A candidíase sistêmica é uma infecção invasiva do sangue ou de outros locais normalmente estéreis (por exemplo, líquidos pleural e peritoneal) causadas por espécies de Candida. É uma condição grave, que tem sido diagnosticada com frequência crescente em Unidades de Terapia Intensiva, devido ao aumento do número de pacientes imunocomprometidos (transplantados, neutropênicos, diabéticos, HIV/Aids, entre outros) e aqueles com graves doenças de base. Cabe salientar que, as infecções por Candida envolvendo orofaringe, esôfago e vagina, não são consideradas doenças invasivas.
Causa
As Candidas são fungos que existem sob a forma de pequenas leveduras unicelulares (4-6μm) e, no homem, se reproduzem de forma assexuada por brotamento. Em condições normais, a maioria não causa danos ao indivíduo, entretanto, essas mesmas leveduras podem apresentar características patogênicas, caso ocorra um desequilíbrio, em sua relação com o hospedeiro, por isso são consideradas oportunistas, que envolve desde doenças superficiais até invasivas, variando desde candidíase cutânea e das mucosas a candidíase sistêmica da corrente sanguínea.
A principal espécie envolvida é a Candida albicans, porém nos últimos anos as espécies de Candida não-albicans ganharam bastante importância, como Candida glabrata, Candida krusei, Candida lusitaniae.
Os fatores de risco relacionados à ocorrência da candidíase incluem os extremos de idade, diabéticos, imunossuprimidos, transplantados, pacientes submetidos às intervenções invasivas, uso de antibióticos de amplo espectro, nutrição parenteral, queimaduras extensas, entre outros.
Transmissão
As Candidas integram a flora normal nos seres humanos, o que possibilita a ocorrência da candidíase sistêmica adquirida por fonte endógena. Por outro lado, a infecção também pode ocorrer por via exógena, na qual os fungos chegam ao paciente a partir de fontes externas, tais como mãos colonizadas com Candida dos profissionais de saúde, pela utilização de dispositivos intravasculares, implante de próteses contaminadas, bem como pelas infusões parenterais contaminadas, podendo até coexistir os dois mecanismos.
A candidíase invasiva, geralmente ocorre por disseminação hematogênica, podendo atingir qualquer órgão, em especial a retina, o rim, o fígado, o baço, os ossos e o sistema nervoso central.
Sintomas
A sintomatologia pode variar de acordo com a carga fúngica e local de maior contaminação e inserção tecidual profunda. Os sintomas clínicos desta doença não são específicos, e variam desde febre, fadiga, confusão mental, ansiedade, taquicardia, calafrios, hipotensão, entre outros.
Diagnóstico
O diagnóstico precoce é fundamental para que o esquema terapêutico seja rapidamente instituído, aumentando, assim, a probabilidade de cura.
A candidíase sistêmica pode ser de difícil diagnóstico, particularmente quando as hemoculturas iniciais são negativas.
O diagnóstico laboratorial baseia-se no exame direto da amostra biológica normalmente estéril (sangue, urina, líquor, líquido articular, líquido peritoneal e tecidos), no isolamento e identificação do fungo após crescimento em meios de cultura. A pesquisa direta é um exame mais rápido, que pode auxiliar na indicação do tratamento, enquanto se aguarda o resultado das culturas.
A identificação do fungo a partir de hemocultura não é fácil, pois a cultura no sangue é um marcador de baixa sensibilidade, aproximadamente 50% dos casos, apresentando resultados falso-negativos, o que muitas vezes toma o diagnóstico difícil, dificultando a decisão em relação ao início do tratamento. Além disso, se houver infecção bacteriana concomitante, pode diminuir a chance do isolamento da levedura.
Para o isolamento e triagem das espécies de Candida, meios de isolamento seletivos têm sido utilizados para identificação das espécies implicadas na infecção, após cerca de 24 ou 48 horas de incubação.
De acordo com um estudo de Prevalência Estendida em Terapia Intensiva (“Extended Prevalence of Infection in Intensive Care”, EPIC II), espécies do gênero Candida representam a terceira causa mais frequente de infecção em UTIs em todo o mundo.
Tratamento
O tratamento da candidíase sistêmica se baseia no estado clínico do paciente, a espécie de Candida isolada e seu perfil de sensibilidade aos antifúngicos. Os antifúngicos comumente usados para o tratamento da doença são: a) equinocandinas (caspofungina, anidulafungina ou micafungina); b) poliênicos (anfotericina B em desoxicolato e formulações lipídicas de anfotericina B) e c) azólicos (fluconazol, voriconazol).
O complexo lipídico de anfotericina B e o itraconazol são medicamentos antifúngicos disponíveis no estoque estratégico do Ministério da Saúde, dispensados pela área técnica de Vigilância e Controle das Micoses Sistêmicas, desde 2008. O atendimento à solicitação desses antifúngicos decorre do preenchimento da ficha de solicitação de medicamentos antifúngicos para tratamento de pacientes com micoses endêmicas (de implantação, sistêmicas e oportunistas), como a candidíase sistêmicas, além da comprovação da infecção fúngica em atividade (diagnóstico laboratorial recente) e resultado da sorologia para HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana).
Prevenção
Apesar dos progressos na prevenção e controle de infecções hospitalares, a candidíase sistêmica ainda é um desafio nos hospitais do mundo todo, pois ainda não se tem elementos que predigam quais os pacientes que irão de fato desenvolver a doença.
Considerando que a doença ocorre frequentemente como decorrência de imunodepressão, cirurgia abdominal recente, exposição a procedimentos médicos invasivos, principalmente cateteres venosos centrais, que são associados ao desenvolvimento de biofilmes ao redor dos mesmos, pacientes em nutrição parenteral, em particular uso de emulsões lipídicas têm descrição de formação de biofilme com fungos e infecção de corrente sanguínea e uso de múltiplos antibióticos de amplo espectro por períodos prolongados, infecção bacteriana concomitante, as medidas de prevenção recaem na identificação destes fatores e na tentativa de controlar as doenças de base e minimizar a exposição dos pacientes às condições de risco mencionadas.
A prevenção da infecção fúngica é semelhante à de muitas outras infecções hospitalares, de um modo geral, consistem na higienização das mãos dos profissionais de saúde, para evitar a transmissão através das mãos colonizadas da equipe que presta atendimento ao paciente, adoção de medidas adequadas no manuseio de cateteres venosos centrais e sondas e o controle no uso racional de antimicrobianos.
Recomenda-se que os hospitais instituam medidas específicas de prevenção e controle na transmissão para pacientes sabidamente colonizados ou infectados por espécies de Candida, em especial a Candida auris.