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Saúde Indígena
Logística e investimentos em transporte são destaque no DSEI Kayapó do Pará
“Redenção, sudeste do Pará. 8h da manhã de uma segunda-feira e os profissionais já se reúnem, a postos. Seguindo pela rodovia BR-155, 270 quilômetros, em Tucumã, as equipes se dividem: uma sai da estrada asfaltada e segue por mais 100 quilômetros até a margem do rio Fresco; a outra segue viagem na BR-155 até o município São Félix do Xingu, quando depois também sai da estrada e segue mais 300 quilômetros até a margem do rio Iriri. A primeira equipe tem, ainda, dois dias de viagem pelo rio, nas chamadas ‘voadeiras’. A segunda, só oito horas de navegação. Três dias depois, as aldeias Kubenkrãkrenh e Kendjan, respectivamente, recebem as equipes multidisciplinares de saúde”.
Este não é um relato fictício. O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Kayapó do Pará atende cerca de cinco mil indígenas aldeados, vivendo em 57 comunidades. Destas, 15 não possuem qualquer tipo de estrada de acesso – seja asfaltada ou de terra. Apenas via barco ou avião é possível encontrar-se com esses povos. Todavia, as dificuldades não param por aí: durante seis meses do ano – ou seja, metade –, o acesso fluvial é impossibilitado devido à seca dos rios. E, dos 10 rios que cortam as terras indígenas do DSEI Kayapó do Pará, apenas seis são navegáveis.
Para as outras 42 com acesso por terra, 450 quilômetros são de estradas vicinais – que ligam aldeias e localidades próximas –, de terra e em condições precárias. “[as estradas] São inviáveis para o transporte, com pontes impróprias e inseguras e muitos pontos de alagamentos”, explica Diógenes Marques, chefe do Serviço de Edificações e Saneamento Ambiental Indígena (Sesani), do Distrito.
INVESTIMENTOS
Em 2010, o DSEI diagnosticou que a dificuldade de acesso e a insuficiência de veículos para transporte e atendimento aos indígenas kayapó era um grande obstáculo ao avanço da saúde indígena na região. Desde então, o Distrito vem investindo substancialmente para resolver as deficiências da gestão e superar algumas dificuldades – até o momento, mais de R$ 615 mil já foram investidos no setor.
Para o trabalho de assistência à saúde nos quatro Polos Base localizados nos municípios de Redenção – sede do DSEI –, Ourilândia, São Félix do Xingu e Tucumã, o Distrito Kayapó do Pará conta com seis equipes multidisciplinares completas, com médico, enfermeiro, técnicos de enfermagem, agentes indígenas de saúde (AIS) e odontólogo. Outras três, apenas com enfermeiro, técnicos de enfermagem e AIS, também se revezam no trabalho de levar saúde às aldeias.
João Paulo Ferreira, coordenador distrital, fala um pouco sobre como é trabalhar pela saúde dos povos kayapó do Pará. “A aldeia mais próxima da sede do DSEI é Kaprankrere, que fica a 32 km de distância. No acesso às duas mais distantes, Kendjan e Kubenkrãkrenh, levamos até três dias para chegar, viajando de carro, de voadeira [pequenos e rasos barcos para viagens em rios acidentados e/ou secos] e depois caminhando mais um pouco”, conta.
Contudo, esses trajetos de natureza difícil, desde 2011, vem sendo gradativamente transformados na medida em que o acesso às aldeias é facilitado. Os investimentos incluem a aquisição de veículos e embarcações e contratos de aluguel.
“Sete caminhonetes, dois carros e dois veículos usados como ambulância foram adquiridos pela Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] e, desde 2013, temos outros 18 veículos locados. Isso facilitou muito o trabalho das equipes de saúde e a remoção de pacientes”, diz Ivan França Nunes, chefe da Divisão de Atenção à Saúde Indígena (Diasi), do DSEI Kayapó do Pará.
Poy Kayapó, liderança indígena na região, reconhece os investimentos. “Hoje, tem transporte 24h fazendo assistência nas aldeias e na Casai [Casa de Saúde Indígena]. Temos algumas aldeias com transporte fixo e outras que não têm carro à disposição. Porém, nenhuma delas nunca ficou sem atendimento, pois sempre que precisamos o carro vai até a comunidade. Com os barcos, a situação é a mesma. Melhorou muito!”, garante.
Sobre os transportes fluviais, Banhi-re Kayapó completa: “todas as aldeias nas margens do rio têm barcos para fazer assistência dos parentes e o transporte das equipes. Foram comprados nove barcos nos últimos dois anos”, pontua.
Ele ressalta que, na época de seca dos rios, indígenas e equipes de saúde têm muita dificuldade para sair e entrar nas aldeias, pois o acesso fluvial fica prejudicado devido à geografia do leito dos rios, como mostra um vídeo produzido por Ramynngly Gontijo e equipes do DSEI Kaiapó do Pará.
INDÍGENAS NA TELA
Willianne Maior, psicóloga do DSEI, lembra que, durante a primeira exibição do vídeo, todos se comoveram. “A emoção tomou conta de todos. Alguns por recordarem de missões semelhantes, outros por terem a oportunidade de ver o que indígenas e profissionais de saúde vivenciam rotineiramente, sempre na busca por fazer o melhor que podem pelo povo Kayapó”, afirma.
Durante o processo de produção, a equipe técnica captou imagens em situações complicadas. Afinal, era o único caminho para alcançar as aldeias e realmente conhecer as situações de risco por que passam os profissionais e indígenas. Aprender como a comunidade se relaciona a fim de colher imagens mais fidedignas também foi um desafio. O que, na opinião da psicóloga Willianne, deu certo.
“O vídeo da missão deixou uma pergunta que respondemos imediatamente: ‘o que estou fazendo aqui? Oras... O que amo!’. Não enfrentaríamos tantas dificuldades sem amar tudo isso e esse povo. É isso que se vê em cada rosto dos que estiveram na missão; é emocionante. É exatamente isso que se vê quando estamos em área”, diz, com entusiasmo.
Para Ramynngly Gontijo, a experiência foi uma rara oportunidade de conhecer o trabalho dos heróis da saúde indígena. “A experiência foi única! Pude agregar valores para minha vida cultural, profissional e espiritual. Aprendi, na prática, a forma franca e verdadeira de como são as relações interpessoais entre indígenas e não indígenas. E conheci lugares ímpares, onde ir exige muita coragem e permanecer é pura dedicação e humanidade. Saber que muitas pessoas se preocupam em conhecer e cuidar do povo indígena, enfrentando perigos e convivendo com onça e jacaré, é indescritível”, emociona-se o diretor do vídeo.
PLANO DISTRITAL
Para o próximo quadriênio (2016-2019), o coordenador do DSEI aponta como um dos grandes desafios a aquisição de mais veículos, de maneira a atender suficientemente todas as demandas existentes na região. “Para atendimento satisfatório, precisamos de estrutura. Temos um processo em andamento para locação de mais 26 veículos e aquisição de outros cinco, que incrementarão a frota do Distrito”, conclui.
Por Déborah Proença
Fotos: Divulgação