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Saúde Indígena
Ministério da Saúde promove estudo pioneiro na Saúde Bucal Indígena
No momento em que realizava o primeiro contato com um grupo de índios Korubos isolados, em 2014, na aldeia Massapê, no Vale do Javari (AM), a Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI) liderada pelo médico Luis Henrique Gonzales, ainda envolvida por aquele momento de euforia, marcado por curiosidades e impressões, ficou espantada com uma rápida constatação: aqueles indivíduos que viviam isolados na floresta, muitos com idade acima dos 60 anos, não apresentavam uma única cárie nos dentes.
“Foi algo que deixou todos nós impressionados”, relata o médico cubano que há quatro anos atua na assistência de comunidades indígenas da região considerada a mais inóspita da Amazônia brasileira. No Vale do Javari, existem aproximadamente 12 referências de povos ou grupos indígenas que vivem em isolamento.
A surpresa estampada no rosto de cada integrante da equipe de saúde, naquele momento em que faziam os primeiros atendimentos, ajuda a dimensionar o quanto é desconhecida a realidade das 305 etnias indígenas do Brasil quando o assunto é saúde bucal.
“Os estudos hoje disponíveis com população indígena são, em grande parte, inquéritos epidemiológicos transversais de cárie dentária conduzidos com grupos indígenas específicos. Sendo assim, por meio deles não é possível conhecer as condições de saúde bucal indígena no Brasil, uma vez que cada grupo étnico apresenta peculiaridades que influenciam para que haja diferentes condições de saúde bucal”, explica o odontólogo Gabriel Côrtes, responsável Técnico do Programa de Saúde Bucal da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai/MS).
De acordo com ele, a proposta de elaborar um inquérito nacional da saúde bucal indígena, que permita conhecer as condições de saúde bucal em todas as regiões indígenas do país, representadas pelos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), “coloca o Ministério da Saúde/Sesai em destaque, uma vez que se trata de uma iniciativa pioneira no mundo, dada a complexidade em realizar um estudo de base populacional num pais de extensão continental e com tamanha diversidade sociocultural dos povos indígenas brasileiros”.
Mediante o inquérito, serão estudados os principais problemas, bem como, os fatores que influenciam as condições de saúde bucal das diferentes comunidades, entre os quais, o acesso aos serviços de saúde, as práticas alimentares e de autocuidado, as condições socioeconômicas, os aspectos culturais e o acesso ao saneamento básico, entre outros.
“Com essas informações é possível avaliar o impacto das ações de saúde bucal desenvolvidas ao longo dos 17 anos de SasiSUS [Subsistema de Atenção à Saúde Indígena] e, desta forma, produzir informações necessárias para o aprimoramento das políticas de saúde bucal atuais. Além disso, poderemos qualificar as estratégias e ações de saúde bucal realizadas por nossas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena”, reforça o secretário Especial de Saúde Indígena, Marco Antônio Toccolini.
Inquérito
O estudo está sendo conduzido com a imprescindível participação de pesquisadores de diferentes universidades, instituições de pesquisa, profissionais que atuam nos DSEIs, na equipe técnica da SESAI, na Secretaria de Atenção à Saúde (CGSB/DAB/SAS) e na equipe da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde/DECIT (SCTIE/MS). No atual estágio, todos trabalham coletivamente no desenvolvimento do projeto técnico da pesquisa.
“Eu diria que é um desafio imenso. Não apenas por envolver povos indígenas, mas pelo porte da pesquisa, pois serão realizados exames e coletados dados de algo em torno de 20 mil pessoas, em todos os distritos, de forma padronizada, com treinamento das equipes que irão a campo, as quais serão compostas por diferentes especialistas. Isto envolverá também muitas centenas de profissionais”, avalia o professor Titular da Faculdade de Saúde Pública/USP, Paulo Capel Narvai, que integra a equipe de assessoria técnica do estudo.
Segundo ele, essa característica multicêntrica da investigação, com participação de milhares de pessoas, em diferentes pontos do amplo território brasileiro, torna muito complexa as operações necessárias para viabilizar a pesquisa. Mas, para ele, reside justamente nessa complexidade, nas dificuldades operacionais, o maior mérito dessa iniciativa.
“Espera-se que a pesquisa possa gerar conhecimentos que possibilitem qualificar as ações desenvolvidas no presente, mas o horizonte do estudo é projetado para um período de tempo bem maior. Nesse sentido trata-se, sem dúvida, de uma iniciativa de enorme valor estratégico”, frisa o pesquisador.
Oficina
O primeiro passo para realização deste grande estudo foi dado com a realização, nos dias 5 e 6 de abril, da I Oficina de Trabalho para a Elaboração do Projeto Técnico do Primeiro Inquérito Epidemiológico Nacional da Saúde Bucal Indígena. O encontro, que aconteceu em Brasília/DF, foi promovido pelo Ministério da Saúde, por meio da Sesai em parceria com a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS).
“Esta Primeira Oficina foi muito importante para o processo da pesquisa científica, uma vez que, com base na experiência e nas vivências dos participantes, foi possível delinear o estudo e definir sua finalidade”, explica o professor Paulo Narvai. “Nesse sentido, não é exagero afirmar que este primeiro encontro dos especialistas que vêm colaborando com a Sesai teve caráter decisivo, pois os assuntos tratados e as principais decisões refletirão em todas as demais etapas da pesquisa, pode-se dizer do primeiro ao último dia do inquérito populacional epidemiológico”, complementa.
A importante participação de profissionais de saúde que atuam, ou já atuaram, em área indígena, bem como na gestão dos DSEI, na realização do inquérito também foi destacada por técnicos da Sesai. “É extremamente relevante a participação desses profissionais na elaboração do projeto, pois são eles que conhecem, de fato, a dinâmica de organização dos serviços de atenção à saúde nos distritos sanitários, os territórios indígenas, a logística envolvida, bem como dos aspectos etnoculturais”, salienta o odontólogo André Martins, que ao longo dos últimos 12 anos atuou na Saúde Indígena como dentista de área, coordenador de DSEI, Responsável Técnico Nacional pelo Programa de Saúde Bucal Indígena, e hoje trabalha como Chefe da Divisão de Atenção à Saúde Indígena (DIASI) do DSEI Litoral Sul.
A segunda etapa da Oficina já tem data marcada para os dias 29 e 30 de maio, em Brasília. Até lá, os participantes do estudo seguem mantendo reuniões constantes à distância, via Skipe.
Por Felipe Nabuco/ SESAI/MS