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Saúde Indígena
Em AL e SE, equipes são capacitadas para qualificar atenção psicossocial a indígenas
Como identificar, abordar e propor ajuda? O atendimento psicossocial de comunidades indígenas que vivem em Alagoas e Sergipe está ganhando um importante reforço a partir da capacitação de 38 técnicos de enfermagem do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) com atuação nos dois estados. De forma inédita, estes profissionais, em sua grande maioria indígenas, que moram nas próprias aldeias, tiveram a oportunidade de aprofundar os conhecimentos na forma de identificar casos de saúde mental, realizar a abordagem junto ao usuário e propor projetos terapêuticos que possibilitem o envolvimento familiar e comunitário na sua recuperação.
A promoção da atenção psicossocial tem sido um dos grandes desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a sua criação, em 1988. Em se tratando de saúde indígena, este desafio torna-se emblemático, dada a complexidade cultural que engloba os 305 povos indígenas do Brasil, que falam 274 línguas. As condicionantes sociais, impulsionadas pela proximidade dos grandes centros urbanos, são em grande parte as responsáveis por mazelas que hoje atormentam comunidades tradicionais, a exemplo do alcoolismo e do uso de outras drogas, da depressão, muitas vezes provocada pelo preconceito, e do suicídio.
“Nosso objetivo é contribuir para qualificar o trabalho de prevenção e promoção da saúde mental, com ênfase na questão da atenção psicossocial integrada. Esse processo irá colaborar para o fortalecimento dos cuidados dos usuários junto às suas famílias e comunidade, numa perspectiva antimanicomial”, explica Regina Juliana Sousa, instrutora do curso e responsável técnica pelo programa de Saúde Mental no DSEI Alagoas e Sergipe.
QUALIFICAÇÃO
Em 2014, o Distrito promoveu uma primeira capacitação direcionada aos enfermeiros, médicos, agentes indígenas de saúde e conselheiros locais de saúde indígena sobre a temática da assistência psicossocial. “Neste ínterim, pudemos avaliar que seria muito importante incluirmos os técnicos de enfermagem na qualificação, tendo em vista que estes profissionais, em sua maioria indígenas e residentes na própria comunidade, são cuidadores e conhecem bem os mecanismos de cuidados de seus territórios, seja na rotina do serviço, na sua participação na comunidade ou nas visitas em geral”, explica Regina.
Entre os principais desafios impostos à atenção psicossocial, está a tarefa de “interculturalizar” a temática do alcoolismo e outras drogas com a cultura indígena dos povos de Alagoas e Sergipe, fomentando a importância de um trabalho dialógico entre a comunidade e as equipes de saúde.
“O perfil de usuários indígenas que acompanhamos aqui no DSEI insere casos de egressos de internação psiquiátrica, daí a atuação numa perspectiva antimanicomial e de fortalecimento dos cuidados nos territórios, da comunidade e serviços substitutivos. Acompanhamos também muitos casos de dependência de medicamentos psicotrópicos, casos de depressão e sofrimento mental em geral. Alguns de nossos territórios indígenas estão em situação de vulnerabilidade no tocante ao uso abusivo de álcool e outras drogas”, acrescenta Regina Sousa.
Segundo a psicóloga, a estratégia a ser adotada no enfrentamento deve ser focada na convivência social, com diálogo participativo. Para isso, o curso propõe técnicas de grupo com sensibilização, reflexão e exposição de temáticas, estudos de caso e elaboração de situações, sempre utilizando a realidade indígena como referência. “O principal impacto desta ação está na qualificação destes profissionais como atores neste processo de intervenção”, complementa.
INTEGRAÇÃO DE SABERES
Outra importante linha de cuidado que deve ser priorizada na assistência psicossocial de comunidades indígenas está na necessária integração entre as práticas tradicionais e milenares dos povos indígenas, à medicina ocidental. Ou seja, a necessidade de promover um cuidado articulado aos saberes dos pajés e das lideranças religiosas indígenas.
“Em alguns casos, os projetos terapêuticos individuais são construídos com a participação de cuidadores tradicionais, tendo em vista que a saúde deve ser concebida de maneira ampliada e respeitando as múltiplas formas de se produzir e se conceber saúde. É bastante delicado abordar o assunto, e da mesma forma respeitamos os limites e os segredos das comunidades”, explica Regina, ao frisar que muitos povos têm suas próprias alternativas, rituais e cuidados, porém ficam restritos à sua comunidade e cuidadores, de maneira que não são acessados pelas equipes de saúde.
Atualmente, o programa de Saúde Mental do DSEI Alagoas e Sergipe conta com 280 usuários cadastrados. Por meio do programa, todos são acompanhados mensalmente, de maneira multidisciplinar. “Além destes cadastrados, realizamos ações de promoção à saúde e bem viver, de maneira transversal aos demais programas do DSEI”. O Distrito é responsável pela assistência de cerca de 15 mil indígenas, de 12 etnias, que vivem em 37 aldeias situadas entre os dois estados.
Por Felipe Nabuco
Foto: Acervo / DSEI Alagoas e Sergipe