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ENTREVISTA EXCLUSIVA:
Professor explica como a necropolítica usa a desinformação para conquistar o que quer
Foto: Pedro Evangelista/MS
Você sabe o que é necropolítica e como ela afeta a vida de milhares de pessoas ao redor do mundo? O Saúde com Ciência conversou sobre o tema com o professor e pesquisador Pedro Arantes, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Em entrevista exclusiva ao projeto, o pesquisador explicou o papel da desinformação como aliada da necropolítica para reforçar más intenções e manter governos e pessoas no poder e, também, como essa combinação pode prejudicar a população mais vulnerável. Confira abaixo a entrevista completa.
Professor, o que é necropolítica?
Bom, necropolítica é uma política da morte. Necro vem de morte. Ela já existe há muito tempo na história da humanidade e está presente em vários momentos, quando governos se relacionavam com as populações no limite de conduzi-las à morte. Talvez o grande regime de necropolítica no mundo tenha sido a escravidão. Os escravos foram permanentemente submetidos a todos os tipos de violência e seus corpos sempre estiveram expostos à morte.
Temos algum exemplo de necropolítica atualmente?
Recentemente, nós tivemos políticas de governos, muitas vezes de forma desnecessária, que colocaram as populações mais vulneráveis em situações que poderiam ter levado à morte. Durante a pandemia da covid-19, por exemplo, esses riscos incluíam o atraso de vacina, a desinformação, o não uso de máscara ou, ainda, a defesa do uso de medicamentos ineficazes, como a cloroquina. Então, populações com menos acesso à informação, com menos condições de defender a sua própria vida foram as mais expostas aos riscos, foram submetidas à necropolítica.
Como a necropolítica está inserida no seu trabalho como professor e pesquisador?
Eu sou professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), atuo em várias áreas de pesquisa interdisciplinares e participo de um centro de pesquisa chamado Sou Ciência. Ele é um centro de integração da sociedade com a universidade e a ciência, em que a gente troca muito com movimentos sociais e comunidades em geral sobre temas que são relevantes para a vida das pessoas. Agora, estamos estudando como as políticas negacionistas e criminosas, as políticas que conduziram ao tamanho que foi o morticínio da pandemia no Brasil, foram estruturadas. Quem foram esses agentes e quem foram as pessoas que propagaram desinformação, que tiveram más condutas, que levaram a um número de mortes muito acima do normal.
Considerando este cenário, a enorme quantidade de vidas perdidas poderia ter sido evitada?
O Brasil é um dos países com mais mortes durante a pandemia. Estima-se que mais da metade das vidas perdidas poderiam ter sido poupadas se as condutas tivessem sido razoavelmente adequadas. Talvez a gente pudesse ter poupado 500 mil vidas. Então, nós estamos estudando quais foram as ações e quem foram os agentes que levaram a tal crime contra a humanidade, contra a população brasileira.
Como a desinformação pode contribuir para a manutenção de cenários como o visto na pandemia? A partir dos estudos feitos, qual o papel das narrativas falsas criadas por grupos específicos?
A desinformação não é uma mera desinformação, ela é uma estratégia de poder. As pessoas que conseguem fazer com que grupos da sociedade acreditem em narrativas falsas, não baseadas em evidências científicas, conquistam esses grupos e ganham poder. É um poder místico, de fanatismo e seita. Então, as estratégias de desinformação são estratégias de fidelização de determinadas parcelas da população aos criadores do discurso. E esses discursos não são baseados na verdade, na pesquisa, na ciência, são discursos que têm eficiência política. Então, essas narrativas vão produzindo um sentimento na população, nos mais diversos temas, e o mais grave deles é a saúde, porque envolve uma situação real de risco para as pessoas, para as famílias, para as comunidades. A desinformação pode gerar comportamentos e colocar as pessoas em risco de perder as próprias vidas. É a necropolítica.
Professor, e qual é a dica, qual é o caminho indicado para que as pessoas consigam se defender dessas narrativas falsas, consigam identificar que aquele conteúdo não é verdadeiro?
Eu indico que as pessoas procurem informação confiável. Hoje isso é cada vez mais difícil porque a gente recebe informação de todos os lados possíveis. Por isso, é muito importante saber qual é a fonte, quem produziu aquela informação. É importante também saber se aquela informação é baseada em pesquisas, se vêm de pessoas comprometidas na vida e na carreira a procurar a verdade, a procurar a melhor conduta diante de determinadas situações. Busquem informação em sites como, por exemplo, das universidades, nas redes sociais das universidades, dos institutos de pesquisa, do Ministério da Saúde. O Ministério é dirigido por uma ministra que foi diretora da Fiocruz, um instituto de pesquisa altamente capacitado e renomado e que tem uma equipe de excelência. Sugiro que vocês procurem informações no site do projeto Saúde com Ciência, que a gente acessa pelo site do Ministério da Saúde.
Diante desse cenário de desinformação, como foi a atuação da academia, dos pesquisadores durante a pandemia da covid-19 e, também, no pós-pandemia?
Durante a pandemia houve uma luta da sociedade e dos pesquisadores pela defesa da vida, pela defesa da ciência. Então, quanto mais o governo era negacionista e adotava, na contramão do mundo, políticas equivocadas, mais uma parte da sociedade procurava se defender e se informar. Nós vivemos, nos últimos anos, uma onda a favor da ciência. As pessoas estavam interessadas em saber mais sobre o tema, procuravam o site dos institutos de ciência, sabiam nomes de cientistas brasileiros. Então, a gente tem de fazer com que essa onda pró-ciência continue viva e forte e que a gente seja uma sociedade cada vez mais preparada e vacinada contra a desinformação e, assim, lutar pela vida.