorrência de fatores não infecciosos ̶ causas atípicas (uso de medicamentos, herança genética, transplantes, gravidez), secundárias a doenças coexistentes (sepse, hipertensão maligna e tumores) ou por causa desconhecida.
Causas
Pode ter origem infecciosa e não infecciosa. A que tem maior relevância epidemiológica é a infecciosa, causada pelas bactérias Escherichia coli produtoras da toxina Shiga (STEC), sendo o sorotipo E. coli O157:H7 mais comumente associado à SHU, embora outros sorotipos não-O157, como o O26, O45, O111, O121, O103, e O145, também são associados com o desenvolvimento da doença no homem. Ocasionalmente, outros patógenos, como Shigella dysenteriae tipo 1, Shigella pneumoniae, Campylobacter jejuni, Aeromonas spp, entre outros, também têm sido associados a casos de SHU.
As STEC são bactérias emergentes que podem ser encontradas em várias espécies de animais domésticos e selvagens, entretanto, o principal reservatório natural da bactéria E. coli O157:H7 é o trato gastrointestinal de bovinos, caprinos e ovinos.
A bactéria, ao ser eliminada pelas fezes, pode contaminar águas superficiais ou subterrâneas, o solo, bem como culturas de hortifrutigranjeiros.
A contaminação fecal da água e dos alimentos, juntamente com a contaminação cruzada durante a preparação, são vias importantes de infecção. Alimentos mais frequentemente ligados à transmissão incluem carne crua ou malcozida, sucos, leite e derivados não submetidos à pasteurização ou fervura; hortaliças, legumes, verduras e frutas contaminados por esterco animal não tratado, frequentemente devido a práticas de adubação orgânica; além de água para consumo humano que não foi adequadamente tratada com cloro. A transmissão direta entre pessoas, pela via fecal-oral, também é possível.
Sintomas
Aproximadamente 75% das pessoas expostas à STEC não apresentaram sintomas. Nos 15% restantes, os sintomas iniciais da infecção costumam surgir de 3 a 8 dias após a infecção e geralmente envolvem diarreia aquosa, que, 3 a 5 dias depois progride para diarreia com sangue, vômitos e cólicas abdominais. A febre quando presente é baixa e de curta duração.
A maioria dos pacientes com SHU se recupera quando recebe terapia de suporte adequada, mas uma pequena proporção (2% a 5%) pode evoluir ao óbito, e aproximadamente 12% a 30% podem sofrer complicações graves, incluindo insuficiência renal, hipertensão ou sequelas permanentes relacionadas ao sistema nervoso central.
Diagnóstico
A SHU geralmente é diagnosticada a partir da avaliação do quadro clínico e de função renal; exames hematológicos, e de pesquisa de bactérias nas fezes, por meio de coprocultura (que deve ser feita preferencialmente no início da manifestação da doença e antes da administração de antibióticos).
A eliminação da bactéria é transitória e o seu isolamento é dependente da obtenção de culturas de fezes no prazo de até 6 dias após o início da diarreia, antes de qualquer terapêutica antibiótica. Portanto, a detecção do patógeno bem como sua caracterização depende da coleta oportuna e adequada das amostras biológicas.
Tratamento
Não existe tratamento especifico. O tratamento é de suporte, geralmente em unidade de terapia intensiva (UTI), concentrando-se na estabilização do paciente até que ocorra a resolução natural da doença e o início da recuperação. A maioria dos pacientes é tratada sintomaticamente com manejo de fluidos e eletrólitos, suporte nutricional, e em alguns casos podem requerer transfusão sanguínea. O uso de antibióticos não é recomendado para o tratamento da diarreia, podendo agravar o comprometimento renal.
Prevenção
As medidas de prevenção incluem a preparação e armazenamento adequado de alimentos, a promoção da higiene pessoal, campanhas de educação em saúde pública e segurança alimentar, e monitoramento da qualidade dos alimentos e da água. Informações adicionais sobre medidas de prevenção de doenças de transmissão hídrica e alimentar podem ser encontradas em Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA).
Notificação e investigação
Os casos individuais de SHU compõe a Lista Nacional de Doenças e Agravos a serem monitorados pela Estratégia de Vigilância Sentinela, regulamentada pelo anexo XLIII da Portaria de Consolidação n°. 5 de 28 de setembro de 2017.
Os casos suspeitos devem ser notificados por meio da Ficha de Investigação/Conclusão do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e devidamente investigados. Adicionalmente, todos os surtos de SHU devem ser reportados utilizando a Ficha de Investigação de Surto de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) e também submetidos à investigação.
Situação epidemiológica
Em todo o mundo, a Escherichia coli produtora de toxina Shiga (STEC) é responsável por 2,8 milhões de casos anualmente. Estima-se que ocasiona 3.890 casos anuais de SHU, e uma incidência global de 0,2 a 4,28 casos por 100.000 habitantes, com maior parte na faixa etária entre zero e quatro anos. Em relação aos óbitos, estima-se a ocorrência de 230 mortes por ano, com maior letalidade naqueles com até quatro anos de vida.
Globalmente, a prevalência de doenças associadas às STEC apresenta uma ampla variação, especialmente devido a fatores socioeconômicos, ambientais, agrícolas, modos de transmissão e hábitos de consumo locais. Historicamente a Região das Américas concentra maior parte dos casos e óbitos de SHU, tendo a Argentina a prevalência mais elevada a nível mundial com 12,2 casos por 100.000 crianças menores de 5 anos.
No Brasil, entre 2014 e 2023 foram notificados no Sinan 310 casos suspeitos de SHU e, destes, 151 (48,7%) foram confirmados. Em relação ao perfil dos casos, maior parte ocorreu em indivíduos do sexo masculino (52,6%) e na faixa etária de 01 a 04 anos (55,3%).