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Audiência Pública destaca as complexidades e especificidades na gestão da Saúde Indígena
Como oferecer boas condições de trabalho e alojamento para quem vai atender em área indígena sem, com isso, ferir costumes e tradições dos que ali habitam há centenas de anos? Uma audiência pública realizada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Boa Vista (RR), na última quinta-feira (21), evidenciou o quanto é complexa e peculiar a gestão da saúde em área indígena. Medidas avaliadas por sindicatos e associações como “imprescindíveis para uma boa acomodação de profissionais de saúde que trabalham em área”, a exemplo de luz elétrica, estruturas de alvenaria, e até banheiro, podem significar riscos, ou até mesmo desrespeito, aos costumes e tradições de algumas comunidades indígenas.
“Não somos contra que os profissionais se sintam bem acomodados nas nossas aldeias, que se criem boas estruturas para quem vai cuidar da saúde do nosso povo, mas não queremos lá uma estrutura com piso, concreto, energia elétrica e ar condicionado. Isso é do mundo de vocês, não do nosso. Temos parentes que quando vão à cidade não aguentam entrar em um banheiro. Dizer que as condições de trabalho em área indígenas são sub-humanas, como diz o processo, é o mesmo que dizer que nós yanomamis, que sempre vivemos ali, somos desumanos?”, questionou o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) Yanomami, Beto Yanomami, durante pronunciamento.
A audiência pública foi convocada pelo juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Boa Vista, Raimundo Paulino Cavalcante Filho, como consequência de uma ação civil pública movida pelo Ministério do Trabalho (RR) contra a União e a organização não-governamental (ONG) Missão Evangélica Caiuá, entidade conveniada à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) responsável pela contratação dos profissionais que atuam nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) Leste de Roraima e Yanomami. A ação tem como objetivo forçar a União a implementar medidas que assegurem direitos trabalhistas previstos em Lei para os profissionais que atuam em área.
“O objetivo desta audiência é ouvir pessoas e profissionais com experiência e autoridade em matéria de segurança e medicina do trabalho, costumes e tradições. Estamos convocando a comunidade para que ela se manifeste ao judiciário”, disse o magistrado, destacando que o tema requer uma análise mais esclarecedora da situação. “De um lado, temos as condições de trabalho asseguradas pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Do outro, a necessidade de preservação da cultura e das tradições dos povos indígenas”, pontuou.
O secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves de Souza, parabenizou a iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima de promover a audiência pública. Segundo ele, ouvir as pessoas que trabalham na ponta, antropólogos, técnicos e especialistas que atuam com comunidades indígenas e, sobretudo, a própria população, ajuda na compreensão de um debate que é imprescindível ao tema e que precisa ser urgentemente pautado: o de que as leis criadas para reger a administração pública em nada levam em conta as especificidades da saúde indígena.
De acordo com ele, da mesma forma que hoje não há dispositivos legais que assegurem jornadas de trabalho diferenciadas para os profissionais que precisam passar dias trabalhando em área indígena, são maiúsculas as dificuldades para se fazer gestão em área indígena. “São licitações que dão vazias porque ninguém quer ir lá entregar um medicamento ou um equipamento; para se chegar em área indígena precisamos de contratos de horas voo, quando não de embarcações de pequeno, médio e grande porte, para navegar de acordo com a época do ano”.
Consulta
Após ouvir representantes indígenas, trabalhadores dos DSEIs e especialistas, uma das conclusões a que chegaram os magistrados com a audiência é que a consulta às comunidades indígenas deve ser o principal fio condutor das medidas a serem tomadas pelas políticas públicas em território indígena. “Como ficou bastante claro nas falas dos próprios indígenas é possível tomar algumas medidas, desde que a comunidade em questão seja consultada sobre o seu desejo”, disse o procurador do Trabalho, Jorsinei Dourado do Nascimento.
Participaram da sessão presidida peloo juiz Raimundo Paulino Cavalcante Filho, representantes da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Roraima, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Conselho Indígena de Roraima (CIR), prossionais de saúde dos DSEIs Leste e Yanomami, lideranças indígenas e conselheiros de saúde indígena, representantes sindicais e de organizações indígenas.
Por Felipe Nabuco