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Saúde Indígena
Dr. Mauro de Castro destaca a assistência farmacêutica de excelência
Farmacêuticos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) concluíram na última semana, em Porto Alegre (RS), o ‘Curso de Aperfeiçoamento: Farmacêuticos na atenção básica/primária na saúde indígena’. A oficina, com mais de 100 profissionais que atuam nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) do país, ministrada por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), teve como foco ampliar e qualificar o acesso a medicamentos e esclarecer a população indígena sobre a manipulação correta de dosagens dos respectivos tratamentos médicos. Um dos coordenadores do curso, o professor Dr. Mauro Silveira de Castro tem como especialidade o estudo de modelos e métodos de atenção farmacêutica e educação permanente. Ele fala sobre a qualificação diferenciada e humanização no atendimento junto aos povos indígenas para excelência nas ações de atenção primária.
SESAI – Como surgiu a ideia de se formatar esse curso para a saúde indígena?
Prof. Mauro – Nós já temos um curso regular destinado a atenção básica para os farmacêuticos que atuam no SUS. Alguns colaboradores da SESAI que fizeram esse curso, sentiram a necessidade de dialogar junto ao Departamento de Atenção Farmacêutica (DAF) do Ministério da Saúde, e se criar uma capacitação específica para a saúde indígena. Discutimos como formatar essa ‘edição especial’ para a saúde indígena. Como já tinha tido experiência de trabalhar com os índios Guaranis e Kaigang durante 7 anos, quis retomar esse trabalho junto a esses povos, pois sabia da necessidade e importância que uma atenção especial diferenciada à comunidade indígena teria para sua sobrevivência.
SESAI – O curso foca, principalmente, na dispensação de medicamentos e a melhor forma de orientar o paciente indígena no seu uso. Além disso, a formulação de novas formas de abordagem. E o que mais tivemos no curso?
Prof. Mauro – A gente notou que a formação do farmacêutico é muito tecnicista. E ele tem que conhecer o Subsistema de Saúde Indígena (SasiSUS), para conseguir se relacionar e trabalhar com os demais profissionais. Depois disso, temos que aprender a melhorar a abordagem junto a esses povos, conhecer a comunidade, sua cultura, como eles pensam saúde e que em algumas circunstâncias nem entendem bem a língua portuguesa, isso é um ponto. E a partir dessas necessidades a comunidade verifica se tem como ser atendida. Uma coisa é saúde coletiva orientada à comunidade, por exemplo, vacinação. Vem de cima pra baixo. Para o atendimento farmacêutico não é assim, a demanda vem da comunidade e nós temos que nos estruturar para fazer como sugerem.
SESAI – Você queria falar mais sobre como melhorar o atendimento no caso dos pacientes que não falam ou entendem corretamente o português...
Prof. Mauro – Nós fizemos algumas simulações com indígenas e nossos alunos (farmacêuticos dos DSEIs) para ver como seria um atendimento clínico quando existisse um indígena que não fala português junto ao AIS (Agente Indígena de Saúde) que traduz e auxilia. Mas para aprimorar ainda mais o ensino, para que os alunos sentissem na pele como é ser mal compreendido, fizemos também o inverso. Simulamos com indígenas que só falam o tupi-guarani como profissionais de saúde e que só utilizam a medicina tradicional e o aluno é quem buscava auxílio como paciente. Isso demonstrou para eles como é ter algo mal compreendido, se desnortearam, porque não entendia o que o indígena falava ou gesticulava. Dessa forma o aluno percebeu a importância da abordagem diferenciada e explicação nítida de como utilizar o medicamento, e isso pode salvar inúmeras vidas.
SESAI – Como você disse, a participação da comunidade indígena é integral dentro do curso, inclusive indígenas fazem parte da banca de examinadores, composta por integrantes da UFGRS, SESAI e comunidade. Por que?
Prof. Mauro – Nós não índios nos deparamos, geralmente, em uma única forma de fazer um projeto. Pois, ele tem aspectos acadêmicos, e eu professor, tenho que corrigir os alunos nessa situação. Só que quando fazemos um projeto ele tem que ser aplicado, principalmente na saúde indígena. Mas eu não convivo e nem sou quem recebe o serviço de saúde. Quando eu coloco o indígena, assim como coloco um conselheiro municipal de saúde na avaliação de outros cursos, nós queremos que esse cidadão não acadêmico aprove ou reprove nosso projeto. Aí sim, saberemos se estamos com um produto que vai dar certo, que realmente a proposta e sua aplicação vão servir para a comunidade.
SESAI – Se tratando que o curso está formando os melhores farmacêuticos do país, como você observa o trabalho destes que já atuam junto a comunidade indígena. O que esperar desses profissionais?
Prof. Mauro – Pra começar, se o aluno me diz que tem um bom diálogo com o AIS, já vejo como um bom profissional. Já demonstra o interesse em entender a comunidade e sua cultura. Vejo que no início do curso, que durou nove meses, foi um pouco difícil. Pois é intenso, nós ‘pegamos no pé’. Eles sempre têm que apresentar alguma tarefa ou trabalho. Tem que ter muito empenho e estudo, não havia semana livre. Inclusive, pela dificuldade de acesso a internet em algumas localidades, tivemos que mudar as tarefas. Não eram trabalhos fáceis, exigiam reflexão profissional. O nosso pacto junto a SESAI/MS é que dentro do possível , formaríamos bons profissionais. Se algum destes alunos não passou em algum módulo ou desistiu, quer dizer que o curso só habilita aqueles comprometidos e que querem excelência na sua formação.
SESAI – Podemos dizer então que os farmacêuticos participantes do curso são os mais preparados da área?
Prof. Mauro – Espero que eles mesmo respondam.
O que os alunos disseram sobre a capacitação:
Fabrícia Carvalho – DSEI Interior Sul (SP/PR/SC/RS)
“O curso nos proporcionou várias ferramentas que devemos colocar em prática nos nossos Distritos. Seremos responsáveis por levar esse aprendizado também para a equipe que atua conosco e replicar na comunidade. Após essa capacitação, retomaremos temas como, por exemplo, o uso racional de antibióticos e ampliação do controle na distribuição de medicamentos e sua devida orientação.”
Fábio Rodrigues – DSEI Alto Rio Solimões (AM)
“Toda capacitação oferecida pra gente tem uma importância muito grande. E o que aprendemos neste curso só vem a somar para que possamos melhorar nosso atendimento, principalmente nos polos-base, que é onde temos o diálogo direto com a comunidade. A maior dificuldade do profissional em área é a língua, como orientar corretamente, e no curso aprendemos novas formas de abordagem e melhoria do diálogo com o paciente e AIS para diminuir erros e trabalhar assertivamente”.
Ana Paula Ramos – DSEI Bahia
“O curso traz benefícios, ampliando o conceito de assistência farmacêutica. Traz melhoria, primeiramente, para os usuários, oferecendo um melhor serviço, melhorando o atendimento e a orientação para o uso racional de medicamentos. A medicação trata e cura, mas ela também pode ser prejudicial. Portanto, o entendimento e orientação correta no manejo de medicamentos e unir o conhecimento da medicina tradicional vai trazer qualidade no trabalho. O respeito entre o conhecimento tradicional e uso qualificado de medicamentos vai trazer saúde plena para nossa comunidade indígena”.
Rafaela Maldaner – DSEI Xavante (MT)
“Eu acredito que essa capacitação vai fortalecer as ações da assistência farmacêutica e na atuação direta do profissional em área indígena. Acho que quem se habilita para esse curso tem mais subsídio para replicar o conhecimento para demais profissionais das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), melhorando a dispensação e uso dos medicamentos nas comunidades. Como consequência a gente consegue combater o uso irracional, qualificando a aquisição de novos fármacos e redução de gastos”.
Reile Amorim – DSEI Minas Gerais/Espírito Santo
“A assistência farmacêutica na saúde indígena ainda está focada na gestão do medicamento, e o curso é voltado justamente para outro ponto, a atenção primária, nas ações dentro das aldeias. Isso direciona mais nosso atendimento, nos coloca mais próximos da comunidade, verificando como realmente são utilizados os medicamentos, supervisionando a adesão ao tratamento”.
Por Tiago Pegon
Fotos: Alejandro Zambrana