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SEMINÁRIO
Evento histórico une políticos, pesquisadores, instituições e sociedade civil para debater o desastre climático do RS
Fernanda Corezolla, coordenadora do evento e diretora de Articulação com a Comunidade Científica da Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul. Foto: Joca Moura
O Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, recebeu, nos dias 3 e 4 de dezembro, o seminário "A Ciência no Enfrentamento ao Desastre de 2024 no RS: da emergência à reconstrução". O evento foi promovido pela Secretaria para Apoio à Reconstrução do Governo Federal, em parceria com o Fórum de Reitores das Universidades Públicas e Institutos Federais do Rio Grande do Sul (Foripes), o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O objetivo do seminário foi realizar uma análise multidimensional dos impactos das enchentes que afetaram 2,4 milhões de pessoas no Rio Grande do Sul em maio de 2024, promovendo articulações entre ciência e política. A dinâmica foi realizada em quatro painéis temáticos, compostos por pesquisadores de universidades gaúchas e representantes de instituições governamentais e da sociedade civil. O evento contou com a participação de cerca de 800 pessoas.
As atividades iniciaram na terça-feira, 3, com uma apresentação cultural da dupla de rappers Afro Black e DKG, que realizaram uma batalha de rimas. Após, Fernanda Corezolla, coordenadora do evento e diretora de Articulação com a Comunidade Científica da Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul (SEARS), deu as boas vindas aos presentes, destacando que o momento atual é de pensar a reconstrução do estado, visando a adaptação à nova realidade climática e pensando a mitigação de danos: “Esta fase exige conhecimento e compreensão social. Vivemos na sociedade do conhecimento mas, ao mesmo tempo, a contradição do mundo mergulhado nas fake news. Portanto, um desafio deste seminário é dar um passo a adiante, é avançar no diálogo com respeito às diversidades étnicas e sociais, na observação das diferentes disciplinas e dimensões, no reconhecimento das conexões entre o conhecimento científico, o conhecimento popular e o conhecimento ancestral e na união das instituições públicas, privadas esocietais”, destacou.
A mesa de abertura foi composta por Marcia Barbosa, reitora da UFRGS, Simone Stulp, secretária de Inovação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Gregório Durlo Grisa, secretário executivo adjunto do Ministério da Educação (MEC), Isabela Andrade, presidente do Fórum de Reitores das Universidades Públicas e Institutos Federais do Rio Grande do Sul (Foripes), Cintia Agostini, representante do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), Moisés Batista Pedone de Souza, o vice-presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e prefeito de Mostardas, e Márcia Margis, secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Os debates foram centrados na busca por uma resposta às enchentes no Rio Grande do Sul, destacando a necessidade de ações conjuntas entre universidades, governos, setor privado e sociedade. Foram abordados temas como a atuação das universidades em apoio humanitário, o papel da ciência e da pesquisa em crises, medidas emergenciais do Governo Federal, recorrência de eventos climáticos extremos e a importância do diálogo entre instituições. Também foram propostas iniciativas como a criação de um centro de monitoramento climático no estado.
A atuação das universidades públicas durante as enchentes foi o enfoque do discurso da presidente do Foripes, Isabela Andrade. Ela recordou ações como a abertura dos prédios das universidades para servirem de abrigos, a realização de serviços à comunidade, o apoio ao resgate de pessoas e animais, a coleta e distribuição de doações e as atividades de assistência aos desabrigados. “Quando passamos por momentos como a pandemia ou a crise climática, mais uma vez pensamos sobre a importância da produção do conhecimento, da pesquisa científica e de todo trabalho que é desenvolvido em nossas instituições de ensino”, ressaltou.
Representado o Ministério da Educação, Gregório Grisa abordou a atuação do Governo Federal durante a crise climática. O secretário executivo adjunto destacou o grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil, com a participação de 17 ministérios, que por quase 60 dias após o incidente se reuniu diariamente no Palácio do Planalto para articular junto às Forças Armadas a ação integrada no Rio Grande do Sul. Frisou a atuação do MEC, que liberou rapidamente R$ 50 milhões de forma emergencial para as universidades e institutos federais gaúchos, para auxiliar na reparação aos danos causados pelos temporais.
Após a abertura, o primeiro painel científico, com o tema “Mudanças climáticas e análise multidimensional do desastre: vulnerabilidades e riscos”, reuniu especialistas que falaram sobre fatores ambientais, climáticos e geográficos das enchentes no Rio Grande do Sul. O geólogo Rualdo Menegat (UFRGS) explicou que o aquecimento global, aliado à geografia e à configuração hidrográfica do estado, agravou as cheias e propôs a regeneração de ecossistemas locais como solução. Marcelo Alonso (UFPEL), meteorologista, relacionou o evento às mudanças climáticas, destacando o impacto do aumento da temperatura global na intensidade das chuvas e defendendo o fortalecimento dos sistemas de alerta hidrometeorológico. Os engenheiros Fernando Fan (UFRGS) e Jean Minella (UFSM) analisaram as falhas nos sistemas de proteção e compararam o evento com desastres anteriores que atingiram o estado em 2023 e 1941, enquanto Clódis de Oliveira Filho (geólogo da UFRGS) abordou deslizamentos em encostas, destacando o caso da cidade de Santa Tereza, uma das mais atingidas do estado, e levantando a necessidade de monitoramento e adaptação.
Ernestino Guarino, pesquisador da Embrapa, apresentou dados sobre os impactos no solo e na vegetação nativa, enquanto Elisete Maria de Freitas (Univates) relatou um estudo na Bacia do Rio Taquari-Antas, criticando a falta de articulação entre os representantes municipais para encontrar soluções. Elisete também defendeu a educação ambiental como ferramenta essencial e urgente, apontando que a responsabilidade pelas mudanças deve ser assumida por todos. O painel reforçou a importância de ações integradas, educação ampla e investimentos em monitoramento para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e prevenir desastres futuros.
O segundo painel do evento discutiu os impactos das enchentes de maio no Rio Grande do Sul sobre a economia, infraestrutura e ordenamento territorial, com ênfase na reconstrução e mitigação das consequências para as populações mais vulneráveis. O professor de Economia Marcos Lélis (Unisinos) estimou uma queda de 4,2% na atividade econômica em maio, ressaltando desigualdades regionais na recuperação e comparando os danos às enchentes com os de secas prolongadas. Carlos Guedes, economista do Ministério da Gestão, abordou a vulnerabilidade da agricultura, apontando perdas significativas em monoculturas e sugerindo articulação entre agendas agrícola, agrária e ambiental. O professor Sérgio Schneider (UFRGS) relatou prejuízos de até R$ 20 bilhões na agricultura, com impacto desproporcional sobre a agricultura familiar, e alertou para a necessidade de mudanças no sistema produtivo diante de uma “permacrise” climática.
Os danos à infraestrutura foram analisados por Alessandro Miebach, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas da UFRGS, que explanou prejuízos bilionários em rodovias, ferrovias e portos, defendendo investimentos públicos para enfrentar desastres mais frequentes e questionando a sustentabilidade dos modelos atuais de concessão. Marcos Frandoloso (UPF) relacionou a ocupação irregular do solo à vulnerabilidade urbana, criticando a falta de planejamento em cidades como Muçum, cujo plano diretor data de 1968. Ele defendeu soluções baseadas na natureza para aumentar a resiliência urbana e questionou se populações em áreas de risco têm seus direitos constitucionais garantidos.
Finalizando o primeiro dia de trabalhos, os especialistas convidados para o Painel 3 dedicaram suas apresentações aos impactos sociais da catástrofe climática. A antropóloga Mariana Soares (Emater) informou que 92% das aldeias indígenas foram afetadas, apontando a dependência da terra e a perda de renda com artesanato, além de cobrar políticas públicas eficazes. José Ricardo Costa (FURG) apresentou o projeto "Atendendo ao Povo das Águas", que levou auxílio a pescadores tradicionais, superando barreiras burocráticas e promovendo atendimentos diretos. Regina Miranda (Emater) relatou a situação crítica de quilombolas, ressaltando racismo estrutural e falta de titulação de terras como entraves para o acesso a benefícios públicos.
A reitora da UFCSPA Lucia Pellanda abordou os efeitos das mudanças climáticas na saúde, defendendo um sistema resiliente e investimentos em prevenção. Danielle Martins (Feevale) destacou o impacto das enchentes na educação, com escolas danificadas e interrupções que agravaram vulnerabilidades emocionais e sociais, propondo educação climática para aumentar a resiliência. Glauber Gonçalves (FURG) apresentou um modelo preditivo que permitiu ações preventivas antes das enchentes em Rio Grande, defendendo a necessidade de comunicação científica acessível.
No segundo dia de evento, a primeira apresentação do painel “Governança e Políticas Públicas” ficou por conta do diretor de Relações Econômicas da SEARS, Ronaldo Zulke, representando o secretário para Reconstrução do RS, Emanuel Hassen de Jesus. Ele descreveu a atuação do Governo Federal durante e após o desastre de maio de 2024. Destacou que as ações foram realizadas em três enfoques: emergência, restabelecimento e reconstrução, para restituir os direitos básicos aos cidadãos afetados pela catástrofe.
Conforme Zulke, as decisões podem ser classificadas em cinco frentes: medidas institucionais, cuidados com pessoas, apoio a empresas e produtores rurais, medidas para os municípios e medidas para o estado. Estas ações necessitaram do investimento de diferentes fontes de recursos, tais como novas receitas, antecipações, créditos subsidiados e prorrogação ou suspensão de pagamentos. No total, foram destinados ao Rio Grande do Sul pelo Governo Federal R$ 105,4 bilhões, através de recursos novos e antecipação de benefícios ou prorrogação de tributos.
Além de destinar verbas ao estado, Zulke destacou que o Governo Federal também realizou diversas medidas institucionais como a criação do Ministério da Reconstrução (atual SEARS), secretaria extraordinária para atuar in loco nas ações de reestruturação do Rio Grande do Sul. O estado também foi foco de reuniões interministeriais em Brasília e recebeu a visita do Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, junto aos presidentes dos poderes legislativo e judiciário.
De acordo com Zulke, o Governo Federal atuou ainda no resgate de pessoas e animais, na coleta e transporte de doações, no desbloqueio de rodovias e na implementação da operação emergencial de aeroporto comercial na base aérea de Canoas. Ofertou também, auxílio para famílias e empreendedores afetados pelas enchentes e deslizamentos, através do auxílio reconstrução, do auxílio trabalhador e trabalhadora, do bolsa família, do saque calamidade do FGTS, adicional de seguro desemprego e suspensão dos pagamentos do Minha Casa, Minha Vida por seis meses. Também foi liberado aos moradores de áreas afetadas antecipação de restituição do imposto de renda, abono salarial, benefício de prestação continuada, benefícios previdenciários e pagamento de bolsas de pós-graduação.
No atendimento às vítimas do desastre, o Governo Federal criou 13 hospitais de campanha, destinou R$ 46 milhões de recursos em medicamentos e insumos hospitalares, doou 91 mil cestas básicas e forneceu R$ 58 milhões para reconstrução de escolas.
Para os empreendedores e agricultores, os benefícios foram a suspensão do pagamento de financiamentos por 12 meses, prorrogação de tributos federais por até três meses, até R$ 30 bilhões para linhas de crédito, desconto, equalização e prorrogação de dívidas para agricultores familiares, cooperativas e assentados, e linha de R$ 20 bilhões para financiamento de empresas de todos os portes.
A ação de apoio ao Governo do Estado do RS promoveu a liberação de R$ 30 bilhões em verbas através de diversas medidas, além de postergação da dívida e abatimento de juros. Os municípios gaúchos receberam R$ 8 bilhões, através de emendas parlamentares, ações da defesa civil e pagamento extra para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Conforme Zulke, “o aporte de recursos do Governo Federal para o estado, que totaliza mais de R$ 50 bilhões já recebidos e outros R$ 50 bilhões ainda por vir, representa um importante apoio para o enfrentamento ao desastre. Os economistas apontam a rápida recuperação da economia gaúcha e isso tem muito a ver com essa injeção potente de recursos que foram realizados pelo Governo Federal. Os auxílios emergenciais garantiram a retomada do PIB do Rio Grande do Sul após as enchentes”, celebrou.
Continuando o painel de Governança e Políticas Públicas, Markus Brose (UNISC) analisou modelos internacionais, como o da reconstrução da bacia do rio Great Miami, nos EUA, que preveniu novas enchentes na região afetada por um desastre em 1913. Sérgio Cardoso, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, destacou a importância da atuação de conselhos e comitês populares para auxiliar na tomada de decisões estaduais e municipais e cobrou mobilização da sociedade civil para reconstruir e acompanhar ações de prevenção aos desastres. Jonas Calvi, prefeito de Encantado, relatou os desafios do município, que ainda assiste mil famílias desabrigadas e enfrenta queda de arrecadação. Ele detalhou obras que estão sendo realizadas na cidade, como muros de contenção, reconstrução de pontes e limpeza de arroios, além de um projeto de implementação de um dique em uma das áreas mais afetadas. Sílvia Cappelli (MP-RS) apresentou o trabalho do GabClima do Ministério Público gaúcho, que atuou nas enchentes e ainda atua em várias frentes de reconstrução, incluindo combate a fraudes, apoio aos atingidos e fiscalização de serviços.
Finalizando o evento, a coordenadora da SEARS, Fernanda Corezola (SEARS) garantiu a continuidade das políticas de reconstrução do Rio Grande do Sul, que passarão a ser geridas pela Secretaria de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República (SAM), reforçando o compromisso do Governo Federal em articular ações com entidades locais e nacionais na prevenção de novos desastres.