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Coronavírus / COVID-19
Como está sua saúde mental em tempos de pandemia?
Desde o começo da pandemia, as pessoas têm vivido um turbilhão de sensações. A chegada da Covid-19 impactou a vida de muitas formas, especialmente em relação à saúde mental. O isolamento social, a restrição da liberdade, o medo e a preocupação com a doença em si são alguns dos caminhos para o sofrimento emocional sentido pela população.
Para explicar um pouco sobre porque isso acontece e como lidar com isso, convidamos Marisa Portes, que é jornalista, neuropsicóloga, psicóloga clínica e também especialista em terapias cognitivo comportamental e medicina comportamental pela Universidade Federal de São Paulo (USP).
Convivência social: um aspecto consolidado desde nossos ancestrais
O humano é um ser social por natureza. Quer estar em grupos, interagir, conversar sem interesses específicos. Apenas para estar junto. E sempre foi assim, uma vez que essa é uma característica consolidada desde os ancestrais. Nos primórdios, era uma questão de sobrevivência. Nos tempos atuais continua sendo, mas sob um enfoque diferente, mais subjetivo: o de dar sentido à vida.
"Há uma importância evolutiva na nossa vontade de conviver. Desde sempre nós andamos em grupo porque ele evolutivamente garante a sobrevivência da espécie. Por isso, qualquer coisa que ameace a nossa convivência, nosso estar ao lado das pessoas, afeta diretamente nosso emocional. Basta ver que um dos principais sinais de que a pessoa está com alguma questão psicológica é o isolamento social. Quando a pessoa começa a deprimir, ela se isola", contextualiza a psicóloga.
Por esse motivo, a pandemia toca em um ponto muito sensível ao precisar impor um isolamento social para evitar a contaminação do vírus. Estar sem o toque físico, longe de um ombro amigo, de um abraço, das confraternizações, já é difícil. Somando isso à restrição da liberdade de ir e vir, parece razão mais que suficiente para ter a saúde emocional diretamente afetada.
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A função do medo para entender a ansiedade
Marisa explica que todo esse prejuízo mental tem se manifestado em sintomas de ansiedade, medo, tristeza, insônia, preocupações em relação à questão financeira. Tudo isso tem permeado o cotidiano das pessoas de tal modo que hoje já é possível falar em uma pandemia paralela de saúde mental. Sendo essa uma conta a ser paga pelos próximos anos.
Mas para lidar com a ansiedade, por exemplo, diante de tudo isso, é importante entender um pouco a função do medo. Essa é uma sensação aparentemente negativa, mas na verdade é algo positivo e importante quando sentido dentro da normalidade. A psicóloga explica que o medo preserva, poupa de muitos desconfortos e avisa que tem alguma coisa errada. Com isso, tende a ser um fator de proteção. O problema é quando esse sentimento ultrapassa as fronteiras e começa a perturbar, como tem sido relatado frequentemente nesse período pandêmico.
Para começar a pensar em soluções que ajudam, Marisa orienta que, antes de tudo, é preciso fazer uma reflexão sobre o significado que se dá a esse isolamento. “Você pode ver a situação da privação da liberdade como castigo ou como uma possibilidade de se reinventar, de fazer uma conexão diferente com as outras pessoas. Encarar que se deve viver um dia de cada vez também é uma excelente ajuda”, aconselha.
Trocar essa olhar para algo mais positivo não é só um aspecto comportamental, mas possui também um efeito químico no cérebro. A especialista exemplifica que, quando se foca no passado com mágoa, fazendo questão de reforçar a saudade da vida anterior, e no futuro com desesperança, essa atitude gera uma carga emocional muito pesada, sendo capaz de liberar neurotransmissores coerentes com isso. É o caso do cortisol, que está ligado ao estresse. De certa forma estaremos, então, colocando no organismo uma espécie de “veneno” em forma de pensamento, uma vez que ele traz emoções ruins e que podem realmente fazer mal.
É fato que a Covid-19 não vai deixar sequelas somente no corpo. Por isso, mesmo para quem não contraiu a doença, a atenção à saúde mental é algo muito importante e merece total atenção. É raro encontrar alguém que não sentiu nada em relação à situação que vivemos. Pelo menos um pouco de estresse aconteceu. Quando a gente se depara com essa realidade, é preciso propor estratégias que devolvam o bem-estar para as situações passageiras e o devido acompanhamento profissional para os casos recorrentes.
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Como diferenciar sintomas pontuais de um transtorno
Segundo Marisa, o transtorno é um conjunto de sintomas que vão persistindo ao longo do tempo e tem causas diversas. Pode ser baseado em traumas ao longo da vida, alguma pré-disposição genética, uso de substâncias, doenças associadas, estresses. Muitas vezes, os transtornos são incapacitantes. É uma condição diferente dos sintomas pontuais, que são explicados por uma situação adversa.
“No cenário em que vivemos, uma maneira muito simples de pensar essa diferenciação é: o quanto sua vida está limitada com o que você sente? Então, o sinal de buscar ajuda é quando a pessoa deixa de fazer coisas importantes da sua rotina e encontra limitações que não são relacionadas à pandemia. Por exemplo: insônia, cansaço intenso descontextualizado, perda ou ganho de peso acentuados, desmotivação para tarefas cotidianas, choro constante, tristeza persistente, algum sintoma de pânico, ansiedade na maior parte do tempo”, explica a especialista.
Mas apesar de serem diferentes tanto na gravidade quanto na frequência, é importante cuidar dos sintomas pontuais quando eles surgem para evitar que possam evoluir para algo mais sério, desencadeando um transtorno futuro. Além disso, o sofrimento emocional exerce uma forte influência sobre o sistema imunológico, sendo esse mais um motivo para ter atenção consigo mesmo.
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Vista a camisa de sobrevivente! Afinal, você de fato é
Não é fácil passar por tudo isso, principalmente quando muitas pessoas ficaram pelo caminho. Mas para quem chegou até aqui e já consegue enxergar horizontes de melhora em todo esse contexto, tem todo o direito de vestir a identidade de sobrevivente. Segundo Marisa, um dos maiores patrimônios da saúde psicológica, hoje, é a flexibilidade mental. A possibilidade de olhar para vários assuntos de um jeito diferente, buscando perceber o lado positivo das coisas.
“Nas adversidade, muitas pessoas conseguem entrar em contato com a sua porção sobrevivente, descobrindo uma resiliência que nem sabiam. Para isso, você pode se conectar com essa força interior. Refletir sobre suas potencialidades, trazer situações do passado em que desafios foram superados. Esse passeio por memórias de vitória é uma boa âncora para o cérebro comprovar que você pode sim enfrentar momentos difíceis e, por que não, se sair bem deles. Afinal, o que a gente pensa, a gente sente. Isso é sinônimo de saúde mental”, finaliza.