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Saúde Indígena
Saúde Indígena do Alto Solimões é um exemplo em imunização para o Brasil
Quinta-feira (23), Tabatinga (AM). São sete horas da manhã e a enfermeira Bruna Araújo se prepara para mais uma jornada de trabalho. Logo mais, embarcará em uma voadeira, espécie de barco veloz, com destino a Belém do Solimões, a maior aldeia indígena do Amazonas, com mais de seis mil habitantes. Este será mais um plantão de 20 dias de trabalho ininterruptos em área. Sobre a mesa da unidade, Bruna arruma algumas caixas térmicas, termômetros e se debruça sobre uma pilha de papel. Ela confere atentamente cada detalhe, os quantitativos, a temperatura, o acondicionamento de cada vacina.
Até Belém do Solimões são mais três horas de viagem. Chegando à aldeia, a enfermeira transporta as caixas térmicas até a unidade de saúde, a 300 metros da margem do rio, onde uma sala de vacina, climatizada e equipada com geladeira, acondiciona os imunobiológicos trazidos desde Tabatinga (AM). Neste período do ano, as águas do Solimões já estão altas. E ainda podem subir mais.
“É um deslocamento muito difícil durante todo o ano, pois até quando o rio está seco as dificuldades também são grandes”, frisa Bruna. No alto Solimões, cerca de 95% das aldeias indígenas têm seu acesso unicamente por meio fluvial. “Belém do Solimões é um polo que cobre outras 28 aldeias. Em muitas delas, o acesso por riachos estreitos só acontece com pequenas canoas”, complementa a enfermeira, que há seis anos se dedica ao trabalho de imunização dos indígenas da região.
A tarefa de Bruna não difere da que é realizada pelas demais 23 Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) que existem no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Solimões. A cada entrada em área, todo o trabalho logístico para ter o acesso às aldeias e vacinar a comunidade com o esquema completo é realizado sistematicamente.
“Hoje já está muito melhor, graças à chegada da energia elétrica às aldeias. Mas até então, as vacinas eram todas acondicionadas em caixas térmicas de isopor e monitoradas por termômetros hora a hora”, destaca a enfermeira.
Referência
As grandes campanhas de vacinação em massa, somadas ao conhecimento adquirido pelo país nas estratégias de mobilização e participação social, fazem do Brasil um exemplo para mundo no trabalho de prevenção a diferentes doenças.
“Trata-se de uma grande ação de proporções continentais, que embora conte com o investimento do Estado brasileiro, destaca-se pelo trabalho abnegado de profissionais de saúde que amam e se dedicam ao que faz. Exemplo disso está no trabalho de vacinação que é realizado nas aldeias indígenas”, reconhece o Especialista em Saúde Familiar e Comunitária da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Bernadino Vitoy.
Mesmo contando com uma das maiores populações indígenas do país, com aproximadamente 55mil habitantes, dispersos em quase 200 aldeias, DSEI Alto Rio Solimões mantém hoje uma das melhores coberturas vacinais do país, com quase 95% de sua população com o esquema completo. De acordo com o coordenador do DSEI, Weydson Pereira, a explicação para um resultado tão expressivo está num conjunto de medidas, que vão desde a parceria interfederativa com os municípios de abrangência, passando pelas constantes capacitações para as equipes de saúde e finalizando com o necessário planejamento logístico.
“A consolidação de parcerias com os sete municípios onde há comunidades indígenas na região possibilitou a chegada de energia elétrica às aldeias que, somada aos investimentos logísticos para aquisição de equipamentos, como geladeiras, resultou na implantação de salas de vacina em todos os 12 Polos Base. Hoje, orgulhamo-nos de ter sido o primeiro DSEI a implantar salas de vacina em todos os Polos Base”, frisa Weydson Pereira.
As salas de vacina permitem ao DSEI manter uma rede de frio para armazenamento, conservação e aplicação de imunobiológicos. Cada Polo Base, que é responsável pela cobertura assistencial de um quantitativo de aldeias, passa a gerenciar a quantidade necessária de vacinas para aquela região.
“Antes eram necessários sacos e mais sacos de gelo, caixas térmicas de isopor, já que não havia energia elétrica nas aldeias. A todo tempo as equipes precisavam renovar seus estoques e controlar a temperatura para que não houvesse perdas de vacinas. Hoje, com as salas de vacina em cada Polo Base, este trabalho ficou mais fácil e o impacto nos números foi muito bom”, destaca o coordenador.
Além do investimento logístico para consolidação das salas de vacina, também merecem destaque as constantes capacitações para as equipes de saúde que atuam nas aldeias. “Nós realizamos três capacitações por ano e focamos, sobretudo, nos nossos técnicos de enfermagem indígenas, já que muitos ainda vivem nas aldeias e ajudam bastante no trabalho de conscientização da comunidade”, explica a responsável técnica pelo Programa de Imunização do DSEI ARSO, Verônica Vasconcelos.
De acordo com ela, o DSEI passa hoje pelo seu melhor momento no trabalho de imunização. “Não vemos mais doenças infecciosas em crianças. Isso também se deve ao trabalho de educação continuada e à dedicação de nossos profissionais, que são abnegados”, ressalta Verônica.
Para Gilberto Manoel Tikuna, que é vice-cacique da aldeia Belém do Solimões, a maior do Amazonas, com mais de seis mil indígenas, a vacinação é uma prova do cuidado e do carinho que os pais devem ter pelos seus filhos. “Todos aqui sabem da importância da vacina. O melhor de tudo é que as crianças que nascem na aldeia já são vacinadas aqui mesmo. Isso é muito bom”, destaca.
DSEI ARSO
O Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Solimões (DSEI ARSO) fica localizado no extremo oeste do estado do Amazonas, com sede no município de Tabatinga (AM). É responsável pela assistência a 192 aldeias indígenas, de sete diferentes etnias, que totalizam quase 55 mil habitantes. Cerca de 95% dessas aldeias têm acesso unicamente por meio fluvial durante todo ano, constituindo essa uma das maiores dificuldades logísticas enfrentadas, seja em períodos de cheias ou de secas.
“Isso nos obriga a fazer um planejamento logístico que demande embarcações rápidas para o deslocamento das equipes de saúde; qualificação no gasto com o combustível, procurando otimizar ao máximo estes deslocamentos; bem como a organização da entrada e saída das equipes de área, estruturando jornadas de 20 dias de trabalho, por 10 de descanso”, complementa Weydson.
Por Felipe Nabuco
Foto: Alejandro Zambrana/SESAI/MS