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Saúde Indígena
Procedimentos cirúrgicos devolvem qualidade de vida a indígenas no Norte do Brasil
Seu Mário Lopes é daquelas pessoas de sorriso fácil, apesar de afirmar ter perdido um pouco da alegria no dia a dia. O motivo para isso é o mesmo que leva outros tantos indígenas como ele a abandonarem o trabalho na roça, a pescaria e outros afazeres comuns: perda parcial da visão. Aos 70 anos, o indígena da etnia Tuyuka encontrou solução para este e outro problema de saúde tão comprometedor quanto, uma hérnia epigástrica. Durante o mutirão de atendimento médico especializado que acontece no Amazonas, desde o último dia 31 de julho, Mário passou por dois procedimentos cirúrgicos que lhe devolveram qualidade de vida.
"Já não conseguia andar sozinho nem carregar peso. Isso é muito triste para alguém que gosta tanto de trabalhar. Felizmente tive essa oportunidade", afirmou, depois de passar por duas cirurgias com pleno êxito. "Agora volto a ter mais saúde e vou enxergar até os peixes nadando no fundo do rio", brincou Mário, enquanto recebia do oftalmologista e do clínico geral as orientações para os cuidados pós-cirúrgico.
O indígena que vive na comunidade Vila Nova, no Alto Rio Tiquié, noroeste amazônico, é um dos cerca de 250 indígenas que deverão passar por cirurgias até o próximo sábado (8). A ação é resultado do esforço conjunto de governos, sociedade civil e da comunidade indígena yanomami que vive na região de Maturacá, fronteira entre o Brasil e a Venezuela.
"Além das cirurgias, nossa expectativa é beneficiar mais de dois mil indígenas com atendimento médico especializado nas áreas de odontologia, clínica geral, pediatria, ginecologia e obstetrícia", comentou o enfermeiro Genário Kanashiro, coordenador de enfermagem da organização sem fins lucrativos Expedicionários da Saúde (EDS).
O projeto se concretiza a partir do voluntariado de equipes logísticas e de saúde e dos investimentos feito pelo Governo Federal e outros apoiadores. Só nesta edição o aporte de recursos feito pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, é da ordem de R$ 3 milhões.
HUMANIZAÇÃO
Toda a estrutura montada busca seguir características locais para melhor acolher os indígenas. "Desde os alojamentos à alimentação, tudo é pensado de acordo com as especificidades desses povos. A cada edição, inclusive, nossas equipes passam por uma capacitação com antropólogos que explicam melhor as particularidades da região e das etnias que serão contempladas", disse o coordenador do enfermagem do EDS.
A enfermeira Soane Santos, do Departamento de Atenção à Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, ressalta o esforço de todos os envolvidos para oferecer o melhor atendimento. "O cenário é adverso e requer muito empenho de todos. Por isso, temos apoiadores importantes como a Missão Católica de Maturacá, que nos cedeu as instalações físicas da escola e de um pequeno ginásio de esportes para montagem de parte da estrutura. Também tem nos dado muito suporte no dia a dia", pontuou.
O Exército Brasileiro, por meio do Pelotão de Fronteira da região, também tem tido atuação decisiva no transporte terrestre de pacientes, do ponto de pouso até o local da expedição.
Daniela Yanomami, de 39 anos, e seu filho Adécio, de apenas cinco, saíram da comunidade Castanha do Marari para passar por cirurgias de retirada de hérnias, em Maturacá. Como vivem geograficamente isolados e não falam português, foram durante todo o tempo acompanhados pelo agente de saúde indígena que os atende no dia a dia. "Ela é mãe de três filhos e vinha sentindo muita dor para fazer tarefas como carregar lenha, por exemplo. As equipes diagnosticaram a necessidade de cirurgia dela e da criança durante a triagem de pacientes na comunidade", comentou o agente Bento Yanomami.
SOLIDARIEDADE
Em 32 edições, desde 2004, as equipes de voluntários já realizaram cerca de seis mil cirurgias e mais de 35 mil atendimentos. A área coberta pelas ações do Expedicionários da Saúde é equivalente ao território da França, sendo a grande maioria de terras indígenas demarcadas.
"Trabalhamos com profissionais muito experientes e equipamentos de ponta, sempre buscando fazer o melhor e com o menor risco. O voluntariado das equipes locais e da própria comunidade também é fundamental, pois é esse esforço conjunto que nos garante tantos casos exitosos. Precisamos entender que solidariedade deixou de ser altruísmo; é condição indispensável para que a gente possa garantir a sobrevivência das próximas gerações", frisou o médico ortopedista Ricardo Ferreira, um dos idealizadores do EDS.
Por Bruno Monteiro
Fotos Alejandro Zambrana / Sesai-MS