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Novos cursos de medicina agitam o sertão nordestino
Nos últimos dois anos, muitos municípios do interior receberam novos cursos de medicina por meio do Programa Mais Médicos e tiveram uma importante evolução na oferta de serviços de saúde. Em combinação com os demais eixos do programa, a expansão interiorizada da graduação médica vem provocando mudanças decisivas nesses lugares. Além de atenuar uma deficiência histórica, os novos cursos de medicina promovem transformações culturais e desenvolvimento urbano. Exemplo disso está na região Nordeste.
Desde 2013, com o Mais Médicos, foram criadas 5,3 mil novas vagas de graduação em 81 municípios de todas as unidades federais. Destas, 1.775 vagas foram ampliadas em instituições de ensino públicas e privadas de 24 municípios nordestinos. Além disso, de acordo com o último edital de expansão, publicado em abril, o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste deverão receber, ao todo, mais 2.057 vagas até o final de 2016. A justificativa para essa priorização é que essas regiões têm menos médicos que as demais. Enquanto a média nacional é de 1,8 médico por mil habitantes, no Nordeste a proporção é de 1,09.
“Pela primeira vez, há mais vagas de medicina no interior do que nas capitais do país”, comenta o coordenador nacional do Mais Médicos no Ministério da Saúde, Felipe Proenço. Isto porque nos últimos dois anos o número de vagas em cidades que não são capitais teve crescimento acentuado, chegando neste ano a 65% de toda a oferta disponível em território nacional.
Em Caruaru, estudantes ficam mais próximos da comunidade
Contrariando a lógica tradicional de concentração nas capitais e metrópoles litorâneas, a interiorização da formação médica trouxe resposta concreta a uma expectativa antiga da população. “Caruaru tinha o desejo de ter uma faculdade de medicina há 50 anos”, afirma Rodrigo Cariri, coordenador do curso de medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em Caruaru, cidade com cerca de 340 mil habitantes no agreste pernambucano. Criado no início de 2014, o curso tem 80 vagas de graduação e 20 de residência médica, e exerce atividades de supervisão nos 34 municípios da região de saúde, onde vive uma população de 1,5 milhão de pessoas. “Isso tem estreitado a relação com os prefeitos e secretários de saúde, permitindo que possamos discutir a inserção dos alunos nesses municípios”, explica Cariri.
Grande parte dos alunos é da própria região, o que contribui para a fixação desses futuros profissionais na cidade e se contrapõe à lógica anterior de que para cursar medicina tem que ir para a capital. “Isso tem repercutido não só nas famílias, cujos filhos tinham que estudar fora, mas também na qualidade dos serviços de saúde”, afirma Cariri. Lá, os estudantes atuam desde o início do curso na atenção básica e têm a oportunidade de manter um contato muito próximo com a comunidade, inclusive nas áreas rurais, seja nas unidades básicas de saúde ou fazendo visitas em domicílio.
Uma das ações desenvolvidas no curso é o programa Nascer Bem Caruaru, realizado em parceria com a secretaria de saúde do município para qualificação da atenção materno-infantil. No programa, desde o primeiro período da faculdade, os estudantes acompanham as gestantes no pré-natal e seguem com elas até a hora do parto. Cada aluno “adota” uma gestante e é estimulado a desenvolver uma relação de proximidade. Segundo Cariri, essa qualificação tem contribuído para a redução da taxa de mortalidade materna e de cesarianas no município. Em uma maternidade de risco habitual da região, estruturada para a realização de partos normais, 60% dos partos eram cesarianas antes da iniciativa trazida pelo curso de medicina. “Essa intervenção conjunta da universidade, do Mais Médicos e da prefeitura fez com que chegássemos a menos de 30% de cesarianas”, conta o coordenador.
Um Lava Pés diferente entra para o calendário da Semana Santa
Pouco a pouco, o curso de medicina de Caruaru foi se tornando um polo criativo, com propostas inovadoras dentro e fora dos muros da faculdade. Uma das iniciativas de destaque é a Campanha do Lava Pés, feita para orientar a população sobre a importância do cuidado com os pés para quem tem diabetes, evitando dessa forma possíveis amputações. O sucesso da iniciativa foi tão grande junto à comunidade, que entrou para o calendário da Semana Santa de Caruaru.
“Para os alunos de medicina, essa ação leva à prática do cuidado, da humildade, do relacionamento com as pessoas de uma forma mais simples, dentro do contexto de uma doença altamente prevalente”, comenta o coordenador do curso, Rodrigo Cariri. No dia “L” da campanha, os alunos do curso vão para o Marco Zero da cidade e lavam os pés dos cidadãos, enquanto dão orientações e estabelecem um primeiro vínculo. Segundo o médico, foi identificada na região uma alta frequência das chamadas amputações altas, que decorrem da falta de cuidado e de um diagnóstico tardio da doença. “Juntamos a importância pedagógica com a relevância epidemiológica de saúde pública”, afirma Cariri.
Na última edição do Lava Pés, realizada neste ano, das cerca de duas mil pessoas que compareceram ao evento, 189 apresentaram comprometimentos que poderiam levar a amputações das pernas ou dos pés, e foram encaminhadas à rede municipal de saúde para receber um acompanhamento sistemático e integral, por meio das equipes de Saúde da Família.
Desenvolvimento socioeconômico no interior do Rio Grande do Norte
Outro município do interior que recebeu um novo curso de medicina é Caicó. Famosa por seu bordados típicos, a principal cidade da região do Seridó, no centro-sul do Rio Grande do Norte, vem experimentando um calor diferente depois que o novo curso de medicina, criado com o Mais Médicos, se instalou por ali.
Inaugurado em julho de 2014 pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o curso tem atividades nos municípios de Caicó, Santa Cruz e Currais Novos. São 40 vagas de graduação por ano, e até 2017, poderá chegar a 80. Entre os alunos, 70% são oriundos da região, composta por cerca de 40 municípios e uma população de 436 mil habitantes. “Um curso como esse gera emprego, renda, traz mais gente para se estabelecer aqui, aquece o mercado imobiliário, o comércio como um todo. É uma cadeia que aquece a nossa economia”, diz o prefeito de Caicó, Roberto Germano. Para atender à demanda dos estudantes, professores e demais profissionais, ocorreu na cidade um aumento natural da oferta de serviços de hospedagem, lavanderia, restaurantes, inclusive filiais de negócios da capital.
Fenômenos como esse, segundo especialistas, se devem ao fato de que a presença de cursos de graduação em uma cidade é um fator de desenvolvimento social, tanto porque atrai investimentos, quanto pelo fato de minimizar o chamado êxodo educacional, retendo jovens que antes se mudariam para outras cidades em busca de formação.
Qualificação da mão de obra local
Ao curso de medicina, juntam-se outros como fisioterapia, nutrição e psicologia. Um grande contingente que demanda estrutura local. Segundo a prefeitura, já está à disposição da universidade um terreno para a construção de um prédio para a Escola de Saúde.
E como um curso são se faz só de alunos, a UFRN aprovou em concurso vários professores que são médicos da região e que, com esse novo vínculo, terão um estímulo a mais para permanecer ali. “Esses professores locais já conhecem o perfil de saúde da região. Embora com experiência clínica e acadêmica, muitos ainda não têm mestrado e doutorado, então, a nossa política de qualificação de pessoas incentiva esses professores a se qualificar ainda mais”, afirma a reitora da UFRN, Ângela Paiva. “É um ciclo virtuoso, não só do ponto de vista da educação, que já é um fator de desenvolvimento, mas do ponto de vista socioeconômico. A cidade se transforma, já está transformada”, ressalta.
O consultório vai à feira
A valorização do envolvimento comunitário é um dos princípios do curso de medicina da UFRN no interior do estado. Com foco na atenção básica, os alunos participam de atividades junto à população desde os primeiros períodos, o que contribui para a formação e, ao mesmo tempo, reforça o serviço local de saúde.
Uma ação que aproxima os alunos da comunidade é o projeto Saúde na Feira, realizado regularmente aos sábados na feira de Caicó. As pessoas, inclusive os moradores da zona rural, que comparecem ao local têm a oportunidade de receber orientações de saúde. Em meio às bancas de frutas e legumes, os alunos dialogam com as pessoas sobre práticas preventivas, realizam aferição de pressão, dão orientações nutricionais e encaminham os cidadãos para as unidades básicas de saúde. “O curso já nasce com essa perspectiva social importante”, conclui a reitora.