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Eu quero me alimentar melhor
Como se beneficiar da alimentação saudável a partir da comida de verdade?
É comum encontrar por aí dietas mirabolantes que reforçam o consumo de grupos alimentares isolados com o intuito de proporcionar os benefícios de um nutriente específico ou outro. Mas a verdade é que a alimentação adequada e saudável é muito mais ampla e complexa do que isso. Envolve questões que vão além do colocar a comida na mesa.
Daniela Canella, nutricionista pela Universidade Federal de Goiás, Mestre e Doutora em Nutrição em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo e Professora do Instituto de Nutrição da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, reforça um conceito trazido pelo próprio Guia Alimentar para a População Brasileira e que define bem a complexidade da alimentação.
“Esse tipo de alimentação é um direito humano básico, que envolve a garantia do acesso permanente e regular a alimentos, de forma socialmente justa e baseada em práticas alimentares adequadas aos aspectos biológicos e sociais dos indivíduos. Essa alimentação deve ser referenciada pela cultura alimentar e considerar dimensões de gênero, raça e etnia. Ser acessível do ponto de vista físico e financeiro. Então as pessoas precisam ter alimentos próximos e poder pagar por eles. Também deve respeitar a harmonia entre quantidade e qualidade, considerando variedade de alimentos, equilíbrio, moderação e prazer. Afinal, comer também é uma fonte de prazer. E o ideal é que tudo isso seja baseado em práticas produtivas adequadas e sustentáveis”, explica.
Diante de tantos aspectos importantes, fica impossível pensar em uma alimentação baseada simplesmente no consumo de nutrientes isolados, como proteínas, gorduras, carboidratos e vitaminas. Considerar um único alimento ou grupo específico não seria suficiente para garantir tudo aquilo que nosso corpo precisa. É compreendendo a totalidade da natureza dos alimentos que vamos usufruir plenamente de todos os seus benefícios.
Conhecendo as diferenças
E já que o ideal é consumir os alimentos in natura e minimamente processados, deixando de lado o ultraprocessados, vale a pena conhecer as diferenças para saber reconhecê-las. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, produzido pelo Ministério da Saúde, essas são as definições:
Alimentos in natura: são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (como folhas e frutos ou ovos e leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza.
Alimentos minimamente processados: são alimentos in natura que, antes de sua aquisição, foram submetidos a alterações mínimas. Exemplos: grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.
Ingredientes culinários: são os extraídos de alimentos in natura ou direto da natureza e utilizados como temperos, para cozinhar os alimentos e fazer as preparações culinárias. Exemplos: óleos, gorduras, sal e açúcar.
Alimentos processados: são fabricados pela indústria, com a adição de sal ou açúcar e outros ingredientes a alimentos in natura para torná-los duráveis e mais agradáveis ao paladar. Exemplos: palmito e outros vegetais em conserva, sardinhas enlatadas e queijos feitos com leite.
Alimentos ultraprocessados: são alimentos cuja fabricação envolve diversas etapas, técnicas de processamento e ingredientes, incluindo grande quantidade de sal, açúcar, óleos e gorduras e substâncias de uso exclusivamente industrial, como corantes, aromatizantes e emulsificantes. Exemplos: salgadinhos de pacote, refrigerantes e bebidas adoçadas, macarrão instantâneo, biscoitos recheados e chocolate.
Nem todo alimento que passa por um processo industrial é um vilão. O arroz que está no supermercado passou por algum processo prévio para ser limpo, polido e empacotado para estar disponível ao consumidor. Ele passou por um processo industrial, mas continua sendo arroz, exemplifica a nutricionista.
Já os ultraprocessados são formulações industriais feitas com uma lista de ingredientes que a gente nem tem acesso em nível doméstico. Seria impossível reproduzir essa lista em casa. Basta observar o rótulo e perceber quanto daquilo ali você reconhece ou já teve a oportunidade de ver pessoalmente. Segundo Daniela, são produtos derivados de alimentos ou até mesmo desenvolvidos em laboratório, como corantes, conservantes, aromatizantes e realçadores de sabor.
Quer um exemplo bem prático para ilustrar? Vamos pegar o morango. A fruta em si, comprada na feira, é o alimento in natura. O morango lavado e selecionado, vendido no supermercado, é considerado minimamente processado. A geleia artesanal, por ter adição de açúcar, torna-se um alimento processado. Já os biscoitos recheados, misturas em pó ou bebidas prontas com sabor morango são os ultraprocessados. Geralmente, nesses casos não existe sequer adição da fruta de verdade, mas apenas produtos que simulam o gosto, cheiro e a cor. É o leite de morango, mas que não leva morango.
Combinações que dão certo!
A alimentação baseada na combinação de diferentes alimentos in natura e minimamente processados fornece o que a gente precisa em termos de vitaminas, minerais, fibras e outros nutrientes. E a cultura alimentar brasileira já é baseada na alimentação adequada e saudável.
A feijoada, bastante tradicional, serve como exemplo. Daniela explica que, além do feijão, das carnes de porco e da laranja, essa é uma preparação que também é consumida com arroz e couve, por exemplo. Surgindo aí uma combinação de vários alimentos in natura e minimamente processados.
“As leguminosas, no caso do feijão, as carnes de porco, as frutas, no caso da laranja, os cereais, no caso do arroz, e as hortaliças, representadas pela couve, estão combinando aí vários subgrupos que vão trazer diversidade para a alimentação e complementar do ponto de vista do consumo de nutrientes, que não é o único foco da alimentação saudável mas que também é importante”, explica.
A feijoada não é uma preparação de rotina, mas além dela, tem muitas outras misturas bem brasileiras que podem garantir o aporte nutricional no dia a dia. “Poderíamos ter um almoço composto por arroz com feijão, ovo frito, hortaliças cozidas, combinando cenoura e chuchu, e uma fruta de sobremesa. Ou fazer um macarrão com molho à bolonhesa, mas com o macarrão
que não seja instantâneo e acompanhar com salada de alface, tomate e uma fruta”, exemplifica a nutricionista.
Não tem mistério! São receitas do dia a dia, a comida de verdade mesmo, que fazem as nossas refeições serem mais variadas em termos de consumo de alimentos nutricionalmente interessantes e, acima de tudo, acessíveis. Fazer dela a fonte de uma alimentação saudável faz ainda mais sentido, uma vez que nutrientes adicionados artificialmente em produtos prontos não são nem bem aproveitados pelo nosso organismo.
A nutricionista lembra que a vitamina C, por exemplo, está presente em diversos alimentos disponíveis na nossa cultura, como a laranja, goiaba, caju, acerola, couve, brócolis. Se qualquer um desses itens for consumido com alguma frequência e em alguma quantidade, a vitamina C já está sendo contemplada. Então qual é o sentido de ingerir esse nutriente a partir de um alimento ultraprocessado enriquecido artificialmente? Isso fala mais sobre uma estratégia de publicidade, e não de promoção da saúde.