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Saúde Indígena
Indígenas da Bahia são beneficiados com mutirão de ações solidárias
Na mesma semana em que são historicamente comemorados o Dia do índio (19) e a data em que as primeiras caravelas portuguesas atracaram no Brasil, em 1500, a 16ª edição dos ‘Voluntários do Sertão’ não poderia acontecer num local mais emblemático. Entre os dias 18 e 23, Santa Cruz de Cabrália (BA) foi palco da maior ação solidária do país. Um grande mutirão de cirurgias e atendimentos especializados em diversas áreas da medicina e da odontologia contemplou uma população de cerca de 10 mil indígenas da Bahia, deixando um legado de benefícios jamais testemunhado em toda região. “A ação superou as nossas expectativas. A maior contribuição de um mutirão como este está justamente na oferta de serviços que são imprescindíveis à população, como os atendimentos de média e alta complexidades, e que não são ofertados pelo DSEI [Distrito Sanitário Especial Indígena]. Além disso, esta é uma região muito carente na oferta de serviços de saúde, seja qual for a área”, destacou o coordenador do DSEI Bahia, Jerry Matalauê, ao destacar a grande procura por procedimentos de odontologia, cardiologia, cirurgias de cataratas e ginecologia. Ao todo, cerca de 600 profissionais, entre voluntários, trabalhadores da Prefeitura de Santa Cruz de Cabrália e do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Bahia foram envolvidos nesta grande ação, que teve início em dezembro do ano passado, quando foram articuladas as primeiras conversas entre a SESAI e os Voluntários do Sertão. “Quando fomos consultados pelo Gabinete da SESAI em Brasília sobre o nosso interesse em realizar a ação, propusemos que fosse realizado aqui, por ser esta a região que concentra a maior população indígena do estado”, relembra Matalauê. De acordo com ele, os trabalhos em área tiveram início a partir do mês de janeiro, quando as equipes de saúde do DSEI Bahia passaram a realizar uma pré-triagem em todas as comunidades indígenas do estado para levantar as necessidades e conhecer as demandas reprimidas. “Foram visitadas todas as aldeias da Bahia. Identificamos que existia cerca de três mil indígenas, de todo estado, com alguma necessidade que poderia ser resolvida no mutirão”, complementa.
Odontologia
Avaliado como um dos serviços de maior procura de toda população atendida no mutirão, a assistência odontológica ofertou, além de atendimentos clínicos, a realização de procedimentos especializados como cirurgias, endodontia e aplicação de próteses dentárias. Em média, 100 indígenas foram atendidos por dia, gerando um total de 500 atendimentos na semana. “A equipe está produzindo 100 próteses dentárias por dia. Acredito que esta reabilitação protética está sendo o maior benefício na área de odontologia, já que se trata de um serviço que não é ofertado cotidianamente pelo DSEI, mas que apresenta uma demanda muito reprimida”, explica o odontólogo do DSEI Bahia, Tiago Morais. A indígena Zeilda Xavier Pankararé (33) é um exemplo claro de como a demanda pelos procedimentos de reabilitação protética extrapolou as expectativas. Natural do município de Glória, do norte baiano, Zeilda saiu de casa na manhã da quarta-feira (20), às 9h, num ônibus fretado pelo DSEI Bahia, e chegou a Santa Cruz de Cabrália às 4h do dia seguinte, para recuperar toda dentição superior, perdida ainda na adolescência. Ela explica que as dificuldades para se alimentar e se comunicar eram os principais obstáculos enfrentados no seu cotidiano.
Cataratas
As cirurgias de cataratas também promoveram uma procura gigantesca da população indígena. Durante a semana foram realizadas cerca de 1.500 cirurgias, das quais cerca de 1000 beneficiaram indígenas de todas as idades. Oito oftalmologistas participaram da ação, sendo três deles cirurgiões.
Cacique há mais de 15 anos da aldeia Pé do Monte, em Porto Seguro, Guaru Pataxó (56) foi um dos indígenas contemplados no mutirão de cirurgias de cataratas. “Já faz um tempo que venho enxergando com dificuldades. Já não consigo mais ler, nem trabalhar como antes”, disse o cacique minutos antes da cirurgia. “O que mais quero é voltar a levar uma vida comum”, complementou, ao elogiar o trabalho dos voluntários. ESPECIALIDADES De todos os benefícios proporcionados pelo mutirão dos Voluntários do Sertão, os atendimentos realizados no centro de especialidades médicas, montado no colégio Municipal Nair Sambrano Bezerra, certamente deixaram o maior legado para população da região. Isso porque, considerada um dos maiores gargalos do Sistema Único de Saúde, a demanda reprimida por consultas especializadas em diversas áreas da medicina se reflete em longas filas de espera. “A oferta de um mutirão de atendimentos como este acredito que pode possibilitar o adiantamento de algo em torno de cinco anos de fila no sistema público”, avaliou o chefe do centro, o ortopedista Leandro Guimarães. Para o indígena Antônio Ulicio Pereira Pataxó (43), da aldeia Coroa Vermelha, a ação ficará marcada para sempre na memória de toda população da região. “Essa é uma região muito carente de serviços de saúde. Eu mesmo nunca havia procurado um cardiologista no SUS, porque não tinha coragem de entrar na fila de espera. Aqui, além do cardiologista, serei consultado também por um urologista, e tudo num único dia”, disse.
Por Felipe Nabuco
Fotos: Alejandro Zambrana/ SESAI/MS