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Saúde Indígena
Equipes definem logística para levar mutirão de cirurgias ao Amazonas
O piloto Luis Andrade afirma não entender muito de saúde, mas sabe bem dos desafios logísticos e do esforço permanente para fazer chegar a áreas remotas ações e serviços em prol da saúde indígena. Aos 68 anos, perto de se aposentar com mais de três décadas de aviação, Luis conduziu, esta semana, equipes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da organização social Expedicionários da Saúde (EDS) à região de Maturacá, no Amazonas. Lá, em meados de agosto, indígenas das etnias yanomami e ye'kuana receberão atendimento especializado durante um mutirão de cirurgias em plena floresta amazônica.
A logística para viabilizar e montar a infraestrutura necessária à realização dos serviços foi discutida ao longo de três dias de atividades e reuniões dos profissionais em território Yanomami. “Em média, faço semanalmente seis viagens como essa, transportando equipes de saúde, pacientes indígenas em remoção, mantimentos, remédios e material para trabalho em área”, comenta o piloto, depois de três horas de voo em condição climática instável e muita turbulência. Esse é o tempo aproximado de viagem até Maturacá, partindo da capital de Roraima, Boa Vista, onde está a sede do DSEI [Distrito Sanitário Especial Indígena] Yanomami. Do local de pouso até o posto de saúde que atende às comunidades daquela região ainda é preciso disposição para uma caminhada de aproximadamente 30 minutos.
“O acesso até aqui é apenas um dos desafios para promover esta ação, resultado do esforço coletivo de governos, da organização sem fins lucrativos Expedicionários da Saúde, da própria comunidade indígena e de outros parceiros importantes”, frisa a enfermeira Soane Santos, da equipe de Articulação da Atenção à Saúde Indígena, da Sesai. “São toneladas de equipamentos para montar e fazer funcionar as instalações do centro cirúrgico, de salas para o pré e pós-operatório, consultórios, alojamentos para pacientes e profissionais, cozinhas e refeitórios, dentre outros espaços. Tudo para dispor de estrutura adequada numa área tão longínqua e de difícil acesso”, acrescenta Soane.
O odontólogo Afrânio Ferreira integra a equipe de logística da EDS e conhece bem a região amazonense, onde atuou por mais de cinco anos, inclusive em Maturacá. Ele também destaca a complexidade da expedição e explica que os trabalhos das equipes costumam começar quatro meses antes. “Já estivemos aqui num primeiro momento para debater com lideranças locais e demais parceiros aspectos diversos da iniciativa. Esta vinda, agora, é a precursora para a expedição, ocasião em que identificamos todas as necessidades de transporte, infraestrutura e as responsabilidades de cada partícipe”, afirma. Afrânio ressalta, ainda, que este momento também é de capacitação das equipes que farão a triagem de pacientes para as cirurgias.
Para garantir um número mínimo de 200 procedimentos cirúrgicos, ao menos, equipes de saúde indígena vão fazer a busca ativa de pacientes em diversas comunidades daquela região. “Envolveremos os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro, Barcelos e algumas regiões de Roraima, o que torna ainda mais complexa a logística para o transporte. O yanomami é uma etnia que vive mais isolada, afastada, por exemplo, dos grandes rios que são as ‘estradas’ da região Norte. Isso acaba dificultando ainda mais a oferta de ações e serviços para esses povos, já que o acesso até aqui só é possível por via aérea ou fluvial – neste caso, em pequenos botes”, pontua.
Até a data da expedição, que deverá acontecer entre os dias 31 de julho e 7 de agosto, equipes do Ministério da Saúde e da EDS voltarão a campo para acompanhar a montagem da infraestrutura que ficou sob a responsabilidade da comunidade indígena e de outros parceiros locais. “O Exército Brasileiro é mais um agente de grande importância nesse processo. Estamos recebendo todo o suporte necessário do Pelotão instalado na região de Maturacá”, salienta a enfermeira Soane.
INTEGRAÇÃO
Outro importante parceiro nesta edição do Expedicionários da Saúde é a Missão Católica de Maturacá, que já está também mobilizada para a ação. As instalações físicas da paróquia, de uma escola e de um pequeno ginásio de esportes serão adaptadas para acolher os profissionais e pacientes durante o mutirão de cirurgias. O padre Reginaldo de Oliveira reforça a importância da expedição. “Não se trata apenas da cura para os indígenas que passarão por procedimentos cirúrgicos. O legado é muito maior e já se revela antes mesmo com a integração da comunidade, que fica estrategicamente mais unida. Eles se empenham muito para cumprir as responsabilidades que lhes foram dadas”, assegura, ressaltando que boa parte da estrutura montada será utilizada posteriormente – de diversas formas – em benefício da comunidade.
Padre Reginaldo destaca outros benefícios de levar a oferta de serviços de saúde às aldeias, ao invés de encaminhar os pacientes a centros urbanos. “Sabemos o quanto é difícil para os indígenas deixar seu habitat natural e o convívio com os parentes, ainda que seja por pouco tempo. O choque cultural é enorme. Os mais idosos, por exemplo, sempre que precisam se deslocar até as cidades sofrem demais com barulho da civilização e a diferença dos hábitos alimentares”, comenta.
Na expectativa pela expedição, o cacique Júlio Góes reconhece o esforço de todos os envolvidos e aponta a iniciativa como mais uma conquista do povo yanomami. “Sempre batalhamos por melhores condições de vida e de saúde. Por isso, os parentes estão felizes com a possibilidade de fazer cirurgias aqui mesmo em nosso território. Sabemos que não é fácil organizar um trabalho assim no meio da floresta, mas agradecemos muito a cada um que vai tornar isso realidade. O povo yanomami também já está organizado para fazer sua parte e continuará recebendo todas as equipes com muita atenção e respeito”, garante o cacique.
Texto e fotos: Bruno Monteiro