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Saúde Indígena
Indígenas do Médio Solimões são beneficiados com mutirão de cirurgias de hérnia e cataratas
O indígena Parravi Deni (36), morador da aldeia Flechal, localizada no município de Itamaraty (AM), saiu de casa no último sábado (21) e viajou, ao lado da esposa, por cinco dias de barco até o município de Carauari (AM). De lá, Parravi embarcou em um voo fretado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Médio Rio Solimões e Afluentes e duas horas depois chegou à aldeia Barreira de Baixo, em Tefé (AM). Atormentado por fortes dores abdominais, devido ao surgimento de duas hérnias, Parravi, que há meses já não conseguia mais pescar, caçar, nem cuidar da roça, foi um dos quase 800 indígenas triados pelo DSEI para ser operado no mutirão de cirurgias realizado durante a 32ª edição dos Expedicionários da Saúde.
Até o próximo sábado (3), a expectativa da expedição, realizada em parceria com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Exército Brasileiro, além de prefeituras dos municípios envolvidos na ação, é realizar cerca de 300 cirurgias de hérnias e cataratas e, aproximadamente, 1.500 atendimentos especializados, nas áreas de ginecologia, clínica médica, pediatria, odontologia e oftalmologia. Ao todo, a ação mobiliza mais de 200 voluntários, entre as equipes do EDS, DSEI Médio Solimões e a própria comunidade indígena, que participou na construção da infraestrutura necessária.
“Para que pudéssemos chegar até aqui um longo caminho foi percorrido. As primeiras conversas com os expedicionários tiveram início ainda no mês de dezembro. Nossas equipes estão desde o início de fevereiro em área realizando as triagens dos pacientes, haja vista a dificuldade de acesso às aldeias e, principalmente, a grande extensão territorial por onde elas se distribuem. Em alguns casos, a distância entre aldeias pode chegar a 1000 km em linha reta”, salienta o coordenador do DSEI Médio Rio Solimões, Narciso Barbosa.
A dificuldade enfrentada por Parravi para chegar até o município de Tefé (AM) ajuda a ilustrar as complexidades logísticas para realização da ação. Na região coberta pelo DSEI, existem 182 aldeias espalhados ao longo do Rio Solimões e afluentes, cerca de 21,5 mil indígenas, de 17 etnias. A primeira das dificuldades foi levar 15 toneladas de equipamentos (que compõem a estrutura de centro cirúrgico, materiais médico-hospitalares, medicamentos, entre outros) até a aldeia escolhida, Barreira de Baixo. A segunda delas, construir, com o auxilio da própria comunidade, as estruturas mínimas para efetivação da ação, a exemplo de galpões, cozinhas, banheiros, alojamentos e refeitórios. E, por último, ir a campo realizar uma triagem minuciosa dos casos que demandam intervenção cirúrgica para hérnias e cataratas.
“Nosso foco é cirúrgico. Trata-se de uma ação curta, mas de intenso volume de produção. Em poucos dias, conseguimos resolver os problemas de hérnia e cataratas das comunidades por onde temos passado, que são locais longínquos, isolados”, explica o idealizador e coordenador dos Expedicionários da Saúde, o cirurgião ortopedista, Ricardo Ferreira.
Ação humanitária
A parceria entre a Sesai e os EDS já vem consolidando uma agenda positiva de mutirões de cirurgias e atendimentos especializados para a população indígena brasileira. A cada ano, três expedições são realizadas e os locais escolhidos levam sempre em consideração a demanda reprimida e a dificuldade de acesso dessas populações aos serviços especializados oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para este ano, estão previstas expedições ao Yanomami (RR) e à região do Rio Tapajós (PA), com os Mundurucus.
“Esta é uma ação, acima de tudo, humanitária. Todos os profissionais que estão aqui estão como voluntários. São médicos, odontólogos, especialistas bem sucedidos, que têm seus consultórios, suas clínicas e que vêm aqui, no meio da floresta, dedicar duas semanas para cuidar da saúde de pessoas que vivem em condições de isolamento e de difícil acesso”, disse o secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves de Souza, durante solenidade de abertura do 32º Expedicionários da Saúde.
Alves lembrou que a ação produz benefícios imediatos na vida dos indígenas que são operados. “Chega a ser emocionante acompanhar a chegada de indígenas idosos, que vêm amparados por acompanhantes por não conseguirem mais enxergar, devido à catarata, e logo depois da cirurgia vê-los passar caminhando sozinhos. Além de ser este um bem para saúde, é também um benefício social, pois estes indígenas que chegam aqui para serem operados, quando vamos ver lá na aldeia, passavam por um processo de isolamento porque vão deixando de enxergar e vão perdendo o convívio social com o restante da comunidade”, explica Alves.
Dificuldades no SUS
Para o coordenador do EDS, Ricardo Ferreira, o grande ganho proporcionado pela iniciativa está no encurtamento do caminho que estes pacientes teriam que percorrer para conseguir realizar uma cirurgia de catarata pela rede pública. “Lá em Campinas, por exemplo, a espera por uma cirurgia dessas ultrapassa um ano”, reforça Ricardo.
Para um usuário indígena, a situação ainda é mais complexa por envolver especificidades interculturais. “Seria necessário, primeiramente, retirar este indígena da aldeia e levá-lo para o município para realizar exames que comprovem a necessidade da cirurgia. Como aqui em Tefé não há como realizar estes exames, este paciente seria encaminhado para a Casai [Casa de Saúde Indígena] de Manaus. Feitos os exames, este paciente retorna para a aldeia e aguarda a marcação da cirurgia. Se chegar no dia não ocorrer nenhum imprevisto, ele faz todo este trajeto novamente até Manaus e realiza o procedimento. Se não, volta à estaca zero”, explica.
Participação construtiva
A passagem da 32ª edição dos Expedicionários da Saúde deixa um legado sem precedentes para a comunidade indígena do Médio Solimões. Os benefícios proporcionados pela ação vão muito além das cirurgias realizadas e dos atendimentos oferecidos à comunidade. Durante dois meses, a solidariedade, a integração de esforços, a união e o desejo de construir coletivamente, que envolveram trabalhadores do DSEI, a comunidade indígena e as equipes dos Expedicionários da Saúde, produziu um clima de fraternidade entre todos os envolvidos.
“Quando recebemos dos expedicionários um esboço com as necessidades de infraestrutura que deveríamos construir na aldeia, logo sentamos com as lideranças e traçamos um plano de ação. Os próprios indígenas trabalharam no corte das madeiras e na edificação dos alojamentos, galpões, refeitórios e nos módulos de banheiros. Houve dias que chegamos a contar com 120 indígenas trabalhando voluntariamente para construir estas estruturas e muitos deles de outras aldeias”, explica o engenheiro do DSEI e responsável pela montagem da infraestrutura, Agno Rebouças.
Como legado desta construção participativa, o tuxaua mais velho da aldeia Barreira de Baixo, Cristóvão Cordeiro Kokama, ressalta a importância das estruturas construídas com a participação de todos. “A expedição nos trouxe felicidade. Ver os parentes que estão sofrendo em suas aldeias saírem daqui curados nos deixa felizes. Além disso, depois que esta expedição acabar, o que construímos ficará para a comunidade. Um desses galpões, por exemplo, transformaremos num centro para produção de artesanatos, para que nossas mulheres tenham um lugar para trabalhar”.
Por Felipe Nabuco
Fotos: Luís Oliveira/Sesai-MS