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Pesquisa da Fiocruz com EUA consegue bloquear replicação do vírus Zika em macacos
Pesquisadores identificaram anticorpos que impediram a replicação do vírus, garantindo 100 de proteção. Técnica tem sido adotada para tratamento de câncer e doenças autoimunes
As moléculas de defesa liberadas pelas células de um paciente humano, infectado pelo vírus zika, foram capazes de combater a doença no organismo de macacos. Os testes foram baseados no uso de anticorpos monoclonais (clonados em laboratório), extraídos do sangue humano a partir de uma paciente em fase aguda da infecção pelo vírus zika. Nesta fase, a pessoa estava produzindo anticorpos para combater o vírus. A evidência foi demonstrada em uma pesquisa liderada por cientistas da Universidade de Miami, em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e com a Universidade de São Paulo (USP).
A técnica é amplamente utilizada no tratamento de doenças como alguns tipos de câncer (mama, gástrico e ósseo). Nesses casos, os anticorpos monoclonais são produzidos em laboratório mediante técnicas de biotecnologia, já que os cientistas precisam identificar, em meio ao vasto arsenal de imunidade produzido pelo organismo do paciente, quais seriam eficazes contra determinada doença. No caso da pesquisa com o vírus Zika, chegou-se a um coquetel com três anticorpos monoclonais. Os testes em macacos mostraram que o coquetel foi capaz de bloquear com êxito a replicação do vírus zika – as taxas chegaram a 100%.
O achado foi publicado nesta quarta-feira (4), na revista internacional Science Translational Medicine. O líder do estudo, o imunologista David Watkins, da Universidade de Miami, destaca a importância desta evidência científica. “O método é altamente promissor para a prevenção de malformações congênitas e efeitos adversos em olhos e membros, uma vez que o coquetel de anticorpos monoclonais poderia ser administrado em gestantes e prevenir a infecção do feto. A literatura científica tem apontado que estas proteínas são extremamente seguras”, informou David Watkins.
A chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz, também autora do estudo, Myrna Bonaldo ressalta o importante passo para a prevenção da doença. “O trabalho apresenta um importante passo para o desenvolvimento de uma terapia de ação preventiva contra o zika”, destacou Myrna Bonaldo.
A engenharia genética como aliada
Um longo caminho foi percorrido para identificar os anticorpos com maior potencial contra o vírus zika. O primeiro passo foi realizar a coleta de sangue de um indivíduo na fase aguda da doença. Com ajuda da engenharia genética, células produtoras de anticorpos foram identificadas e delas foram extraídos, isolados e purificados 91 anticorpos. Após testes in vitro, em que os anticorpos monoclonais eram desafiados a neutralizar o vírus Zika, foram selecionados os três que apresentaram as mais altas taxas de neutralização do vírus: os anticorpos monoclonais chamados SMZAb1, SMZAb2 e SMZAb5.
Esses três anticorpos monoclonais foram administrados em um grupo de quatro macacos Rhesus. No dia seguinte, os quatro primatas foram inoculados com o vírus Zika isolado em 2016, pela pesquisadora Myrna Bolnaldo e sua equipe, de uma paciente do Rio de Janeiro. “Para este estudo, utilizamos o vírus que estava circulando no continente e causando uma emergência sanitária internacional. Este fato dá mais precisão aos resultados”, explicou o imunologista David Watkins. Para efeitos de comparação, outros quatro animais, em grupo controle, receberam a inoculação do vírus após a administração de um placebo, com outros anticorpos que não têm ação contra o Zika.
Resultados animadores
Para acompanhar o impacto do uso dos anticorpos durante os testes, foi necessário determinar os níveis de carga viral no organismo dos animais. Para isso, amostras de sangue dos primatas foram coletadas aos 2, 3, e, 7, 14 e 21 dias após a infecção e submetidas a testes de biologia molecular (RT-PCR) em tempo real, capaz de detectar e quantificar o material genético do vírus presente nas amostras. Os resultados evidenciaram que os anticorpos monoclonais específicos para Zika foram capazes de evitar em, até 100%, a replicação do vírus nos quatro macacos que receberam o coquetel. Enquanto isso, no grupo que recebeu o coquetel placebo, observou-se que todos os animais apresentaram alta taxa de infecção por Zika. Ou seja: a infecção seguiu o curso que era esperado.
Os especialistas deram um passo além. Em vez de avaliar o êxito da terapia experimental procurando apenas pela presença do vírus, os cientistas também aplicaram testes para detectar a ocorrência de moléculas específicas de defesa do corpo, que são produzidas em contato com algum tipo de microrganismo invasor. Testes sorológicos aplicados 14 e 21 dias após a infecção, não evidenciaram no grupo que recebeu os anticorpos contra o Zika nenhuma resposta específica contra a proteína NS1, produzida em casos de infecção pelo vírus Zika. “Se a taxa de produção do antígeno o NS1 foi nula, é sinal de que o Zika não conseguiu se replicar no organismo e invadir as
celular dos animais”, explicou a pesquisadora Myrna Bonaldo.
Do mesmo modo, os índices de produção das moléculas IgM e IgG, que indicam se a pessoa já teve contato com a doença em algum momento da vida, beiravam a nulidade. “Este outro resultado evidencia que o Zika foi completamente neutralizado pelo coquetel de anticorpos monoclonais. No campo científico, denominamos isso de proteção esterilizante, isto é, quando a resposta imune bloqueia totalmente a infecção pelo patógeno”, completou o imunologista David Watkins.
Testes adicionais demonstraram ainda que os anticorpos monoclonais permaneceram ativos e em altas concentrações por quase seis meses no organismo dos primatas. “Se levarmos para a realidade humana, este dado mostra que o coquetel poderia ser recomendado em casos de surtos da doença a gestantes, profissionais de saúde e demais indivíduos que precisem estar ou ir até as
áreas endêmicas. Com uma dose única, esses grupos estariam protegidos contra o zika. Para as mulheres grávidas, a administração do coquetel teria um ganho extra, uma vez que poderiam seguir a gestação de modo tranquilo, sem a preocupação diária de que a criança pudesse ser infectada pelo zika e ser acometida de disfunções neurológicas”, disse David Watkins, alertando que estudos já descreveram que o vírus afeta negativamente 40% das gestantes.
Já prevendo uma possível ocorrência de reação adversa do sistema imunológico em caso de infecção por dengue, que é da família dos Flavivírus, assim como o Zika, os especialistas realizaram pequenas modificações na estrutura genética dos anticorpos monoclonais para tornar sua administração ainda mais segura. Desta forma, o coquetel também poderia ser utilizado por pessoas com histórico de infecção por dengue, incluindo gestantes.
A descoberta, que está com pedido de patente depositado nos Estados Unidos, também contou com a colaboração de especialistas do Instituto de Pesquisa Scripps, da Universidade de Emory, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e do Instituto Ragon.
Do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)
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