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SEMINÁRIO
Pesquisadores e gestores avaliam impactos sociais e econômicos da enchente de maio
Especialistas discutiram alternativas para a reconstrução do estado, especialmente visando à mitigação das consequências da catástrofe sobre as comunidades mais vulneráveis. Foto: Erickson Campos
Durante a tarde da terça-feira, 3 de dezembro, no Salão de Atos da UFRGS, o seminário "A Ciência no enfrentamento ao desastre de 2024 no RS" foi dedicado aos impactos sociais e econômicos provocados pela catástrofe climática sobre o Estado. As apresentações foram organizadas em dois painéis que contaram com a participação de acadêmicos e gestores das mais diversas áreas.
O Painel 2, realizado na parte inicial da tarde, concentrou-se nos impactos sobre a economia, a infraestrutura e o ordenamento territorial resultantes das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no mês de maio. Especialistas de diversas instituições do espectro acadêmico e político discutiram alternativas para a reconstrução do Estado, especialmente visando à mitigação das consequências da catástrofe sobre as comunidades mais vulneráveis.
Na parte final da tarde, os especialistas convidados para o Painel 3 dedicaram suas apresentações aos impactos sociais da catástrofe climática. As consequências da enchente sobre populações vulneráveis, os perigos à saúde e os desafios impostos à educação de crianças e adolescentes também estiveram em debate durante o seminário.
ECONOMIA - Na abertura do Painel 2, o professor Marcos Lélis, da Unisinos, apresentou uma análise sobre os impactos econômicos da enchente nos meses seguintes à catástrofe. Ele explicou que o objetivo do estudo era estimar as perdas na atividade econômica do estado entre maio e agosto. "A gente começou esse trabalho na segunda quinzena de maio, em meio à inundação, para ajudar prefeituras ansiosas por estimativas que pudessem embasar projetos de captação de recursos", contextualizou.
O professor destacou as dificuldades enfrentadas devido à falta de indicadores mensais específicos para a atividade econômica municipal. "Tentamos criar um 'ratinho de laboratórios de ciências sociais' usando modelagens estatísticas para estimar esse impacto", explicou. A equipe utilizou o ISSQN e dados de geração de emprego como proxies para criar um indicador mensal, além de parametrizar o evento climático ocorrido no Vale do Taquari em setembro de 2023 como modelo para prever os impactos da enchente de 2024.
Os resultados mostraram que o impacto econômico foi mais acentuado em maio, com uma queda estimada de 4,2% na atividade econômica do estado. Municípios como Eldorado do Sul, Canoas e São Leopoldo foram identificados como os mais afetados. A análise também projetou que, sem intervenções significativas, a dinâmica econômica do estado poderia ter sido completamente zerada até o mês de agosto.
No entanto, observou-se uma recuperação em forma de "V" após o primeiro mês da catástrofe, atribuída principalmente às políticas de transferência de renda implementadas pelo governo federal. O pesquisador ressalva que a recuperação não foi homogênea entre os municípios. Canela, por exemplo, ainda enfrenta dificuldades para retornar aos níveis pré-enchente.
Lélis levantou questões sobre as desigualdades sociais na recuperação econômica pós-desastre. “Será que esse efeito de recuperação está indo para a população de baixa renda, que foi mais atingida? Com os dados da PNAD, no final do ano, conseguiremos ver quem mais recuperou e quem mais sofreu”, projetou.
Outra questão importante para fins de pesquisa é a comparação da inundação com outro fenômeno climático comum no Rio Grande do Sul - a seca. O professor pondera sobre qual fenômeno climático causa mais danos à economia do estado. "O efeito seca é mais longo e atinge um dos principais cenários produtivos do Rio Grande do Sul, que é o agronegócio", salientou.
AGRICULTURA - Carlos Guedes, integrante do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, enfatizou a necessidade de compreender o evento de maio no contexto de um histórico de secas que já afetaram o estado do Rio Grande do Sul, ressaltando que a situação não pode ser vista isoladamente.
Segundo dados trazidos pelo servidor, na última década 129 municípios gaúchos enfrentaram pelo menos cinco eventos de estiagem, e 381 municípios passaram por oito a onze secas nesse período. Além disso, apontou Guedes, a demografia das áreas rurais do estado está em transformação, com o envelhecimento da população. “Atualmente, um milhão de hectares agrícolas dependem significativamente de aposentadorias e pensões como fonte de renda”, detalhou.
Outro ponto de atenção levantado pelo palestrante foi a perda significativa de culturas agrícolas em 26 microrregiões do estado entre 1988 e 2017. A concentração em uma única cultura torna a economia rural particularmente vulnerável: "Quando essa cultura está bem, todos prosperam. Quando não, é um aperto geral".
Guedes também destacou a complexidade das políticas públicas voltadas para a reconstrução e recuperação pós-desastre. Ele ressaltou que, apesar dos esforços significativos, há uma percepção de que as ações governamentais "viraram transtorno" devido à complexidade do sistema burocrático envolvido. "Vivemos em uma sociedade extremamente complexa, e o sistema público reflete isso. Não é uma tomada de decisão cuja implementação ocorre do dia para a noite", comentou.
Para enfrentar esses desafios de forma mais eficaz, Guedes propõe uma abordagem integrada, nomeada por ele de "triplo A": a articulação das pautas agrícola, agrária e ambiental. Como exemplo, mencionou a intenção do ministério de reativar, em parceria com outros atores institucionais, o Cadastro Ambiental Rural no estado, servindo como uma infraestrutura de dados públicos para facilitar a implementação de políticas mais eficazes.
ZONA RURAL - Em sua fala, o professor Sérgio Schneider, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresentou dados de organizações vinculadas à agricultura gaúcha, como a Emater (Instituição de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social), Fetag (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul) e Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul).
De acordo com as informações coletadas pelas instituições, a enchente de maio afetou 456 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, impactando 206 mil dos 435 mil estabelecimentos agropecuários. Schneider destacou que 108 mil produtores sofreram diretamente com as consequências, e as perdas totais na produção foram estimadas em 4,26 milhões de toneladas. A soja foi uma das culturas mais prejudicadas, representando quase metade das perdas totais.
O professor enfatizou que a agricultura familiar, que compõe 80,5% dos estabelecimentos do estado, foi particularmente afetada. Os impactos econômicos se traduziram em perdas financeiras massivas, aumento da incerteza e instabilidade para esses produtores. Estimativas preliminares indicam prejuízos de 15 a 20 bilhões de reais apenas na agricultura, de um total de 80 a 100 bilhões, segundo estudos preliminares.
Schneider abordou o conceito de "permacrisis", descrevendo o estado atual como uma crise permanente em meio a múltiplos desafios climáticos. Ele alertou para a necessidade urgente de reavaliar práticas agrícolas e de consumo para mitigar futuras catástrofes climáticas. "A agricultura tem um papel crucial nas mudanças climáticas e precisamos transformar nossos sistemas de produção e consumo para garantir a segurança alimentar," afirmou.
Em sua conclusão, o docente fez um apelo para que o Rio Grande do Sul amplie sua participação no debate público sobre o clima, como a COP30 a ser realizada em Belém (PA) no próximo ano. "Os 800 litros de água por metro quadrado que caíram não foram por culpa nossa. Foi pelas emissões que os emissores de carbono dos países do norte fizeram. E eles não querem pagar”, criticou.
INFRAESTRUTURA - De acordo com o professor da UFRGS Alessandro Miebach, as enchentes de maio afetaram praticamente toda a infraestrutura produtiva do Rio Grande do Sul. "A peculiaridade da enchente é que não tivemos apenas uma interrupção de fluxo, como foi na pandemia de Covid-19, mas também um tremendo impacto em estoques. Imóveis, plantas, estradas e equipamentos públicos foram destruídos", contextualizou.
A infraestrutura de transporte é um exemplo da extensão dos impactos climáticos. Miebach aponta que a malha rodoviária do estado, que inclui 10% das rodovias do país, sofreu prejuízos estimados em 1,1 bilhão de reais. O modal ferroviário também foi afetado, provocando a desconexão dos seus pontos com o restante do país.
Além das rodovias e ferrovias, a infraestrutura hidroviária e aeroviária também foi gravemente afetada. Os danos aos portos foram estimados em 200 milhões de reais, enquanto o setor aeroviário teve perdas de 630 milhões , conforme a concessionária do aeroporto Salgado Filho. “É importante falar do aeroporto porque ele tem um efeito de encadeamento. A destruição do setor de turismo, com a perda de empregos, foi derivada disso, essencialmente”, explicou o professor.
Diante desses desafios, Miebach apontou a necessidade urgente de investimentos públicos, ressaltando que investimentos privados não irão se concretizar devido à ausência de retorno financeiro a curto prazo. "Sem investimento público, não haverá infraestrutura. Vamos continuar construindo as pontes no mesmo nível da estrada. Quando virar o rio, vai destruir a ponte de novo”, lamentou.
A governança dos serviços concedidos também foi um ponto crucial discutido pelo professor. “Quando há concessão para o agente privado, ele faz um cálculo de retorno de viabilidade econômica. Esse retorno de viabilidade econômica pressupõe um tamanho de equipe de manutenção e uma frequência de manutenções considerando a incidência de problemas climáticos", detalhou.
Com a intensificação desses eventos no futuro próximo, salienta Miebach, a questão colocada é se as concessionárias poderão manter equipes de manutenção adequadas para responder a múltiplos incidentes anuais sem sobrecarregar os consumidores com tarifas inviáveis. "Será que esse modelo funciona? Será que precisaremos ter consórcios de empresas forçadas pelo órgão regulador no sentido de ter equipes de manutenção que circulem pelo país?", questionou.
OCUPAÇÃO DO SOLO - Em uma reflexão sobre os impactos das catástrofes na vida urbana, o professor Marcos Frandoloso, da Universidade de Passo Fundo, destacou a importância de repensar o uso e a ocupação do solo, bem como a habitação nas cidades. Durante a apresentação, foram exibidas imagens do fotojornalista Diogo Zanatta, destacando alguns cenários impressionantes da catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul.
Frandoloso enfatizou a importância de trazer à tona a dimensão humana dos desastres naturais, utilizando as fotografias de Zanatta como um veículo para ilustrar a realidade enfrentada pelas comunidades afetadas. "Essas imagens são dele, e o que é importante também é todo o relato que ele faz", ressaltou.
Frandoloso utilizou o exemplo dos deslizamentos em Angra dos Reis, em 2015, para ilustrar a falta de ações concretas em enfrentar problemas relacionados à ocupação inadequada do solo. Ele observou que, enquanto muitos lamentaram os prejuízos de populações mais abastadas, como foi no caso do município fluminense, a verdadeira preocupação deveria estar nas comunidades em situação de vulnerabilidade.
"Uma grande parte dessa população está em área de vulnerabilidade social, ou melhor, social e ambiental, ocupando áreas irregulares", destacou o professor, acrescentando que muitos dos desafios atuais já eram previsíveis. A questão que permanece, segundo ele, é se "essa população terá condições de vida e terá todos os direitos garantidos pela Constituição brasileira".
Outro ponto de destaque levantado pelo professor foi a importância de instrumentos legais atualizados para organizar o crescimento urbano. Como exemplo, Frandoloso indicou a situação de Muçum, no Vale do Taquari, que enfrentou as enchentes de setembro de 2023 e de maio de 2024. “O plano diretor do município foi aprovado em, pasmem, 1968. Como um município pode pensar em futuro sem ter os seus instrumentos atualizados e atualizados?”, questionou.
Ele aponta que a reconstrução daquele e de outros municípios não pode repetir o modelo atual de planejamento, devendo contemplar soluções baseadas na natureza para adaptar, mitigar e ampliar a resiliência dos espaços urbanos.
POPULAÇÕES INDÍGENAS - Na primeira palestra do Painel 3 - Impactos Sociais da Catástrofe, a técnica da Emater (Instituição de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social) Mariana Soares apresentou dados sobre as consequências dos eventos climáticos, como a enchente de maio, sobre as comunidades indígenas localizadas no Rio Grande do Sul. A fala destacou a necessidade urgente de visibilidade e ação diante das vulnerabilidades históricas dessas populações.
Mariana iniciou a discussão ressaltando a tradição da Emater no levantamento de perdas causadas por fenômenos climáticos. Há décadas, a instituição tem documentado os impactos de eventos como secas e granizos. "Nós, profissionais da área social, sabemos que quando falamos de perdas, estamos falando de famílias, comunidades e pessoas que vivem da agricultura familiar", afirmou.
O levantamento realizado no mês da enchente expôs uma realidade preocupante: 92% das aldeias indígenas do estado estão localizadas em municípios que decretaram situação de emergência ou calamidade. Isso afetou 147 aldeias de quatro etnias - Charrua, Kaingang, Mbyá-Guarani, Xokleng - espalhadas por 72 municípios. "Os dados nos mostram a grandeza do impacto, agravada pelas vulnerabilidades pré-existentes dessas famílias", destacou.
Mariana enfatizou a importância da terra para a sobrevivência das comunidades indígenas, apontando para a inadequação ambiental de muitas áreas e a violação de direitos básicos. "A terra é a partir da qual essas comunidades são capazes de se reproduzir fisica e culturalmente", explicou, ressaltando ainda a dependência externa de alimentos e as dificuldades de obtenção de renda.
A técnica da Emater fez um apelo por justiça ambiental, sublinhando a responsabilidade compartilhada entre União, estados e municípios na construção de políticas públicas efetivas. "Os indígenas também são munícipes e, portanto, devem ter políticas públicas construídas pelos gestores municipais", argumentou.
Por fim, Mariana chamou atenção para a perda de renda nas aldeias, especialmente na comercialização de artesanato indígena. Feiras e eventos cancelados impactaram diretamente as famílias, muitas das quais protagonizadas por mulheres. "Estamos falando de uma arte indígena do patrimônio cultural e material que carrega consigo significados simbólicos e são essenciais para o sustento das famílias", concluiu.
PESCADORES NA ZONA SUL - Em resposta ao desastre natural que atingiu a zona sul do Estado em maio de 2024, o professor José Ricardo Costa, da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), destacou em sua apresentação as iniciativas do projeto "Atendendo ao Povo das Águas". Criado logo após o início da enchente, o projeto levou auxílio a comunidades tradicionais de pescadores afetadas pelas enchentes, principalmente no estuário da Lagoa Mirim e na região de São Gonçalo.
O professor enfatizou os desafios enfrentados por essas comunidades para acessar os auxílios estatais oferecidos, que pela sua complexidade digital e burocrática, se tornaram inacessíveis para muitos moradores. "Sabíamos que a política pública tradicional, apoiada por plataformas como o GOV, não funcionaria para essas comunidades", afirmou. A impossibilidade de acesso a serviços básicos e a complicação adicional de dados cadastrais desatualizados ou inexistentes tornaram o auxílio insuficiente e ineficaz.
A iniciativa mobilizou diversos entes públicos, como a Caixa Econômica Federal e o INSS, para realizar atendimentos diretamente nas comunidades. Com o apoio logístico do Corpo de Bombeiros, as equipes do projeto conseguiram se deslocar por terra e água, cobrindo uma extensa área geográfica desde a Ilha dos Marinheiros até São José do Norte. "Nosso campo é a água, e é lá que estamos fazendo a diferença", destacou o professor.
Além do suporte institucional, o projeto também forneceu cestas básicas e realizou a emissão de documentações perdidas pelas enchentes. Apesar dos avanços, o professor Costa lamentou a lentidão e a complexidade do sistema de auxílio. "É lamentável que ainda estejamos discutindo questões que deveriam ter soluções mais ágeis e eficazes", comentou ele, mencionando o apoio judicial prestado pelo projeto a vários moradores que ainda aguardam o auxílio financeiro para a reconstrução de suas casas.
SITUAÇÃO DOS QUILOMBOLAS - As comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul ainda enfrentam desafios significativos para sua recuperação após a catástrofe climática de 2024. Em sua apresentação, Regina Miranda, técnica da Emater, expôs a situação dessas comunidades e as ações realizadas para mitigar os impactos do desastre.
O Rio Grande do Sul, com 140 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, viu 90% delas localizadas em municípios que decretaram calamidade ou emergência. Segundo os dados da Emater, Porto Alegre foi a cidade com o maior número de famílias quilombolas atingidas, além de Lajeado, Dona Francisca e Capivari do Sul. "Essas famílias já viviam em situações de vulnerabilidade, agravadas agora pelos efeitos das enchentes", afirmou Regina. Ela explica que muitas dessas comunidades estão em áreas rurais, a mais de 30 quilômetros da sede dos municípios, o que dificulta ainda mais o acesso a serviços.
A questão do racismo estrutural e da falta de titulação de terras são obstáculos crônicos que complicaram a resposta ao desastre. Apenas seis comunidades possuem título de terra, o que impede o acesso a políticas públicas e programas de auxílio destinados a agricultores familiares. "As comunidades enfrentam uma disputa cotidiana por seus territórios, sem a formalização necessária para acessar benefícios", destacou Regina.
No auge da crise, a Emater utilizou um mapa interativo para identificar as comunidades alagadas e coordenar esforços de ajuda com gestores e secretarias estaduais. "Esse mapa foi essencial para localizar e priorizar o auxílio emergencial, ainda que muitas famílias relatassem a falta de qualquer tipo de suporte e a necessidade de mediação municipal para garantir seus direitos", criticou.
Regina ressaltou a importância de ações que vão além da resposta emergencial, buscando soluções estruturais a médio e longo prazo. "É crucial repensar a infraestrutura, apoiar a produção agropecuária, em grande parte para autossustento, e garantir a segurança alimentar dessas comunidades", argumentou. Ela também enfatizou a capacidade de organização dos quilombolas, que rapidamente se mobilizaram para trocar informações e buscar apoio.
A apresentação concluiu com um chamado à ação conjunta e à responsabilidade dos governos municipal, estadual e federal para incluir essas comunidades nas políticas públicas. "Assim como se conversa com sindicatos e outras lideranças, é preciso dialogar com entidades representativas dos quilombolas e respeitar suas formas de organização", frisou Regina.
IMPACTOS SOBRE A SAÚDE - Em um cenário em que as mudanças climáticas intensificam os desastres naturais, a saúde da população se torna uma preocupação central. Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), destacou a ligação intrínseca entre saúde e ambiente, abordando a necessidade de ações que vão da prevenção ao combate às consequências climáticas.
Durante sua fala, Lucia enfatizou o conceito de saúde ampliada, lembrando que bem-estar não é apenas a ausência de doenças, mas inclui acesso à moradia digna, educação, segurança alimentar e um meio ambiente saudável. "A nossa saúde está ligada à saúde do planeta e de todos os seres vivos", afirmou, citando a pandemia de Covid-19 como um exemplo dessa interconexão.
A questão da saúde única, que integra saúde humana, animal e ambiental, foi um dos pontos centrais destacados pela reitora. Este conceito busca soluções sustentáveis e integradas para promover o bem-estar de todos, incluindo os ecossistemas. Luciaalertou que a pandemia da Covid-19 não será a última, e enfatizou a importância de estar preparado para futuras crises sanitárias que possam surgir devido à perda de biodiversidade e outras mudanças ambientais.
Em relação aos impactos diretos das mudanças climáticas na saúde, a gestora mencionou tanto os efeitos imediatos de desastres, como traumas e estresse térmico, quanto os indiretos, incluindo problemas na qualidade da água, produção de alimentos e questões econômicas. "As mudanças climáticas podem também exacerbar vulnerabilidades sociais e econômicas, aumentando o risco para populações já em situação de desvantagem", observou.
A reitora ressaltou ainda a importância de um sistema de saúde resiliente, capaz de enfrentar as ameaças climáticas com agilidade e capacidade de adaptação. Investir na capacitação de profissionais da saúde, avaliar vulnerabilidades e planejar para aumentos de demanda são ações essenciais. "Precisamos preparar nosso sistema único de saúde para enfrentar essas ameaças com políticas públicas coordenadas", acrescentou.
A reitora da UFCSPA finalizou sua apresentação destacando o papel crucial das universidades e institutos federais na pesquisa, comunicação e apoio durante crises, como as enchentes que afetaram o estado. "A ciência é nossa aliada na preparação e prevenção de doenças e na promoção da saúde, e a educação é a ferramenta mais poderosa que temos", celebrou.
CONSEQUÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - As escolas e suas comunidades foram especialmente assoladas pela catástrofe que assolou o Rio Grande do Sul em 2024 e em outros momentos da história recente. Foi neste contexto que a professora da Feevale, Danielle Martins, começou sua fala refletindo sobre a intrínseca relação entre os desastres naturais e as vulnerabilidades do sistema educacional.
O impacto das enchentes foi massivo: das 2.337 escolas estaduais no Rio Grande do Sul, 144 foram severamente afetadas, enquanto cerca de 1.800 tiveram suas atividades interrompidas. Martins enfatizou os efeitos negativos dessas interrupções no desenvolvimento das crianças, potencializando traumas emocionais e comprometendo o crescimento saudável. "Estas escolas, muitas vezes vistas como espaços seguros para crianças e adolescentes, tornaram-se inacessíveis durante a crise", observou.
A professora destacou ainda que a infraestrutura precária e a localização em áreas de risco são questões críticas que já impactam a educação há tempos. Esses fatores, associados às vulnerabilidades socioeconômicas, dificultam a resposta eficiente a desastres. Entre as soluções propostas, ela enfatizou a necessidade de investir em medidas como educação para redução de riscos de desastres, educação ambiental e climática. "Precisamos de uma abordagem integral que capacite comunidades, fortalecendo o sentimento de autoproteção e resiliência", afirmou.
A criação de projetos comunitários, como o Mapa Cidadão e a formação de agentes mirins de defesa civil, foram citados como exemplos de iniciativas que podem promover a educação cidadã e melhorar a percepção de riscos. Martins reforçou que a educação deve ser vista como prioridade, alavancada pelo investimento contínuo para enfrentar as ameaças climáticas de forma eficaz.
Ao final da apresentação, a professora destacou que a educação é uma ferramenta poderosa para transformar desafios em oportunidades de crescimento e desenvolvimento comunitário. "Devemos garantir que a educação se torne a base para a construção de uma sociedade mais resiliente, preparada para enfrentar as adversidades climáticas e outras ameaças socioambientais", concluiu.
TECNOLOGIA COMO ALIADA - Em meio a um cenário de incerteza da população, a cidade de Rio Grande contou com um aliado valioso: um modelo de dados desenvolvido pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG). Durante sua apresentação, o professor Glauber Gonçalves destacou como esta tecnologia preditiva auxiliou a população local a se preparar para os desafios impostos pela subida dos níveis das águas.
O modelo, descrito por Gonçalves, combinou sistemas de alta tecnologia com informações hidrodinâmicas, permitindo prever com precisão os níveis de água em diferentes momentos da catástrofe climática. "No dia 4 de maio, três dias antes das primeiras inundações, a universidade publicou um boletim que apresentava mapas detalhados sobre as áreas que seriam afetadas", explicou. Essas previsões possibilitaram que muitos moradores tomassem medidas preventivas eficazes.
Segundo o docente, a tecnologia utilizada pela FURG “não surgiu do dia para a noite”, sendo resultado de mais de duas décadas de pesquisa e desenvolvimento, incluindo um mapeamento detalhado da cidade realizado em 2018, com investimento significativo da Prefeitura. "Esse modelo, utilizado para simulação, se baseia em dados coletados ao longo de muitos anos, que incluíram a topografia do terreno e condições climáticas", destacou.
Apesar do sucesso, Gonçalves chamou atenção para a necessidade de melhorar a comunicação de dados técnicos à população. "Publicamos mapas, mas a interpretação desses dados em linguagem clara é fundamental. Precisamos integrar profissionais de comunicação para tornar a ciência acessível a todos", afirmou.
A FURG, através de boletins diários, conseguiu informar a comunidade sobre os riscos iminentes, permitindo que as pessoas se preparassem adequadamente. No entanto, Gonçalves reforçou que a tecnologia não pode ficar confinada em laboratórios, devendo ser integrada a sistemas públicos para tomada de decisão, beneficiando não apenas o meio acadêmico, mas toda a sociedade