Notícias
Saúde Indígena
Oficina qualifica trabalhadores de saúde em prevenção do suicídio entre indígenas
Até quinta-feira (27), equipes de dez Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) estão reunidas em Brasília para discutir estratégias de prevenção do suicídio. O tema tem chamado atenção dos profissionais de saúde, pois a incidência de mortes por suicídio entre povos indígenas é cerca de cinco vezes maior que entre o restante da população brasileira. Ademais, diferentemente do que ocorre com a população em geral, 89% dos suicídios entre indígenas são cometidos por jovens entre 12 e 29 anos.
O secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves de Souza, destacou a preocupação do Governo Federal com a problemática. “Embora este seja um tema que não atinja universalmente a todos os distritos sanitários indígenas, ele é muito preocupante e recebe atenção especial da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena]. Porém, sua solução não se restringe apenas à Pasta: ou desenvolvemos uma ação intersetorial forte para enfrentá-lo ou não teremos sucesso nesta empreitada”, garantiu o secretário após comparar a média nacional de suicídios entre comunidades indígenas e não indígenas.
Durante sua fala na mesa de abertura, na última segunda-feira (24), Roberto Tykanori, coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, pontuou que as pessoas que escolhem tirar a própria vida o fazem diante de “um mal menor” e que a responsabilidade diante desses óbitos é de toda a sociedade, indígena e não indígena.
“Ninguém se mata por que é feliz. Pessoas que cometem suicídio se veem diante de situações extremas e optam pelo mal menor”. O coordenador afirmou que é um equívoco culpabilizar as pessoas que se suicidam, mas que a responsabilidade está em toda a sociedade. “É um erro achar que o jovem é o problema e é quem deve resolver. Por que se assim fosse, as mortes não estariam se repetindo. Na verdade, são os adultos, indígenas e não indígenas, que estão errando; nós criamos situações que levam os jovens indígenas a se suicidar”.
Patrícia Chagas, representando a Fundação Nacional do Índio (Funai) na mesa de abertura, frisou a necessidade de atenção às especificidades de cada etnia. Para ela, a Funai poderá contribuir para uma melhor abordagem da Política de Atenção Integral à Saúde Mental das Populações Indígenas nas aldeias.
O presidente do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, Cleyton Javaé, também compôs a mesa de abertura e parabenizou a Sesai pela iniciativa em tratar da temática, salientando, ainda, o interesse das comunidades indígenas em contribuir com a questão. “Infelizmente, tem morrido muitos dos nossos jovens e isto se tornou um problema de saúde pública, mas não é um problema só da Sesai. Sabemos que o choque cultural é enorme e um grande desafio. Por isso, estamos dispostos a contribuir com o trabalho de vocês e esperamos que possam contribuir também com o nosso. Prova disso é que estamos todos aqui. Parabéns à Secretaria por pautar o tema, tão grave e que poderia já ter sido pautado pela Funai, pelas Universidades e, até, por nós, indígenas”.
DIFERENÇAS CULTURAIS
Várias lideranças indígenas participam da oficina. Sandro Flores Ticuna, da etnia ticuna, no Alto Rio Solimões (AM), e Roberto Carlos Martins, guarani de Mato Grosso do Sul, concordaram com Cleyton Javaé e enalteceram que as diferenças culturais estão entre os maiores problemas. Eles também reafirmaram o compromisso das lideranças com o trabalho em parceria.
“Nós, guaranis, pelo gráfico apresentado pela Sesai, temos o maior índice em suicídio. Há muito o que debater para, juntos, construirmos uma proposta que garanta um futuro melhor às nossas gerações. Não resolveremos o problema de forma imediata, mas não nos falta disposição para enfrentá-lo”, garante Roberto Carlos.
O líder ticuna lembra que as diferenças culturais começam cedo, ainda na primeira infância. “O primeiro impacto entre nós, os ticunas, é quando vamos para a escola e temos que falar português, que não é nosso idioma. O segundo é o próprio nome: ao chegar à escola recebemos outro, que não é o nosso de origem. O grande desafio é que estas questões sejam reconhecidas como problemas sociais, e não culturais. Desejamos que esse vale de lágrimas possa diminuir com um trabalho em conjunto”, diz Sandro.
“BEM VIVER”
Fernando Pessoa, psicólogo da Coordenação Geral de Atenção Primária à Saúde Indígena, da Sesai, explica que o aumento nos dados de morte por suicídio não representa, necessariamente, um aumento de casos, mas é resultado do investimento que a Secretaria vem fazendo na investigação de óbitos.
“Não podemos afirmar que esses números indicam aumento ou queda na quantidade de casos, porém, hoje, temos um quantitativo maior que o dobro de profissionais psicólogos trabalhando em área, se compararmos com o quadro de funcionários em 2012. O trabalho deles e de todo o restante da equipe, sobretudo por intermédio das intervenções em pacientes que sabidamente tentaram suicídio, se reflete também nas estatísticas. Os índices de reincidência, segundo relatórios dos próprios distritos, já são muito menores”.
A psicóloga Mariana Vaz Tassi, também da área de saúde mental da Sesai, afirma que as ações da Secretaria visam à construção de um “bem viver”, considerando as perspectivas de vida dos indígenas para além da saúde.
“Trabalho, cultura, arte, esporte. Tudo isso é a promoção do ‘bem viver’. Precisamos fomentar o protagonismo indígena dentro dessas comunidades, bem como a coesão social, a articulação e a mobilização comunitária para solução dos seus próprios problemas. Já caiu por terra aquele conceito antigo de que a cultura não se transforma com o tempo e com as comunidades indígenas isto não é diferente. Discutir o espaço intercultural, de diversidade de significados sobre a experiência humana, é extremamente importante para o enfrentamento da questão. Assim, ampliamos a clínica e as ações de cuidado olhando para os determinantes culturais e sua interferência sobre o processo saúde-doença dessas comunidades”, explica Mariana.
Esta é a primeira vez que uma oficina de cunho nacional sobre o tema é realizada. Outras oficinas locais vêm acontecendo e já qualificaram cerca de 90 profissionais de saúde, dentre agentes indígenas de saúde, médicos, enfermeiros, psicólogos e técnicos de enfermagem. A próxima oficina de qualificação está prevista para acontecer em outubro, no DSEI Médio Rio Solimões.
Veja mais fotos da oficina