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Saúde Indígena
Dia da Mulher: O protagonismo da mulher indígena
Na Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI/MS) trabalham mais de 22 mil pessoas em prol da saúde dos povos indígenas brasileiros. Nesse universo, as mulheres são protagonistas, pois são mais da metade da força de trabalho. Aproveitamos o dia 8 de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, e escolhemos uma mulher atuante na SESAI, profissional e indígena, que demonstra a força feminina, que é fundamental na humanização e qualificação do atendimento de saúde aos povos indígenas do nosso país. Maial Paiakan é advogada, tem 29 anos, e trabalha como assessora jurídica na SESAI. A primeira mulher da etnia Kaiapó a sair da aldeia e obter uma graduação é filha de uma importante liderança indígena, conhecida nacional e internacionalmente, Paulinho Paiakan. Herdou da família a luta pelos direitos do seu povo e a busca por maior equidade de direitos junto às mulheres indígenas.
Quanto tempo você trabalha nas entidades de defesa dos direitos indígenas?
Acompanho as ações e movimentos dos povos indígenas desde criança, seguindo a luta do meu povo kaiapó, junto a meu pai, principalmente, que é incansável aos direitos das causas indígenas. Só comecei a trabalhar mesmo dentro das instituições em 2016, na FUNAI (Fundação Nacional do Índio) no início deste ano e vim para SESAI em seguida, onde trabalho atualmente.
Você acha que o empoderamento indígena nessas instituições e demais da sociedade civil é que ampliará a defesa aos direitos dos povos indígenas?
Sim, porque realmente dentro das organizações, tanto como a SESAI, FUNAI ou Universidades onde têm mulheres indígenas trabalhando, é que se amplia a participação e discussão do tema. É a participação em reuniões e demais atividades, que se dá autonomia às mulheres que trabalham nestes locais. Nós mulheres devemos ocupar esse espaço. Pois, é aí que estaremos trabalhando efetivamente para o nosso povo, sem intermediários, fazendo o entendimento necessário junto ao “mundo indígena”, facilitando a compreensão de todos ao respeito dos nossos povos.
Como você vê a inserção da mulher indígena no contexto de participação ativa nos movimentos?
Acho que ultimamente a mulher indígena tem ocupado bastante a frente das principais mobilizações. Vou falar mais em relação ao meu povo kaiapó, que tem um grande exemplo que é minha tia – Tuire Kaiapó. Ela levantou essa voz junto às mulheres do meu povo, quebrou um paradigma das mulheres “mebengokre”(kaiapós), levantando a voz e participando ativamente nas reuniões. Verbalizando em inúmeras vezes que as mulheres estão ali pra reivindicar, para lutar e que precisam ser ouvidas. A mulher indígena tem um papel fundamental na luta, porque é ela quem cuida da natureza, da cultura, dos artesanatos, dos filhos, da saúde... daí sua importância.
O que falta para melhorar e ampliar a participação feminina?
Essa pergunta é um pouco complicada. Porque não sei se é a falta de oportunidade, pois existem várias mulheres indígenas formadas, capacitadas em diversas áreas como médicas e professoras, mas enxergo um certo preconceito, pois vejo ainda mais homens nestes espaços. Não acho as mulheres indígenas submissas, mas há diferenças da atuação delas para cada cultura. Entre as mulheres kaiapós, eu sou a primeira a sair da aldeia para estudar, e a primeira a se formar. E nisso a mulher ganha respeito, por ter estudado, ter se graduado, e se ganha uma posição “superior”, no sentido de que você fez e conquistou algo importante.
Hoje você trabalha na SESAI, mas já trabalhou na FUNAI. Você enxerga nessas duas instituições uma razoável participação da mulher (seja indígena ou trabalhadora não índia)?
Acho que tem bastante participação feminina, principalmente na SESAI, até porque um dos principais temas que se trabalha na Secretaria é a saúde da mulher. Elas estão cada vez mais interessadas na busca de mais conhecimento, principalmente as mulheres indígenas, que vêm participando ativamente de várias reuniões junto às bases nas discussões de temas da saúde. Vejo muito interesse, pois elas buscam esclarecimento junto às equipes nos DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas) e em intercâmbios entre um povo e outro.
O que você e os movimentos em favor das mulheres podem fazer para que sejam mais protagonistas nas entidades e nas ações pró-mulher indígena?
Aí é que está. As mulheres dentro das ações e movimentos indígenas ela já é protagonista, tem uma participação grande. Agora entre os outros movimentos, que integram outras raças como negros, e comunidades quilombolas, a participação cai muito. Porque acho que não há uma mobilização e acompanhamento real das ações, por parte das mulheres indígenas, como há com as que militam no movimento negro, por exemplo. E se complica ainda mais, pois há 307 povos indígenas com 280 línguas diferentes, e juntar cada representação de cada cultura dificulta. Há uma complexidade nisso. Mas acredito que em breve, ainda possamos fazer uma grande movimentação de mulheres indígenas para falar sobre a luta, direitos e violência, por exemplo.
Quais as dificuldades que você vê para que a mulher indígena tenha mais participação na luta por seus direitos? O fator étnico dificulta?
Eu acredito que a forma como a mulher é tratada em cada povo dificulta sim, mas eu acho que uma ação faz acontecer outra. Cito de novo o papel desempenhado pela Tuire, pois a atitude dela encorajou demais mulheres do meu povo a desempenhar outros papéis. Eu me espelhei nela. Ser diferente das outras, pois numa reunião, por exemplo, ela levanta cumprimenta os demais homens e tem mulher que fica quietinha – a timidez é uma característica das mulheres kaiapó. Ela mostra a todos que está ali e porque está ali. Ela quebra um paradigma, ou até mesmo um protocolo, dependendo da ocasião. E isso já vem transparecendo dentro das nossas aldeias, onde já se vê mulheres caciques e demais lideranças junto aos homens, e isso é uma forma de empoderar as mulheres indígenas.
E o que pode falar sobre o preconceito com a mulher indígena nas frentes de movimentos em prol da temática indigenista?
Não é fácil você ser mulher e indígena. Isso é a primeira coisa, pois pra você entrar nesses movimentos e ter voz ativa é muito difícil. Eu penso que conseguir chegar, atuar e conquistar o respeito é uma questão de força e muita vontade. Pois o espaço é pequeno e o preconceito é muito grande. Desde os anos de 1500 as mulheres indígenas são muito exploradas, principalmente em relação aos europeus que chegaram, e ainda impera na sociedade uma visão de que elas são vistas apenas como um símbolo sexual. Os brasileiros têm dificuldade de enxergar uma mulher indígena forte, trabalhadora, que luta pela cultura, pela língua e por inúmeras outras coisas, entre elas a natureza. É ela que zela pela natureza, luta pela sua casa, pela sua roça, pelas suas plantas, defende o rio, é ela que leva o filho para tomar banho, é sempre a mulher que luta por essas coisas.
Você diz que a mulher é a grande defensora da natureza, e entende que ela também defende a saúde. Como você vê a participação da SESAI nesse contexto e a participação feminina?
É a primeira vez que trabalho em prol da saúde indígena. Antes militava em prol da defesa da terra, dos territórios. Quando entrei para a saúde vi o tamanho e a importância que as ações da SESAI desempenham dentro das regiões indígenas. A complexidade étnica-cultural dificulta, mas ao mesmo tempo fortalece a atuação das equipes de saúde da Secretaria. E daí vemos a participação total das mulheres nesse contexto. É a mulher indígena que está sempre acompanhando as ações que envolvem a saúde indígena, desde ir a consultas médicas e levar seus filhos, até acompanhar as reuniões dos conselhos e de movimentos em prol da saúde. São elas as principais peças que atuam no levantamento de problemas e soluções junto ao tema. E também é grande a participação delas nos cargos das equipes, como enfermeiras, dentistas, médicas, nutricionistas, psicólogas, coordenadoras distritais, etc.
Qual a mensagem que você gostaria de deixar para as mulheres indígenas e trabalhadoras da SESAI?
Eu acredito muito na mulher indígena. Pois ela carrega o povo, a natureza, a geração de cultura, e é responsável por tudo isso. Ela mantém o povo e a natureza em harmonia. O que tenho a dizer é que as mulheres continuem na luta, que pensem adiante e tenham força. Porque a luta junto à causa indígena é árdua e não podemos desistir, buscando melhorar, conhecer e seguir adiante sempre.
Por Tiago Pegon