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Saúde Indígena
Indígenas reivindicam desburocratização do SUS na 15ª Conferência Nacional de Saúde
Quatro dias de importantes debates, cerca de mil propostas em discussão e a participação efetiva de mais de quatro mil pessoas, representantes de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), profissionais, prestadores de serviço e gestores da saúde pública. A 15ª Conferência Nacional de Saúde, realizada entre os dias 1º e 4 de dezembro, em Brasília, destacou-se também pelo quesito mobilização social, com o envolvimento de mais de um milhão de pessoas nas etapas preparatórias - plenárias populares regionais, conferências municipais e estaduais e conferências livres - realizadas desde abril em todo o país.
“Tivemos um grande salto da mobilização popular em um momento difícil para o Brasil. A ida da presidenta [Dilma Rousseff] também foi crucial para todos nós que lutamos pelo SUS. Estamos enfrentando ameaças reais às nossas liberdades democráticas e à própria Democracia. Então, estar com pessoas que vêm da ponta, que usam os serviços do SUS e vão para a rua defender a saúde pública, é emocionante. Este é um movimento democrático muito forte, que talvez apenas a Saúde consiga reunir em virtude da sua popularidade e história”, afirma o secretário Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Antônio Alves de Souza.
Convidada para representar o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Indígena (Sindcopsi), Carmem Pankararu reiterou a fala do secretário e avaliou que a Conferência, contudo, não abordou em profundidade as políticas temáticas. “Pela nossa história de luta, lamento muito que a participação de delegados indígenas tenha sido tão reduzida”.
Alves explica a importância da delegação indígena e afirma que o não comparecimento de organizações que tinham vagas garantidas gera frustração. “Este é o momento que trazemos o debate [da importância do subsistema] a outros parceiros do SUS. Ficamos um pouco frustrados, pois não houve participação muito efetiva de delegados indígenas. Esperávamos que, pelo menos, as organizações que tinham vagas garantidas pautassem e validassem o que aprovamos na 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, em 2013, e isso não ocorreu, infelizmente”, lamenta.
DESBUROCRATIZAÇÃO
Para Jorge Oliveira Duarte, da etnia Marubo (terra indígena Vale do Javari), o evento foi importante do ponto de vista geral das ações de saúde, que, segundo ele, tem avanços significativos, com discussões aprofundadas. Representando o Fórum de presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, Jorge defende a não privatização da saúde e a desburocratização do sistema, alegando que o Instituto Nacional de Saúde Indígena (Insi) seria a melhor estratégia atualmente.
“O governo deve assumir diretamente [a gestão da saúde]. Nós, que moramos em aldeias e municípios pequenos, nos preocupamos com a burocratização das ações, pois elas têm que chegar integralmente às aldeias, comunidades ribeirinhas e comunidades rurais. A burocratização nos prejudica muito, pois não dá para construir uma unidade de saúde, por exemplo, em locais muito distantes. Já brigamos para que a lei de licitações e contratos fosse revisada e nada adiantou. Neste sentido, o Instituto é uma saída. Embora alguns indígenas advoguem contra o Insi, não podemos continuar do jeito que está, quando muitas vezes temos o recurso, mas não conseguimos executar a ação”, pontua o representante do Fórum.
ESPECIFICIDADES
Elisabete da Silva, da etnia Xerente, era delegada de Tocantins, usuária do SUS, e se impressionou com o desconhecimento sobre o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). “Alguns me apoiaram e outros me criticaram, alegando que nós, indígenas, temos ‘uma saúde separada’. Expliquei que, como eles, sou usuária do SUS e enfrento fila para ser atendida no hospital. Não somos diferentes de nenhum outro brasileiro, que precisa do Sistema Único de Saúde”, diz.
Antônio Alves conta que este não é um entendimento restrito aos usuários, mas compartilhado, inclusive, por gestores de saúde. “Alguns gestores estão entendendo que os povos indígenas têm um sistema de saúde separado dos demais, mas o SasiSUS não foi criado para substituir o SUS, e sim, complementá-lo nas especificidades dos povos indígenas. A lei [Lei Sérgio Arouca, nº 9.836, de 1999] é muito clara quando define que um subsistema deve ser organizado com seus princípios e diretrizes, mas dentro do Sistema Único de Saúde. O subsistema de saúde indígena foi criado pra atender povos que são diferentes e isto está previsto pela própria Constituição com o princípio da equidade”, garante.
Segundo o secretário, a 15ª Conferência Nacional de Saúde evidenciou, mais do que nunca, que o desafio é radicalizar o debate na perspectiva de parceria entre a saúde indígena e as redes interfederativa de atenção à saúde. O usuário indígena do SUS é, antes de tudo, brasileiro e deve gozar dos mesmos direitos que seus compatriotas, garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Por Déborah Proença
Fotos: Alejandro Zambrana / Sesai-MS