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JANEIRO ROXO
Pessoas com hanseníase lutam contra preconceito e desinformação da sociedade
- Foto: Eridania Moreira (arquivo pessoal)
“As pessoas se afastam. A professora não queria que eu estudasse na mesma sala que os outros alunos, quando era criança. Minha mãe perdia clientes do salão dela e eu mesma já perdi empregos por causa da doença”. O relato de Eridania Moreira, de 33 anos, representa o estigma enfrentado por aproximadamente 15 mil pessoas que são diagnosticadas, por ano, com hanseníase. Somente o Brasil tem mais de 90% do número de novas notificações da infecção no continente americano. Em razão do Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, lembrado no último domingo de janeiro, o Ministério da Saúde reforça que a hanseníase tem cura e, diferente da crença popular, o contágio não acontece via contato ou compartilhamento de talheres e copos, por exemplo.
O aviso compulsório e a investigação dos casos suspeitos é uma medida obrigatória. No entanto, muito além de lidar com as dores e os sintomas da infecção, as pessoas com hanseníase precisam vencer o preconceito. Eridania, moradora de Juazeiro do Norte, no Ceará, foi diagnosticada ainda na infância, em 1997, por volta dos oito anos de idade, e ainda carrega as marcas deixadas. “Na época, apareceram carocinhos debaixo dos meus pés. Eu sentia muita dor nas costas e no pescoço. Minha mãe me levou ao dermatologista, que primeiro achou que era uma alergia e depois pediu o exame de hanseníase. Eu sofri muito na época, com dores nos nervos e dormência, ainda mais porque era a primeira criança diagnosticada com a doença em Juazeiro”, conta a cabeleireira.
Mais de 25 anos depois de receber o diagnóstico, Eridania relembra os desafios enfrentados. “Hoje temos mais informação que antes, mas passei por várias situações, a ponto de ser humilhada pelas pessoas mal informadas. Por isso, para mim, divulgar, falar da doença e explicar o que significa a hanseníase é tão importante”, pontua.
Acolhimento é fundamental
A hanseníase é uma infecção causada pela bactéria Mycobacterium leprae, transmissível e de evolução crônica, que atinge principalmente os nervos periféricos, a pele e as mucosas. A doença pode causar lesões neurais e danos irreversíveis. É importante destacar que a transmissão ocorre apenas pelo convívio próximo e prolongado com pessoas diagnosticadas e que não realizam o tratamento.
Os sintomas mais frequentes e mais divulgados são as manchas na pele e a perda de sensibilidade térmica, dolorosa e/ou tátil. Contudo, é importante que a população se atente à lista de outros sinais da infecção. Quem sabe bem a relevância de conhecer a doença é Pollyane Medeiros, 39 anos. A auxiliar de saúde bucal suspeitou da doença graças a uma colega de profissão. “Trabalho na área da saúde e foi uma amiga que me alertou dos sintomas, porque, no meu caso, não apareceram manchas no corpo, mas eu sentia dor e falta de força no braço esquerdo, com uma sensação constante de choque e dormência nas pontas dos dedos”, relata.
Depois de buscar a rede de saúde pública e realizar diversos exames, Pollyane teve a confirmação de hanseníase neural pura (NP), caracterizada pelo comprometimento dos nervos e sem o aparecimento das lesões na pele, sintoma mais comum. “Comecei o tratamento ainda em 2009 e tive que tomar muitos medicamentos para dor. Cheguei a fazer 120 sessões de fisioterapia, 80 terapias ocupacionais e 40 sessões de acupuntura, tudo pelo SUS (Sistema Único de Saúde)”, detalha a auxiliar de saúde bucal.
Pollyane confessa que não venceria essa batalha não fosse a ajuda que encontrou pelo caminho. “É extremamente importante o acolhimento, o carinho e o apoio dos nossos familiares, amigos e colegas de trabalho durante o nosso tratamento. Eu tive esse apoio em todos os momentos, desde o diagnóstico até os momentos mais difíceis”, afirma.
Contudo, essa não é a realidade enfrentada pela maioria dos diagnosticados. Pollyane relata que é comum histórias de mulheres que foram abandonadas pelo marido, pais que ficaram sozinhos e pacientes que escondem a doença com medo da repressão familiar. Por isso, a moradora de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, atua de forma ativa na divulgação de informações da doença, em conjunto com o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), para ajudar outros pacientes.
-Foto: Pollyane Medeiros (arquivo pessoal)
Combate o ano todo
Uma das principais frentes de atuação do Morhan é a luta pela conscientização e construção de políticas públicas no país. Coordenador nacional do movimento e conselheiro nacional de direitos humanos, Artur Custódio explica que o Morhan atua em diversas frentes, desde parcerias com o governo, até de maneira independente, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas diagnosticadas. “Algumas pesquisas apontam que o indicador social é um agravante da infecção, ou seja, locais com maior incidência são os com piores indicadores sociais e distribuição de renda. Por isso, o combate à doença tem que ser feito em diversas esferas”, pondera.
Artur salienta que uma das iniciativas do movimento é estabelecer datas regionais de combate à doença. “Falar da hanseníase apenas no janeiro roxo não é eficaz. Precisamos conscientizar e alertar durante todo o ano”, defende. Atualmente, o Morhan tem 72 núcleos de serviço no país, com mais de três mil voluntários espalhados em diversas regiões do território, que realizam seminários, ações, movimentos e acolhimentos dos pacientes.
“Precisamos lutar muito pela questão dos direitos humanos, da saúde, do desenvolvimento social e igualdade social. A comunicação com a sociedade e o preparo dos profissionais é o melhor caminho para se alcançar esse objetivo. Estamos confiantes, pois acreditamos que nos próximos quatro anos teremos muitas políticas voltadas para a doença, principalmente pela importância que a ministra Nísia Trindade já deu ao tema”, observa Artur.
Sinais e sintomas
Os mais frequentes são:
- Manchas (brancas, avermelhadas, acastanhadas ou amarronzadas) e/ou áreas da pele com alteração da sensibilidade térmica (de frio e calor), dolorosa e/ou tátil;
- Comprometimento dos nervos periféricos, geralmente com engrossamento da pele, associado a alterações sensitivas, motoras e/ou autonômicas;
- Áreas com diminuição dos pelos e do suor;
- Sensação de formigamento e/ou fisgadas, principalmente em mãos e pés;
- Diminuição ou perda da sensibilidade e/ou da força muscular na face, e/ou nas mãos e/ou nos pés; e
- Caroços (nódulos) no corpo, em alguns casos avermelhados e dolorosos.
Tratamento
O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza tratamento e acompanhamento dos pacientes em unidades básicas de saúde e de referência, não sendo necessário internação. O tratamento é realizado com a associação de três antimicrobianos, chamado de Poliquimioterapia Única (PQT-U). A associação é eficaz para curar a doença e oferece menor risco de resistência medicamentosa do bacilo.
A duração do tratamento varia de acordo com a forma clínica da doença e, já na primeira dose do tratamento, a bactéria deixa de ser transmitida. O paciente é acompanhado por um profissional de saúde em consultas, geralmente, mensais, quando também recebe uma nova cartela de PQT-U.
Quando necessário, e a critério médico, o paciente pode ser encaminhado para Centros de Referência em hanseníase para avaliação clínica aprofundada, para se verificar a necessidade de prescrição de outros medicamentos de auxílio.
Fique por dentro:
- Gravidez e aleitamento materno não contraindicam o uso de PQT-U;
- Pessoas com peso inferior a 30kg devem ter doses de medicamentos ajustadas;
- O uso de anticoncepcionais orais pode ter sua ação reduzida durante o tratamento;
- Caso sejam necessários esquemas substitutivos à PQT-U, o SUS também disponibiliza os medicamentos de forma gratuita;
- É importante que as pessoas próximas de pacientes com hanseníase também sejam avaliadas por um profissional de saúde.
Edis Henrique Peres
Ministério da Saúde