Os acidentes com animais peçonhentos são um desafio significativo para a saúde pública no Brasil. Com sua rica biodiversidade e clima tropical favorável, o país abriga uma ampla variedade de serpentes, aranhas, escorpiões e outros animais peçonhentos, cujas picadas ou mordidas podem resultar em graves consequências para a saúde humana. Nesse cenário, é essencial conhecer e identificar esses animais para implementar medidas preventivas eficazes e garantir um atendimento adequado às vítimas.
Apesar de muitos considerarem esses termos como sinônimos, existem distinções conceituais entre animais peçonhentos e venenosos. Ambos produzem toxinas em glândulas ou tecidos, mas os animais venenosos armazenam essas substâncias para defesa contra predadores, enquanto os peçonhentos têm a capacidade adicional de injetá-las ativamente, seja em presas para predar ou em predadores para se defender.
Para a injeção ativa das toxinas, os animais peçonhentos utilizam aparelhos inoculadores como dentes especializados, ferrões, quelíceras, cerdas urticantes, esporões, etc. As toxinas, em quantidades relevantes, causam lesões fisiopatológicas dose-dependentes a um organismo vivo, sendo denominadas zootoxinas quando produzidas por animais, e convencionou-se chamar de venenos as produzidas por animais venenosos, e peçonhas aquelas produzidas por animais peçonhentos.
As funções desempenhadas por venenos e peçonhas estão relacionadas ao animal produtor destas substâncias: defesa contra predação, no caso dos venenos, e subjugação e detenção de presas e predadores, no caso das peçonhas. Além disso, podem exercer também função digestiva em alguns animais peçonhentos.
Compreender estes conceitos é fundamental para a correta notificação dos acidentes por animais peçonhentos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, uma vez que nem todo animal produz toxinas, e nem todo animal que produz toxinas é um animal peçonhento.
Histórico do Programa Nacional de Vigilância e Controle de Acidentes por Animais Peçonhentos
Em 1985, originou-se uma crise na produção de soros antivenenos a partir de uma escassez significativa nos hospitais e postos de saúde em todo o país. Isso ocorreu quando a multinacional Syntex do Brasil S.A., que era responsável por grande parte da produção desse imunobiológico, encerrou suas operações no Brasil. Em vista disso, o Ministério da Saúde criou o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (PASNI), com o intuito de modernizar as plantas de produção dos laboratórios públicos produtores de antivenenos (Instituto Butantan, Instituto Vital Brazil e Fundação Ezequiel Dias) e reestabelecer o fornecimento dos imunobiológicos no País.
No ano seguinte, em 1986, os acidentes ofídicos passaram a ser de notificação compulsória e foi implementado o Programa Nacional de Controle do Ofidismo (PNO), no âmbito da Secretaria Nacional de Ações Básicas em Saúde (SNABS/MS).
Logo em seguida, a vigilância epidemiológica do araneísmo e do escorpionismo foram incorporados à vigilância do ofidismo e, em 1988, o Programa Nacional de Controle de Ofidismo passou a ser denominado Programa Nacional de Controle de Acidentes por Animais Peçonhentos (PNCAAP), nomenclatura utilizada atualmente. O PNCAAP é alicerçado nos objetivos abaixo, que correspondem às estratégias de intervenção e redução da incidência e da gravidade dos acidentes provocados por animais
peçonhentos, através da promoção de ações educativas em saúde e da utilização eficaz dos antivenenos:
- Reduzir a incidência dos acidentes por animais peçonhentos por meio da promoção de ações de educação em saúde;
- Reduzir a gravidade, as sequelas e, consequentemente, a letalidade dos acidentes por meio do atendimento oportuno e de escolhas acertadas no tratamento soroterápico;
- Melhorar a capacidade de resposta do atendimento médico assistencial nos serviços de saúde;
- Mapear áreas de risco a partir dos resultados e da análise dos indicadores epidemiológicos.
Animais peçonhentos de importância em Saúde no Brasil
Algumas espécies de animais peçonhentos são consideradas de interesse em saúde pública no Brasil, devido à alta capacidade de proliferação em meios urbanos e a magnitude dos acidentes que provocam, seja em razão do número de acidentes que provocam em humanos, ao potencial de evolução clínica do envenenamento com gravidade ou de gerar sequelas temporárias e até mesmo permanentes. O Sistema Único de Saúde oferece gratuitamente antivenenos, conforme necessário, para uso no tratamento dos indivíduos acidentados.
Nessa perspectiva, o conceito de Uma Só Saúde enfatiza as conexões entre animais, meio ambiente e seres humanos, destacando a relevância dos acidentes com animais peçonhentos para a saúde pública. No Brasil, essas ocorrências são preocupantes devido ao aumento significativo no número de casos e óbitos registrados anualmente. Para enfrentar essa ameaça, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza gratuitamente antivenenos para o tratamento adequado das vítimas.
No contexto brasileiro, os animais peçonhentos de interesse em saúde pública incluem quatro grupos de serpentes (Botrópico, Crotálico, Laquético e Elapídico) conforme o gênero da espécie responsável pelo acidente (Bothrops, Bothrocophias, Crotalus, Lachesis, Micrurus e Leptomicrurus), algumas espécies de escorpiões do gênero Tityus ( T. serrulatus, T. bahiensis, T. stigmurus e T. obscurus), aranhas divididas em grupos loxoscélico, fonêutrico e latrodéctico dos gêneros Loxosceles, Phoneutria e Latrodectus, abelhas do gênero Apis e lagartas do gênero Lonomia.
Lagartas do gênero Lonomia representam uma preocupação significativa devido à capacidade de causar acidentes graves. Adicionalmente, acidentes por abelhas do gênero Apis, especialmente as africanizadas, são categorizados como acidentes apílicos.
Outros animais peçonhentos, como vespas, marimbondos, lacraias, arraias, bagres, entre outros, embora não considerados de importância em saúde pública, podem ocasionar acidentes graves. Estes acidentes também devem ter seus acidentes notificados no Sinan.