Notícias
CAMINHOS PARA COMBATER A DESINFORMAÇÃO
Evento da Capes debate caminhos para a ciência como ferramenta de combate à desinformação
Naiara Demarco - CGCOM/CAPES
Quase 90% da população brasileira admite ter acreditado, pelo menos uma vez, em algum conteúdo falso. É o que revela uma pesquisa do Instituto Locomotiva, realizada em fevereiro deste ano. A desinformação é um dos assuntos do momento e, também, uma grande preocupação. Foi nesse contexto que ocorreu, em Brasília, nos dias 2 e 3 de abril, a Conferência Livre: Ciência no Combate à Desinformação.
O evento reuniu governo, instituições, pesquisadores, órgãos de pesquisa, políticos e sociedade civil para debater o tema e encontrar estratégias mais efetivas para o combate à desinformação e a criação de um cenário que mantenha de fato a integridade das informações.
O encontro foi dividido em mesas de apresentação, com a defesa dos palestrantes, e em grupos de trabalho, com o intuito de aprofundar e encontrar soluções para a temática. Confira aqui a transmissão da Conferência: primeiro dia e segundo dia.
Nos dois dias de debate, uma percepção é claramente identificada a partir dos estudos apresentados e da fala dos palestrantes: os criadores de desinformação são organizados, intencionais, economicamente financiados e têm objetivos claros, que vão desde interesses políticos, ideológicos e econômicos, até a manutenção ou conquista de poder.
O evento, realizado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) , pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), é preparatório para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que acontece em junho, em Brasília
É preciso união para o enfrentamento de conteúdos enganosos
O esforço conjunto dos mais diversos atores da sociedade no enfrentamento do problema foi defendido pelos participantes ao longo dos debates. A presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho, afirmou que o mundo tem assistido ao avanço do uso malicioso, antiético e criminoso das tecnologias de informação e comunicação. Para ela, as novas tecnologias, como a inteligência artificial (IA), foram criadas para ajudar a humanidade e não prejudicar. A presidente aponta a ciência como uma das principais vítimas das narrativas falsas e defende como solução “a busca incessante pela verdade”.
A mesa de abertura debateu “A integridade informacional e o Combate à Desinformação como parte fundamental da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação” e contou com a participação do secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), João Brant. Segundo ele, o tema é um assunto mundialmente discutido e está presente no âmbito do G-20, presidido pelo Brasil. “A afirmação da agenda de integridade da informação é necessária nesse momento em que o mundo inteiro busca respostas, é um assunto internacional, tratado pela Unesco, pela ONU e por vários países e, agora, está na pauta no G-20 pela primeira vez”, reforçou.
João Brant também lembrou que a Secom, em parceria com a Unesco, promoverá um evento sobre o integridade da informação na sequência do Net Mundial +10, em São Paulo, com grandes nomes internacionais, como Maria Ressa - Nobel da Paz, Melissa Fleming - subsecretária-geral de Comunicações Globais da ONU, especialistas de países do norte e sul global, nos dias 30 de abril e 01 de maio. O evento é aberto a todos interessados no assunto.
A ideia de ter a comunidade científica como protagonista no combate a esse tipo de conteúdo foi defendida por diferentes participantes, entre eles o diretor do Ibict, Tiago Braga, durante a mesa de abertura.
Regulação das plataformas
O caminho para que a desinformação seja de fato combatida passa, necessariamente, pela regulação das plataformas digitais, como Google, Facebook, Instagram, Whatsapp, YouTube, Telegram, entre outros. Essa é uma das principais conclusões da Conferência. O Brasil já debate há algum tempo uma forma legal de enfrentamento à desinformação.
Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, está em discussão na Câmara dos Deputados, com o objetivo de instituir a Lei Brasileira de Liberdade e Responsabilidade e Transparência na Internet. O relator do projeto, deputado federal Orlando Silva, participou do encontro e afirmou que o Brasil pode se espelhar nos avanços já conquistados na Europa. A Lei de Serviço Digitais, criada pela União Europeia, estabelece algumas regras, como:
• Proibição de anúncios direcionados a usuários menores de idade com base em dados pessoais;
• Proibição de anúncios direcionados para qualquer pessoa com base em dados confidenciais, como orientação sexual ou crença religiosa;
• Moderação de conteúdo mais rígida: além de moderar conteúdos, os sites terão que explicar porque os usuários tiveram suas publicações moderadas e oferecer modo de contestar a decisão;
• Estabelecimento de recursos nos quais os usuários podem denunciar serviços ilegais dentro das plataformas;
• Serviços de hospedagem de plataforma, como provedores de nuvem, também terão que oferecer recursos de denúncia de conteúdo ilegal;
• Serviços intermediários, como provedores de internet, terão que fornecer relatórios de transparência.
Para o deputado, o caminho também deve passar por educação e letramento midiático. Além disso, o relator acredita que o processo precisa englobar responsabilidade, transparência e liberdade de expressão.
A coordenadora de campanhas da Avaaz, Laura Moraes, defendeu uma postura mais firme na responsabilização das plataformas. “O que mais precisa acontecer, o que mais as redes precisam fazer pra gente subir o tom?, questionou. Durante a palestra, Laura afirmou que a ciência está em desvantagem quando comparada à propagação de conteúdos falsos. “A ciência está gritando na rua sem microfone para que todos escutem, enquanto as redes sociais funcionam como um canhão”, descreveu.
A desinformação na área da saúde
O impacto que a desinformação causou na sociedade durante a pandemia e, também, no pós-pandemia, em especial na área da saúde, deixou marcas irreparáveis. O tratamento precoce com o uso do kit covid* foi uma das fake news mais repassadas pelas redes sociais e grupos de trocas de mensagens instantâneas.
Incentivado por autoridades, o uso de drogas ineficazes foi amplamente divulgado, além de desqualificar medidas de eficácia comprovada, como uso de máscara, distanciamento social e vacinação.
O programa Saúde com Ciência, do Ministério da Saúde, nasceu justamente para combater esse tipo de narrativa e agir de maneira preventiva aos efeitos negativos da rede de desinformação. A ação já conseguiu, por exemplo, desbancar os criadores de conteúdos enganosos e provar que a ivermectina não é um medicamento eficaz no combate à dengue. Diversos jornais usaram o Saúde com Ciência como fonte primária e divulgaram a informação às leitoras e aos leitores.
Acesse aqui as notícias do programa que desmentem as principais desinformações na área da saúde.
*Kit covid: divulgado durante a pandemia como tratamento para a covid-19, inclui drogas como hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e corticosteroides sistêmicos como tratamento contra covid-19, mas sem nenhuma comprovação científica e eficácia.