Febres hemorrágicas virais
As febres hemorrágicas provocadas por vírus são um grupo de doenças de origem zoonótica, caracterizadas por febre e manifestações hemorrágicas que podem apresentar alta gravidade. São doenças que apresentam uma distribuição mundial, causadas por um RNA vírus de 4 famílias: Flaviviridae (febre hemorrágica de Omsk, febre da floresta de Kyasanur, dengue hemorrágico/ síndrome de choque do dengue e febre amarela), Bunyaviridae (febre hemorrágica do Congo e da Criméia, febre do vale Rift, febre hemorrágica com síndrome renal por hantavírus e síndrome pulmonar e cardiovascular por hantavírus), Arenaviridae (febres hemorrágicas dos vírus Junin, Machupo, Guanarito e Sabiá na América do Sul e do vírus Lassa na África) e Filoviridae (febres hemorrágicas dos vírus Marburg e Ebola).
Mammarenavirus
A família Arenaviridae é classificada em 3 gêneros:
- Mammarenavirus (infecta mamíferos)
- Reptarenavirus (infecta répteis)
- Hartmanivirus (infecta répteis).
O gênero Mammarenavirus é subdividido em dois grupos, o do Velho Mundo e do Novo Mundo, que contém 35 espécies diferentes. Nesse informe, destacaremos os arenavírus do Novo Mundo já identificados na América do Sul, causando febre hemorrágica viral em humanos:
- Vírus Junin (na Argentina);
- Vírus Machupo e Chapare (na Bolívia);
- Vírus Guanarito (na Venezuela);
- Vírus Sabiá (no Brasil).
Transmissão
As pessoas contraem a doença principalmente por meio da inalação de aerossóis, formados a partir da urina, fezes e saliva de roedores infectados.
A transmissão dos arenavírus de pessoa a pessoa pode ocorrer quando há contato muito próximo e prolongado ou em ambientes hospitalares, quando não utilizado equipamentos de proteção, por meio de contato com sangue, urina, fezes, saliva, vômito, sêmen e outras secreções ou excreções.
Procedimentos de geração de aerossóis, como intubação orotraqueal, ventilação mecânica não invasiva e aspiração das vias aéreas superiores, também estão envolvidos na transmissão de humano para humano. Existe o relato de possibilidade de transmissão ao homem por contato direto com roedores, por meio de mordeduras.
Qual o período de incubação da doença?
O período de incubação, ou seja, período que compreende entre a exposição do vírus até o início dos sintomas, geralmente é de 6 a 14 dias, podendo variar de 5 a 21 dias.
Sintomas
Os arenavírus causam uma síndrome febril hemorrágica, cujo período de incubação é longo (em média entre uma semana e mais de um mês). A doença inicia com uma febre, mal-estar, dores musculares, dor epigástrica e retro-orbital, dor de cabeça, tonturas, sensibilidade à luz e constipação. Com a evolução da doença pode haver comprometimento neurológico. A doença normalmente cursa entre 6 a 14 dias.
A doença evolui com manifestações neurológicas e grave comprometimento hepático resultando em hepatite, podendo o paciente apresentar prostração extrema, dor abdominal, hiperemia conjuntival, rubor em face e tronco, hipotensão ortostática, hemorragia petequial, conjuntival e outras mucosas, hematúria, vesículas em pálato, linfadenopatia generalizada e encefalite.
Devido à síndrome de extravasamento capilar, o paciente pode apresentar pulso fino e choque, acometimento pulmonar e edemas, principalmente em face e região cervical, além de elevação do hematócrito, leucopenia com linfocitopenia e trombocitopenia. O acometimento neurológico produz hiporreflexia, termores e outras alterações do sistema nervoso central (SNC) como meningite e encefalopatias
Diagnóstico
Quais são os procedimentos para diagnóstico laboratorial?
a) Coleta
A coleta de amostras de pacientes suspeitos de infecção por Arenavírus, com ou sem manifestação de quadro clínico compatível com síndrome hemorrágica, deve ser realizada por equipe devidamente paramentada com os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), ou seja, máscara N95, avental descartável e luva de procedimento.
Todo EPI deve ser descartado em lixo infectante logo após.
A coleta da amostra deve ser realizada de modo asséptico e somente após a disponibilidade da caixa de transporte adequada
Categoria A UN/2814, seguindo a Instrução de embalagem 620 (PI 620) (ANVISA, 2015).
b) Tipo de amostra
Deverão ser colhidos 4 tubos secos estéreis, sem aditivos, com 5 ml de sangue para investigação etiológica.
Não é necessário separar o soro do sangue, procedimento que pode aumentar significativamente o risco de infecção acidental.
É obrigatório o uso de sistema de coleta de sangue a vácuo com tubos plásticos secos estéreis selados para o diagnóstico etiológico.
Nos casos de óbitos em que não se tenha obtido o sangue, deve-se optar pela biópsia de fígado, baço, rim, coração, cérebro, a ser acondicionado em tubo plástico, tipo falcon, 50ml, estéril, resistente à temperatura ultrabaixa, adotando-se os mesmos cuidados de biossegurança estabelecidos nesse documento.
Os fragmentos deverão ser coletados em até 8 horas do óbito.
A necropsia não deverá ser realizada.
c) Transporte de amostra
O material biológico (sangue ou tecidos) deve ser transportado observando-se a regulamentação sanitária vigente para o transporte de material biológico humano (RDC 20/2014 ANVISA), bem como as orientações técnicas do “Manual de Vigilância Sanitária sobre o Transporte de Material Biológico Humano para fins de Diagnóstico Clínico”. Imediatamente após a coleta, as amostras devem ser acondicionadas em caixas triplas destinadas a substâncias infecciosas Categoria A UN/2814, preservadas com gelo seco e enviadas para o Laboratório de Referência Nacional em Arboviroses e Febres Hemorrágicas do Instituto Evandro Chagas (IEC/SVS/MS), em Ananindeua-PA. A comunicação entre a Coordenação de Vigilância Epidemiológica Local, despachante autorizado e Laboratório de Referência de destino deve observar a normatização sanitária para transporte de substâncias infecciosas, a urgência da expedição da amostra e a segurança nos procedimentos de expedição. As substâncias infecciosas da categoria A só podem ser transportadas em embalagens que atendam às especificações da classe 6.2 das Nações Unidas e estejam em conformidade com a Instrução de embalagem PI 620.
Tratamento
Não existe terapia específica. O tratamento é de suporte conforme a sintomatologia do paciente. Tem-se utilizado a ribavirina para febre do Lassa, sendo mais eficaz quando aplicada precocemente. Acredita-se que outros arenavírus também são sensíveis a esse antiviral. Os doentes devem permanecer em isolamento respiratório e as pessoas de contado devem se precaver dos perigos, tomando medidas adequadas de proteção individual para lidar com os arenavírus agentes classificados como de nível de biossegurança 3 ou 4.